terça-feira, 30 de setembro de 2008

Como um livro aberto

Três mil anos
É como um livro aberto
Imagem – esculpidas cenas
Lâminas partidas – últimos dias –
Artefacto marfim pedra marcação.

Três mil anos
É como um livro aberto
Imagem – de pedra e restos
De baleias – últimos dias –
Artefacto marfim pedra marcação.

Três mil anos
É como um livro aberto
Imagem – desenhos de caçadas
Feitas de pedra – últimos dias –
Artefacto marfim pedra marcação.


2008.09.29
José Almeida da Silva

E agora José? por Carlos Drummond de Andrade

José

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio - e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?


Carlos Drummond de Andrade

Tua Caixa De Segredos

Faz de teu olhar, teu olhar só meu
Só de quem o encontra em terra de plebeu
Em lua de cavaleiro, em mar dianteiro,
Em ondas de vagas luzes cuja música me encanta.

Abre-a para mim, tua caixa de segredos
Em que teu cheiro guardas, teus medos
E deixa-me voar, nadar no lacrimejar
Que libertas ao ver-me amar.

Di-lo, aflorando, clama-o,
Que meus olhos se inundem de expressão,
Que meus dentes cerrem de paixão!
Que eu te queira loucamente....

Suspira, vem meu cabelo afoguear
Vem minha mente atordoar,
Meu corpo fatalmente aprisionar
Para que te ame loucamente.

Di-lo, aflorando, clama-o,
Que meus olhos se inundem de expressão,
Que meus dentes cerrem de paixão!
Que eu te queira loucamente..

David Campos Correia

Vida Sentida

Estas sombras que me atrasam...
Este doce mar que me faz naufragar no seu esplendor!
Fumo, fumo intenso de quem bebe e de quem vive!
Oh! Vida sentida!

Que luz vejo? Que luz?
Tentação que seduz...
E alma e onda e porto que num reflexo se encontram!
E pontes de círculos e sinais...

Almas perdidas e mentes esquecidas
Que são tempo, são pó de alvorada!
Cego com um louco, cego! Infeliz que nem cão...
E mago no meu mundo que nada vira no senão!

E vejo outro pico - outro, ao longe - e viajo!
É a luz que me acorda... me devora!
Vai nascer! Renascer! Sorrateira...
É o som do novo ser na dianteira!

Ai que eu quero voar! E girar, rodopiar até mais não...
E dizer-vos que sou - o que sou -
Nesta geração de marinheiros solitários!
De corais extintos! De peixes famintos...

E mais e mais e mais!
Ângulos obtusos no areal extenso...
Rochas, folhas do mar e de sua música,
Filhas da terra e de seu mundo que é este!

Ancorados os anjos na terra...
Que de longe me acenam e fitam,
Do poente me engolem, criticam
Esta triste figura que os invoca do nada!

É um ponto negro na plenitude da vida...
Que se faz difícil mas não é!
Traiçoeira e crua, na noite da rua
É a vida que se ouve, é tua!

E é minha no dia e na manhã!
É minha no azar e na fortuna...
Dos momentos de glória e vitória
Nas sentenças do coração mestre!

David Campos Correia

E então sento-me à tua mesa



                                  Renoir



Então sento-me à tua mesa. Porque é de ti
que me vem o fogo.
Não há gesto ou verdade onde não dormissem
tua sombra e loucura,
não há vindima ou água
em que não estivesses pousando o silêncio criador.
Digo: olha, é o mar e a ilha dos mitos
originais.
Tu dás-me a tua mesa, descerras na vastidão da terra
a carne transcendente. E em ti
principiam o mar e o mundo.
Minha memória perde em sua espuma
o sinal e a vinha.
Plantas, bichos, águas cresceram como religião
sobre a vida – e eu nisso demorei
meu frágil instante. Porém,
teu sinal de fogo e leite repõe a força
maternal, e tudo circula entre teu sopro
e teu amor.

Herberto Helder

lido aqui

Cassandra

Num sábado de oração na Sinagoga grande, o rabino disse
«O milagre não é uma laranja tornar-se cúbica, o milagre é as laranjas já serem esféricas»
Nada era melhor do que aquela pedra.
Algumas horas. Devia fazer isso com todas as coisas.
Às vezes não é preciso tanto tempo, 12 minutos a olhar para um semáforo avariado e torto e já nada é mais bonito do que um semáforo a cair!


A cidade está cheia de medo.
Nestes dias antes da tua morte, a cidade ficou cheia de medo de nós.
Os muros pareciam precisar de ajuda
Os prédios não conseguiam suportar mais os seus habitantes.



Fez-se um silêncio pleno …
Um silêncio Grande,
Como quando dez mil camiões buzinam ao mesmo tempo.




Tanta calma … Percebemos logo Tudo.
Aprender num dia mais do que no anterior
Como a minha mãe me disse, ou foi a meu filho?
O tumor está a alastrar-se a toda a cabeça! – Gritou alguém ao megafone.
Cassandra!
Está tudo a correr bem!
As laranjas são redondas ainda. Tudo é tão leve …


Queria tanto beber do teu leite.
Tu empurravas-me a cabeça e rias-te.
Acendias um cigarro.
O teu corpo era a minha casa.



Quero abraçar todos os homens e mulheres.
O Abraço supremo que abarca toda a humanidade com os braços grandes de uma mãe.
Os cantores de que tu gostavas estão agora mais vivos.
As canções na rádio sabem a leite estragado.
Calma, foi apenas o fim do mundo.
Tudo o resto continua……….


O carro funerário ia muito devagar
Foi tudo tão alegre … Uma alegria Aguda
Que entrava dentro de nós
Como uma viga de ferro a cair-nos na cabeça
Uma felicidade sufocante que ecoava pelo Universo naquele sábado de sol
Cassandra
Só um som ou uma ideia
Só uma PALAVRA



Nuno Brito, 2007

Correcção ao primeiro trabalho de casa

constatando que o primeiro trabalho de casa tem um erro de gramática, junto aqui a versão corrigida e melhorada, não apago o primeiro para que o erro sirva de exemplo.
Aqui fica a versão corrigida:


Um livro aberto
Três mil anos Aberto
Com desenhos de baleias

Um livro de marfim
Com marcação de lâminas partidas…



três mil Baleias de marfim
Restos de baleia
três mil anos caçadas em desenhos de pedra

partidas em restos de lâminas

últimos dias baleia
três mil anos baleias…

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Trabalho para casa

Mil anos
três esculpidas cenas
de pedra, de marfim...
como um livro aberto!

Desenhos de caçadas,
três lâminas partidas,restos...
de últimos dias!

Mil anos
de marcação e imagem...
três baleias feitas de pedra,
de marfim!

José Ferreira

Poetisar

Inquietas almas que observam quotidianos de rotinas, permitam que deslize também neste mar de azeite... surpreso, participante de troca de sensações, apurando o gosto, as preferências, nestas canções de palavras a que chamo poesia.

Como primeira contribuição e no resultado da iniciática aula, atrevo-me a poetisar:

O Poeta

O poeta de asa estendida
indaga, observa, navega...
teias de energia e luz... infinitos de tempo.
Ilimita o sonho em finas melodias;
anjos e musas!

Um ser único
(como todos os são)
cativo dos sentidos
nas gotas leves... transparentes...
uma chuva miúda
que só nele toca...
outros não!

José Ferreira

Sessão de poesia mexicana - Café Progresso


Quinta feira - 2 de Outubro de 2008

Sessão de Poesia Mexicana - Café Progresso/Poetria




A Livraria Poetria realiza uma sessão de "Poesia mexicana" no próximo dia 2 de Outubro, pelas 21,30h. no Café Progresso, com leitura de poemas por José Carlos Tinoco, Cláudia Novais, Nuno Meireles e Susana Guimarães.

Será servido um cálice de tequila.

Emily Dickinson


"I dwell in possibility -
A fairer House than Prose"

O Corvo - Edgar Allan Poe - tradução de Fernando Pessoa

Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de algúem que batia levemente a meus umbrais.
"Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.
É só isto, e nada mais."
Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P'ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais -
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
Mas sem nome aqui jamais!
Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundido força, eu ia repetindo,
"É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
É só isto, e nada mais".
E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
"Senhor", eu disse, "ou senhora, decerto me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal ouvi..." E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.
Noite, noite e nada mais.
A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais -
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.
Isso só e nada mais.
Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
"Por certo", disse eu, "aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais."
Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.
"É o vento, e nada mais."
Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais,
Foi, pousou, e nada mais.
E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
"Tens o aspecto tosquiado", disse eu, "mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais."
Disse o corvo, "Nunca mais".
Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
Que uma ave tenha tido pousada nos meus umbrais,
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,
Com o nome "Nunca mais".
Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
Perdido, murmurei lento, "Amigo, sonhos - mortais
Todos - todos já se foram. Amanhã também te vais".
Disse o corvo, "Nunca mais".
A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
"Por certo", disse eu, "são estas vozes usuais,
Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,
E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais
Era este "Nunca mais".
Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
Que qu'ria esta ave agoureia dos maus tempos ancestrais,
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,
Com aquele "Nunca mais".
Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
No veludo onde a luz punha vagas sobras desiguais,
Naquele veludo onde ela, entre as sobras desiguais,
Reclinar-se-á nunca mais!
Fez-se então o ar mais denso, como cheio dum incenso
Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.
"Maldito!", a mim disse, "deu-te Deus, por anjos concedeu-te
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".
"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais,
A este luto e este degredo, a esta noite e este segredo,
A esta casa de ância e medo, dize a esta alma a quem atrais
Se há um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais!
Disse o corvo, "Nunca mais".
"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais.
Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".
"Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!", eu disse. "Parte!
Torna á noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!
Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".
E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha cor de um demônio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão há mais e mais,
Libertar-se-á... nunca mais!
Fernando Pessoa
________________________________________
* Traduzido de The Raven, de Edgard Allan Poe, ritmicamente conforme com o original.

Emily Dickinson

657


Habito na possibilidade -
Uma casa mais bela do que a prosa –
Com mais janelas –
E portas - maiores

Salas como Cedros –
Que o Olhar não alcança –
E como Tecto Imperecível
Os limites do Céu –

Visitantes – os mais belos –
Ocupação – Esta –
Abrir ao máximo as minhas Mãos finas
Para colher o paraíso -



Emily Dickinson – tradução de Nuno Júdice

domingo, 28 de setembro de 2008

Os três pastorinhos búlgaros

Nossa Senhora não se esquece da Bulgária,
Depois da escola os três pastorinhos vão lanchar
Pães com manteiga molhados no café com leite
Leite quente – faz frio – na montanha
Muito frio na montanha BRRHh


Nossa Senhora não se esquece do povo búlgaro,
Dá-lhes frio quando é preciso e sol quando é preciso,
Quando é preciso os búlgaros também têm neve,
As ovelhas sobem a montanha seguindo os passos dos
Três pastorinhos – sobem as ovelhas, sobem as pessoas,
descem as ovelhas, descem as pessoas
descem a montanha, as pessoas e as ovelhas


Nossa senhora não se esquece da Bulgária
Aparece sempre bela e provocante aos búlgaros
no seu vestido de seda vermelha,
braços macios, não feitos de luz, mas de carne humana
ajoelham-se diante dela á sombra duma oliveira
Os três pastorinhos búlgaros


Nuno Brito 2008

Três mil anos de caçadas...

É um livro aberto...
Lâminas partidas,
Pedras...
Restos...
Desenhos, marfim e ... cenas esculpidas!
Artefacto...
Imagem de baleias,
Como marcação...caçadas!
Últimos dias de ...três mil anos...

Maria Celeste Carvalho

Exercício Um

Cenas partidas esculpidas como dias
Mil desenhos de restos -
três baleias, um livro de marcação,
lâminas e pedra feitas marfim
Anos de caçadas, últimos
É artefacto aberto - imagem

As idólatras formigas do mal

O vento frio assobia e corre dentro do osso
Voando triste de um lado ao outro do esqueleto;
Sem medo,
Percorre-o até ao arrepio,
Os ossos das mãos, os finos ossos dos dedos,
As extremidades violentas das pessoas dentro dos carros pretos,
Passa um barco a apitar de uma ponta à outra do crânio


A medula, a caixa craniana ressoa
Quando batida como um tambor contra os faróis de um camião
A medula, A caixa craniana,
Os ossos das mãos, os finos ossos dos dedos
A Rússia inteira com fome,
Com todos os seus dedos e articulações

A Sagrada família esculpida em açúcar
O apocalipse em braille…
As idólatras formigas do mal comem um menino Jesus de açúcar



Nuno Brito 2008

Exorcismo ao pasteleiro do século XXI

Exorcismo ao pasteleiro do século XXI


“A felicidade consiste em querer ser-se o que se é”
Erasmo de Roterdão: O Elogio da Loucura


I.


Elas dormem de mãos dadas em Minamara
As duas gémeas
Com as suas cabecitas encostaditas,
Como duas lobas com toda a fertilidade
As duas meninas ainda sem mamas
São mais braços e pernas entrelaçadas que outra coisa
Num labirinto pouco geométrico mas muito quente
uma respiração única
A febre causa-lhes um único sonho delirante:
Por toda a cidade estão a enforcar girafas no cimo das gruas.


Por todo o lado há girafas mortas amarradas no cimo das gruas
Às vezes cavalos brancos também são enforcados
As duas gémeas continuam abraçadas
Agora com uma respiração mais rápida e ofegante


As duas meninas são já uma só coisa…
O vento atira-lhes areia para a cara.


II.

Sai droga do olho de Maria
Jesus partiu-se ao meio e tinha cocaína dentro,
Os carneiros e os bois também se partiram em bocados…
A porcelana está mais assustadora
Maria injecta o caldo na veia…


III.

Não há droga no bairro chic
Hoje vais ter que injectar vinagre chic…


IV.

Poderoso vidente trabalha amarrações fortíssimas
Precisa-se cortador/a para trabalhar no talho

Dinheiro: empresto na hora sobre o seu carro e também sobre casas
Tel: XXXXXXXXXXX

Um crucifixo fluorescente e extremamente triste cumpre a sua missão
O pescador contínua sem aparecer,
os pescadores nunca aparecem


Nuno Brito 2008

No bosque do Aleixo, as musas…

Para lá do bosque do Aleixo está
o povo, filosoficamente caracterizado
dentro dos seus apartamentos:
todos abanam as línguas,
todos têm cabelos a roçar por trás do ouvido –
Quando chove no bosque do Aleixo,
as musas vêm cá fora apanhar a roupa,
Ao sábado no bosque do Aleixo um velho planta nabos
Tem cinco metros quadrados e unhas sujas –
As seringas no chão são chupadas pelos ratos
Os preservativos esquecidos no meio do bosque
Ainda com sémen desperdiçado – Os ratos vêm roer os preservativos
Para lá do bosque do Aleixo está o povo filosoficamente caracterizado
Para lá está o cinema, a filosofia, a vida!

Nuno Brito 2008

Marcação de anos

É um livro de pedra
desenhos de baleias feitas de marfim
desenhos de caçadas feitas de lâminas
cenas esculpidas
restos de imagem
Partidas

É um livro aberto
restos de dias
dias de mil e três anos
anos de três mil dias
dias como marfim
dias como pedra
dias últimos
Partidas

É um livro de restos
últimos artefactos
caçadas feitas
desenhos de cenas
um e mil
Partidas

Teresa (Almeida Pinto)

1º Trabalho para casa

No meu caso, para além do esforço para que as palavras fizessem algum sentido, tive que “lutar contra o inconsciente”, que teimava em adulterar as palavras do texto que nos foi dado pela Ana Luísa. Caçadas transformou-se em caçador, imagem em imagens e outras trocas, para que fosse mais fácil esta conjugação de singulares com plurais, masculinos com femininos, etc. Por fim, o meu “espírito picuinhas” venceu e acabei por fazer a checklist das 26 palavrinhas mágicas que se podem usar:

Aberto
Anos
Artefacto
Baleias
Caçadas
Cenas
Como
De
Desenhos
Dias
E
É
Esculpidas
Feitas
Imagem
Lâminas
Livro
Marcação
Marfim
Mil
Partidas
Pedra
Restos
Três
Últimos
Um

Livro

um livro de pedra é arte -
facto, marcação de lâminas partidas.
mil baleias de um mar -
fim como restos de anos e dias,
imagem, desenhos de cenas esculpidas.
Raquel Patriarca

A propósito das sessões…

nota prévia – a propósito das sessões que vamos tendo, lembrei-me que poderia ser interessante criarmos um espaço aqui no blogue onde pudéssemos escrever comentários… ou seja, continuar, de outra forma, a debater algumas das questões abordadas nas sessões…

Sendo assim, aqui vai…

Olá... Foi bom estar na nossa primeira sessão. Para mim que não sou da área de letras e sentindo-me apenas um simples curioso "desta coisa linda que é juntar palavras"... foi como um carregar no "pause" e partir para uma nova dimensão da qual eu gosto muito.
Posto isto, durante a sessão dei comigo a pensar uma série de coisas que acabei por não expressar...
Ia guardar para a próxima sessão mas ao ler o que a nossa formadora escreveu, pensei... e por que não agora, com palavras escritas?...
Depois podemos (ou não) voltar a pegar neste assunto...

E o que fui pensando tem muito a ver com isto que Ana Luísa escreveu...

"a palavra pode ser, ao mesmo tempo, instrumento de coerção e de liberdade"... acredito mesmo nisto, sobretudo que escrever é um acto de liberdade, que pode respeitar regras ou ser completamente anárquico, que pode ser feito por alguém que esteja muito satisfeito com a vida... ou que esteja muito insatisfeito... que pode ser para denunciar, desabafar ou simplesmente... porque sim... sem razão para ser o que é...

Sendo assim, algumas das coisas que fomos dizendo na sessão não terão procurado explicar o que não tem de ter explicação (são apenas opiniões)?... e, por outro lado, não teremos nós uma necessidade intrínseca de rotular?... o poeta tem de ser isto ou aquilo, para se escrever bem é preciso isto e mais aquilo...

Será errado pensar-se em poesia como um acto de liberdade, totalmente anárquico, sem necessidade de ter regras, explicações ou razões para ser o que é?...

Como eu gosto de Fernando Pessoa!...

"Não tenho ambições nem desejos.
ser poeta não é uma ambição minha.
É a minha maneira de estar sózinho."

Nuno CA

sábado, 27 de setembro de 2008

Sylvia Plath - Daddy

O cabelo é como carne

"... As pequenas covas acima das tuas nádegas,/ traçadas pela minha mão / ou, o cabelo é como carne, disseste/uma era de longo silêncio / o conforto / desta língua desta placa de calcário / de concreto reforçado..."


in "Queimar papéis in vez de crianças" - Adrienne Rich, 1968 - tradução de Ana Luísa Amaral

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Os Poetas - Navio de Espelhos

Há uma hora, Há uma hora certa & Pastelaria

trabalho para casa - 6

últimos dias:

um livro aberto
à três mil anos
com desenhos de baleias,
À três mil anos caçadas,
à três mil anos escúlpidas

partidas em lâminas, artefacto
mil e três baleias de marfim
últimos dias de um livro aberto...

SAUDAÇÕES POÉTICAS

Finalmente, depois de várias e goradíssimas tentativas, lá consegui (graças à ajuda da Teresa) "inscrever-me" no vosso / nosso blogue! Queria dizer a todas e a todos do prazer que foi a primeira sessão, e de ter visto já tantos textos aqui inseridos. Isto é prova de que a poesia está viva, que ela é necessária, preciosa, útil (mesmo, como eu já disse várias vezes, na sua "radical inutilidade" -- e também por isso mesmo).

Numa das famosas cartas de Novas Cartas Portuguesas (1972), da autoria de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, pode ler-se: "Minha irmãs, mas o que pode a literatura? Ou antes: o que podem as palavras?" Nessa interrogação, questionava-se o poder da "poesia", no mais lato sentido do termo. Mas o próprio acto de escrita, o facto de se enunciar a pergunta, desmente essa dúvida. Assim, dúvida e certeza sobre o poder da palavra são gestos vizinhos.

Nessa interrogação falava-se também de como a palavra pode ser, ao mesmo tempo, instrumento de coerção e de liberdade. Poucos anos antes, Adrienne Rich (grande poeta contemporânea estadounidense), num belíssimo poema de 1968, intitulado "Queimar papéis em vez de crianças", escrevia: "a sabedoria do opressor /esta é a linguagem do opressor // e todavia preciso dela para falar contigo". Ciente embora de que "uma língua é" [também] "um mapa dos nossos erros", ela insistia a força da palavra. Como elo de comunicação, simultaneamente forte e frágil .

É muito bom sentir que sentimos esse elo -- todos e todas aqui. Obrigada pelo blogue, pelo empenho. Por vós.

ana luísa

trabalho para casa - 4


Mil anos…

É imagem, marcação…
Três cenas esculpidas
…E lâminas de pedra
Baleias feitas de marfim…
Restos, artefacto, desenhos,
Partidas de caçadas…
Como um livro aberto.

Últimos dias…

trabalho para casa - 3

É
imagem, artefacto, marcação…
pedra.

Últimos desenhos de baleia.
Caçadas esculpidas como cenas feitas de anos.

Mil lâminas, restos de marfim, partidas…

Três dias…
e um livro aberto.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

trabalho para casa - 2

Após uma difícil tentativa de recriar palavras e frases de modo a que fizessem algum sentido, eis o que consegui:


É um livro de últimos desenhos,
Mil pedras feitas de marfim...
Dias, anos, como lâminas, caçadas,
Partidas e cenas, restos de imagem...
Três baleias esculpidas.
Artefacto.

trabalho para casa - 1

Dificil tarefa esta que levamos para casa...

Um pouco ao correr da pena, hoje de manhã, saiu isto...


esculpidas cenas feitas

como um livro aberto

desenhos de caçadas

três mil anos... últimos dias

lâminas partidas

restos de baleias de marfim e pedra

é imagem, marcação, artefacto...

Os dois poemas da minha confusão

1.
inscription for the ceiling of a bedroom

daily dawns another day;
I must up, to make my way.
though I dress and drink and eat,
move my fingers and my feet,
learn a little, here and there,
weep and laugh and sweat and swear,
hear a song, or watch a stage,
leave some words upon a page,
claim a foe, or hail a friend-
bed awaits me at the end.
though I go in pride and strength,
I'll come back to bed at length.
though I walk in blinded woe,
back to bed I'm bound to go.
high my heart, or bowed my head,
all my days but lead to bed.
up, and out, and on; and then
ever back to bed again,
Summer, Winter, Spring, and Fall-
I'm a fool to rise at all!

Dorothy Parker

2.
a book

there is no frigate like a book
to take us lands away,
nor any coursers like a page
of prancing poetry.
this traverse may the poorest take
without oppress of toll;
how frugal is the chariot
that bears a human soul!

Emily Dickinson




e daqui se depreende que gosto de ler e de dormir...


Raquel Patriarca

Poema de sete faces

Com Licença Poética

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo.

Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.

Adélia Prado