sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Quentes mercúrios

Tlim-Tlão!

Bigorna metálica, ferraduras virgens em brasa
nos bicos de uma tenaz, atiçando o martelo
que sobe e desce cravando tachas
em golpes largos de mão!
Sinusóide de períodos, vermelhos, laranjas
verdes; semáforos de emoções, alteando
faúlhas míopes nos fumos da extinção...
retomando os pequenos espaços incertos
nessas máculas de ferros machos
que pisam, marcam... e femininos
abrem arcos, esticam as cordas das setas
dos meninos nus, espaçando ventos
nas pressas da direcção!

Tlim-Tlão!

Cavalos alados de crinas à solta
nas oficinas dos infernos, dos paraísos
dos intermédios destinos, cavalgando à vez
musselines de sonhos, quentes mercúrios!

Sobe o martelo segue a canção:

Tlim-Tlão!

esmagando os vazios avaros sentidos,
determinativos desfechos sem reticências,
silogismos, lógicas gregas sem dedução...
pílulas àureas entre dentes brancos,
barrigas ocas sem voltas torcidas,
sem tremores, Himalaias de limites...Não!

Tlim-Tlão!

Nós sim, colunas de pedras gastas, usadas,
rugas paralelas das viagens,
moldados de magmas, de lavas, dos raios
das tempestades,ressarcindo dos cílicios
das paixões, sobreviventes, navegantes,
das Atlântidas perdidas, abrindo
as guelras das pulsões...
de olhos imersos de peitos abertos
aos suplícios dos martelos
em luta, desafio...revolução!

Tlim-Tlão!

Palavras

Trago apenas palavras semeadas nestes versos
São estruturas faladas por dentro do carmesim
Com que tu pintas a vida e constróis os universos
Da tristeza ou da alegria com que tu passas por mim.

As palavras são tão simples como os gestos que te vi,
Mas a vida que viveram renasce a todo o momento
Na bonança e no tormento do mar do conhecimento
Que em ti se constitui e que longe eu descobri.

As palavras que dormiam sonhando no dicionário
São as mesmas que te trago, agora despenteadas
Porém já bem acordadas para outro abecedário
E certas do que sonharam trazem novas caminhadas

De terras desconhecidas, universos encantados
Que os ventos lhes legaram lá no sul e lá no norte:
E são histórias de encantar as vidas desencantadas
E são sonho e são vida para combater a morte.

Trago palavras avulsas que de tão inusitadas
Tecem teias e toalhas e lenços de puro linho
Em que se inscrevem as vozes e o puro desalinho
(riso e choro e sentimento, e emoção magoada).

Em pensamento claro, em linguagem lavada,
Trago palavras em fio para teceres a meada.
2008.10.31

José Almeida da Silva

Reflexão

Hoje fui com uns poucos (Liliana, Elza, Nuno e Raquel) ao café progresso, ouvir declamação de poesia de Jorge de Sena. Fomos brindados com uma hora de atraso e uma introdução googleana à poesia do dito autor. Quando eu pensei que não podia piorar, ouço uma voz orgástica a declamar - diria melhor, a esfrangalhar - um poema. A pachorra não aguentou e pouco depois viemo-nos embora.

Falo disto aqui agora e aqui porque já não é a primeira vez que vou a este tipo de tertúlias e encontro, da parte de quem declama, uma certa pedantice de pseudo intelectual que me dá uma certa urticária. Como se se julgassem o centro do mundo, a classe pensante da sociedade.

Nestes momentos, vem-me à memória o que uma vez alguém me disse: que aqueles que escrevem sem terem qualquer tipo de formação superior na área da Literatura acabam tornando-se mais humildes, escudando-se assim da sua (suposta) ignorância. Como todas as generalizações, contém a sua margem de erro e espaço para excepções (a Ana, por exemplo). E dei por mim a agradecer baixinho, no meio dos berros da personagem, o ter-vos conhecido. Porque somos humildes, despretensiosos, sem malícia ou falsos pudores; porque temos a coragem de mostrar a nossa intimidade na poesia e a boa vontade de criticar o trabalho dos outros. no fundo, por sermos pessoas com um enorme respeito e amor à poesia, um amor simples, que não se reveste de trejeitos ou cigarros de angulo recto na mão.

Um bem haja a nós, companheiros de viagem, de descobrimento, de partilha.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

"NÃO NOS DESLARGUEMOS", DISSE -

Minhas amigas e meus amigos,

As minhas desculpas pelo silêncio de mais de uma semana, mas ando aflita a escrever uma conferência e uma comunicação para o Brasil. Parto no Sábado logo de manhã e ainda não acabei. Também por isso não consegui comentar os trabalhos: preciso de tempo, e tenho tido muito pouco nestes dias. Por isso também peço desculpa. Mas todos os dias espreito o blogue e leio os textos, e fico feliz e grata por termos criado um espaço de partilha, de amizade, de confiança - e de qualidade.

Não nos "deslarguemos", como diz a Teresa! Eu, por mim, prometo não o fazer.

Um abraço para todas e para todos. E obrigada.

ana luísa

P.S. Dia 19 de Novembro está óptimo! Não sei o que acham.

Espantos

Sinto que te encontrei
no fim de semana passado
na casa da praia dos ventos,
das memórias soltas!

O planar das mãos
que nas tuas terminava,
tornava leves os passos,
aliviava cansaços,
causava de novo,
riso, alegria, espantos...
na cor laranja das flores,
nos brancos violetas
agapantos!


p.s. com muita pena não me foi possível ouvir o Sax do Nuno, nem rever
os sensíveis companheiros das poesias emergentes, fica para a próxima!
Cheers to you all!!

Correcção do 2º TPC

Alterei o último verso, por sugestão da Ana Luísa.

O próximo artigo de aves terríveis
percorresse ar, origem, isoladamente…
Elo mais interior de penas de ar leves
resto de linhagem de aves recente

Esses ocos 0ssos-de-ar-do-rio aéreos!
O elefante de peles de invadidos
ou calor de penas de aves, excesso ar…
o novo ar a libertar desse ar primo!

(2º Trabalho para Casa – Escrita Criativa 2008)
Anabela Couto Brasinha

Não sei como dizer-te

Não sei como dizer-te que a minha voz te procura
e a atenção começa a florir, quando sucede a noite
esplêndida e casta.
Não sei o que dizer, especialmente quando os teus pulsos
se enchem de um brilho precioso
e tu estremeces como um pensamento chegado. Quando
iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado
pelo pressentir de um tempo distante,
e na terra crescida os homens entoam a vindima,
– eu não sei como dizer-te que cem ideias,
dentro de mim, te procuram.

Quando as folhas da melancolia arrefecem com astros
ao lado do espaço
o coração é uma semente inventada
em seu ascético escuro e em seu turbilhão de um dia,
tu arrebatas os caminhos da minha solidão
como se toda a minha casa ardesse pousada na noite.
– E então não sei o que dizer
junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio.
Quando as crianças acordam nas luas espantadas
que às vezes caem no meio do tempo,
– não sei como dizer-te que a pureza,
dentro de mim, te procura.

Durante a primavera inteira aprendo
os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstracto
correr do espaço –
e penso que vou dizer algo cheio de razão,
mas quando a sombra vai cair da curva sôfrega
dos meus lábios, sinto que me falta
um girassol, uma pedra, uma ave – qualquer
coisa extraordinária.
Porque não sei como dizer-te sem milagres
que dentro de mim é o sol, o fruto,
a criança, a água, o deus, o leite, a mãe,
o amor,

que te procuram.

Herberto Helder

Ainda a importância das palavras

Je dois aux mots la joie et les larmes de mes cahier d'écolier, de mes carnets
d'adult.
Et aussi ma solitude.
Je dois aux mots mon inquiétude. Je m'efforce de répondre à leurs questions qui
sont mes brûlantes interrogations.

Edmond Jabès, Je bâtis ma demeure

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Obrigada

Prezados,
obrigada a todos e faço das palavras da teresa as minhas.

Agora fica uma "PREZADA" homenagem.


p.s - espero que reconheçam e gostem

filinta

Não nos deslarguemos

Caríssimos/as

Foi, é e espero que continue a ser um prazer, esta vossa companhia.
Não nos deslarguemos.
Hoje tentei criar um grupo de “discussão” no Google, para passarmos a receber, via email a informação, sempre que o nosso blog for actualizado, mas a opção é má, porque obriga a usar emails do @gmail (onde no meu caso e sei que mais alguns) vamos raramente.
Se alguém tiver alguma sugestão/ideia brilhante de como receber “lembretes” via email, para passar no blog, pf coloque em acção.
Nem sempre me lembro de vir a este espaço, onde me faz bem vir, e quase nunca contribuo para o seu crescimento saudável e inspirador. Por isso agradeço duplamente aos culpados habituais que alimentam com todo o carinho a alma, este filho-blog que é de todos. Por favor (oh! Pedido egoísta!), continuem a esse trabalho, por estou certa que não sou só eu a agradecer.

Quanto ao Jantar que tal uma sexta-feira - dia 19 de Novembro, pelas 20:30, algures, isto se a Ana Luísa estiver disponível.
Um abraço e até já !
Teresa (AP)

Jantar Adiado

Olá o jantar ficará adiado, porque algumas pessoas não vão poder ir,

Depois de dia 12 quando a Ana Luisa voltar, combinamos uma data,

A teresa sugeriu dia 19 de Outubro que é uma quarta-feira, é uma boa data


Saudações Poéticas

Olá...

Olá...

Sou o outro Nuno do nosso curso... aquele que não se devia ter inscrito porque esteve... mas não esteve... queria participar mas não participava... nem os trabalhos de casa cumpria!... enfim, não adianta falar de desculpas (aulas, falta de tempo, blablabla mais blablabla)... foi assim porque tinha de ser assim (ponto final). E para terminar ainda pior... hoje não vai dar mesmo para ir ao jantar. Lamento mas não dá!
Por isso envio-vos a todos um abraço... e um até qualquer dia...

Nuno CA

PS - A minha relação com a poesia é um pouco como a minha participação neste curso... irregular, por ondas... sobretudo quando tenho "espaço mental" e aí as palavras saem. Apesar de agora não estar com "espaço mental" para a poesia, foi bom estar lá e ouvir-vos. Eu já sabia que não era poeta e que de poesia sabia... zero! Percebi melhor isso ao ouvir a Ana Luisa (obrigado...) e todos vocês... Gostei de vos conhecer e gostava de ter partilhado o que tenho escrito assim como gostava que fosse possível partilharmos todos o que temos feito... Por culpa minha não participei mais... ficará para outra altura. Espero mesmo que o blogue continue. Continuarei a espreitar e o mais certo será participar também... um dia... quando a inspiração chegar...

O Mar Parece Azeite: jantar

Caro Nuno:
Um abraço e um obrigada pelo seu contributo no melhoramento do blogue, na sua "actualização " de acordo com as aulas e na vida social do grupo.

Será que hoje já sabe se a Prof.ª Ana Luisa pode ir ao jantar?
Eu estarei disponível, mas gostaria de ver o presépio com o "menino Jesus".
Abraço
Tersa Ribeiro

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Arco-íris cristal de velas acesas

Podias ser tu a bater hoje
não o granizado na cúpula de ferro
branca melodia em pausas rítmicas.
podia ser o som leve de nós de dedos
ecoando pela sala, amortecendo no tapete
cor tela lã de Arraiolos no leve rufo
de tambor, reciclando as notícias tolas,
de gente tola em vidas tolas...
e de uma só vez despisse a noite toda,
te trouxesse toda à minha porta tola!

Saltaria do sofá, acrobacia de mola,
esquecido dos minutos vagos,
escoando metros largos,
no desejo insano de um trinco que
se abre, uma aresta que aparta e
desvenda a silhueta, o riso aberto,
puro realce transparente,
arco-íris cristal de velas acesas,
candelabro arte nova de gente
nos passos ténues de encosto de lados,
de faces, de lábios, saciando
os húmidos sonhos de vãs intensidades!

Podias ser tu do outro lado
mas não eras... nem tu nem nada...
para lá da porta, o silêncio...
e... só agora reparo um bago de uva
caído do cesto da vizinha
junto à porta
e quanto ao ruído surdo
era o trinco da outra que fechava!

Noites sem medos ( e sem estereotipagem)

Fantasma, de voz rouca sem percalço,
já moribunda quase a desfalecer,
porque vens de novo em meu encalço,
Se eu jamais te irei acolher ?

Não queiras fadiga, turbulência ou guerra,
goza teu exílio p'ra que eu não vocifere;
não sei quem tu és, eu pertenço à terra,
Qu' importa quem és p'ra que eu te venere?


Larga-me, solta-me para a vida,
desprende-me de teu louco jugo,
pois minh' alma de ti se quer desjungida!

Liberta-me, quero brincar e sorrir,
caminhar em frente, olhar o meu burgo,
gritar paz, liberdade , mas sem lhes mentir!


( António Pinto Oliveira - 2008 )

Guerra


fotógrafo: Douglas Kirkland

Entro no teu olhar
Abrigo-me na tua alma
Enrosco-me no seu silêncio
Protejo-me das minhas tempestades
Deparo-me com os teus receios
Montamos um exército e combatemos
Lado a lado por terra vão caindo os inimigos
Paramos, guio o teu olhar na viagem da minha alma
Esgotados da guerra que nos alucina
Largamos as armas e amamo-nos.

filinta

bilhete

quero outra vez desculpar-me. esqueço que os preliminares devem durar todas as horas de todos os dias. não é que não te tenha carinho. só não sei como to hei-de entregar. a tensão faz-me cobrar-te aquilo que não devo. sempre foste o melhor desta minha vida confusa e cinzenta e preciso de sentir que ainda me pertences. quero sentir-me em controlo, segurança, em paz. quero ser quem mereces. a maior parte dos dias sinto apenas cansaço, desencanto, abandono. não desisti mas já não tenho expectativas. já reparaste que nos transformámos em lugares comuns? não tem importância. continuo a amar-te como antes. talvez não como antes, mas tu és ainda a minha verdadeira casa. logo chego tarde. janta e não esperes por mim.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Lumes Vivos

Deslarga-me...
deixa-me respirar outros perfumes
sem enjoos de almas gémeas,
livros mesmos, poemas vários,
gestos iguais, horas certas,
campainhas de madrugada
recolhendo escamas, restos de pele,
fios claros de sol e cor de ébano,
genéticas de setas e cruzes
nos símbolos dos mesmos quadros negros
em gritos de giz!


Deslarga-me...
fecha os olhos num instante,
abre horizontes, outras praias,
outro mar,
afoga-te na onda, nas espumas
da revolta,
reincide no sonho,
desflora sinfonias,
desmaia em pedaços no chão,
abraça basaltos na calçada,
respira o sentir das pedras,
reanima, oxigena-te,
deslumbra-te de evidências,
atmosferas perdidas...
presentes!


Deslarga-me...
de amor que atormenta
em golpes de cutelo
nas cadeias ferrugentas
de memórias,
afasta as quadrículas
de grades,
insulta-me de lágrimas,
arrasa-me de dor,
dança de palavras duras.
enrola-te dentro de ti
nas gotas de sal
em quedas de cataratas,
alargando círculos
de infinito.
Solta as amarras dos lençóis,
descobre-te,
e larga-te
de asas abertas
engolindo nuvens,
amigando aves de vistas
laterais,
rasga os céus
atraindo borboletas,
sem nortes, sem as vozes
cardeais,
mesmo sem vestes
desaperta esses botões...

E larga-te
para que se cruzem os fumos,
os espíritos da mudança,
ao som dos búzios,
num sono justo de ombros
omissos.
para que se soltem
âncoras de lentes,
recolhendo sóis,
lumes vivos
cruzando almas...

E larga-te...

Deslarga-me...

Abraça-me!




Neste poema quis ser dual, num discurso duplo de sentido... dele...dela...de emoções!

POESIA IN PROGRESS

Sessão de Poesia dedicada a Jorge de Sena - Quinta feira, 30 de Outubro de 2008 - 21:30 Café Progresso

Aqui fica o texto do 4º Trabalho de casa, expurgado de estereótipos

Porto, 21 de Outubro de 2008
Olá! Boa noite!

A minha gratidão pela confiança que em mim depositaste: abriste-me os alçapões da tua alma e entreabriste-me o universo das tuas preocupações.
Não sei se alguma vez pensaste nisto, mas eu julgo que a partilha harmoniosa dos corpos depende, essencialmente, do verdadeiro amor mútuo. Quando há, no nosso quotidiano, a necessidade de não facultar ao outro as ilhas da nossa alma, isso pode significar o crescimento da distância entre os que se amam. É verdade que o tempo inscreve nas almas dos amantes a cor da monotonia e as suas resistências. E que, se se não estiver atento, provoca erosão nos sentimentos como o vento sibilino nas rochas mais duras. O tempo não é, todavia, o maior carrasco do amor e das relações interpessoais. As pessoas escondem debaixo do amor incompreensões e egoísmos que não sabem controlar. E vivem atormentadas e atormentam os que amam, porque não conseguem superar esses pequenos nadas que se vão agigantando, dia após dia, a infernizar a sua vida e a dos outros. Com o medo de perderem a partilha, engavinham-se no outro e não o deixam respirar em plena liberdade. Sufocado, o outro começa a criar a distância, e o silêncio cresce. E, ao amor, as palavras são importantes! A linguagem não transparece o amor na sua essencialidade, mas está lá, bem no seu interior: nos gestos, no olhar, nas mãos, nos lábios, nos corpos acesos, linguagens que dizem, tacitamente, os sentimentos mais profundos e os mais humanos.
As mulheres entendem o amor como uma contínua paixão. Não o compreendem senão como constante ardor do corpo e da alma. Não entendem que a paixão seja efémera devido à sua intensidade e ao desgaste que provoca. A paixão não conhece as fronteiras do tempo. A paixão confunde o dia e a noite. Não é má, a paixão! A paixão é boa. Mas não há espírito nem corpo que comporte a paixão ao longo de toda a vida. A paixão oferece-nos a morte múltipla, muitas vezes. A paixão não dá espaço para viver, sossegadamente. O sossego e a calma são-nos oferecidos pelo amor. Porque o amor é a paz. E os homens precisam de paz interior para uma relação estável, para a placidez do espírito. O amor contém dentro de si a vida, o companheirismo, a fraternidade, a partilha autêntica e desinteressada. O calor dos corpos é tão-só um complemento desse estado de partilha mútua, que possibilita o entrelaçamento do espírito e do corpo, para um crescimento sereno do par amoroso.
Às vezes, os homens esquecem-se também da paixão por dentro do amor. E correm desenfreadamente por outras paixões, efémeras, que, dizem, não interferem no amor que partilham. Esse, crêem, foi o escolhido e, por isso, eterniza-se por ele mesmo, não precisa de ser alimentado. Mas a paixão corrompe o amor e estilhaça o bem-estar, a serenidade que a vivência do amor exige constantemente. O amor precisa de todo o espaço espiritual dos amantes. Exige deles uma verdadeira partilha exclusiva.
Eu sei que não foi toda esta filosofia que me pediste. Mas, se calhar, eu não sou capaz de responder concretamente às tuas angústias e às tuas preocupações. O amor é como o respirar: cada um tem de saber dedilhá-lo à sua maneira. A vida depende de ambos. Por isso, cada um tem de encontrar as soluções que melhor se adaptem ao seu caso concreto. O médico não cura ninguém. Propõe caminhos que o paciente percorrerá ou não. A cura está sempre dentro de nós. O teu caso exige uma grande reflexão a dois. A harmonia tem de surgir de vós mesmos. Se não forem capazes dessa harmonia, não valerá a pena caminharem para o caos relacional. É bem melhor que cada um de vós saiba encontrar a sua harmonia, mesmo que implique a separação e a busca subsequente da harmonia individual.
Tenho a certeza de que encontrarás a melhor das soluções. Deixo-te um solidário abraço de muita amizade, e fico à tua inteira disposição.

(José Almeida da Silva)

domingo, 26 de outubro de 2008

Macho


fotófrafo: Hans Neleman

Quando te descrevo
Envolvo-me no aroma que me deixas
Fica a memória da tua posse de macho
Que me invade sem pressa, que me consome
Explorando a minha nossa profundidade.


filinta

Fêmea


fotógrafo:

Apenas ocorre descrever-te
Transpor os teus aromáticos vales
Registando o teu odor de fêmea ciosa
Sem pressa imergir em ti, confundir-me
Na tua nossa profundidade.
filinta

Carlos em sintonia com Julieta (Desconstrução)

Com o cansaço colado ao meu corpo, termino finalmente de arrumar a cozinha. Nas dobras da banca, repleta, repousam os tachos e os pratos já limpos, reluzentes. No mármore, ao lado, os dois copos ainda tingidos do liquido vermelho, morno e denso que há pouco degustamos juntos. Deixei-os ali propositadamente. Na esperança de que, depois do esgotamento de um dia em cheio, para ambos, as últimas gotas, saboreadas a dois, pudessem levar para longe as cargas que carregamos. Percorro o corredor, com passadas largas, em busca de ti. Já oiço, vindas do fundo, as gargalhadas que dão a dois, tu e essa cabeça farta de caracóis que fizemos juntos, numa alegria desprendida que só uma história imaginária de final de dia, inventada por ti, pode dar. Espreito-vos, tão cúmplices. Por instantes, invejo-vos. Mas, não. O que sinto é ternura e um desejo imenso de me juntar a ambos. Pressentem-me. Sorrisos. Já estou convosco. A teu lado, tão junto dos teus cabelos sedosos, olhando contigo essa coisa tão doce que sorri para nós e teima em não adormecer. Vou diminuindo a luz, de mansinho, e finalmente o silêncio invade o quarto. Saímos. Do lado de lá da porta, nada se ouve. Entre nós continuam as risadas soltas e cúmplices. Da história que inventaste hoje e que agora também partilhas comigo. Afinal, a nós adultos também nos faz bem, depois do peso de um dia de trabalho, das contas para pagar e dos esforços que fazemos para não deixar que o mundo nos engula, imaginar que os tubarões têm asas ou que as cigarras podem cantar rock n’ roll. Talvez seja também um pouco o efeito desse liquido que partilhámos até os copos ficarem definitivamente vazios. Ou mesmo porque, como de tantas outras vezes, ao olharmo-nos, nos olhos um do outro, nos redescobrimos. Sempre. És de mim. Sou de ti. (E aqui, obrigada à professora Ana Luísa por esta dica, e uma concordância com a Teresa, a língua portuguesa dificilmente nos deixará livres destes “estereótipos”/distinções: ele/ela, dele/dela, és minha/és meu, sou tua/sou teu… Bem, de volta ao Carlos em sintonia com Julieta…) Perdemo-nos no escuro da noite que inunda o nosso quarto. Nas sombras, na luz do luar. Para trás fica a carga do dia, a cozinha já arrumada por qualquer um de nós, a história contada… Existimos só tu e eu, a nossa pele, os nossos corpos, as nossas almas. Que são como uma só. Somos diferentes, mas iguais. [Um aparte: Por acaso, há um de nós que, depois de muito ter lutado, já pode alternar saias com calças, conforme lhe apetecer, e o outro, curiosamente, o que supostamente pode tudo, ainda só pode usar calças!? (E ainda bem!!! Digo eu, Elza, eheh…)]. De súbito, a porta abre-se. Um pesadelo de criança dá direito a que se aninhe na nossa cama esse monte de caracóis suaves que é já uma outra parte de nós. Hoje, afinal, a nossa união parece terminar por aqui. Mas, ao olhar-te assim, apenas à distância de um outro corpo tão pequeno que é nosso e já dorme outra vez, com um semi sorriso nos lábios, mergulho fundo no teu olhar e sinto que fazes o mesmo em mim. Partilhámo-nos de uma forma distinta, esta noite. Perco-me em ti. Perdes-te em mim. Perdemo-nos em mil pensamentos concordantes que este longo caminho percorrido a dois, agora a três, tantas vezes amargo, tantas outras delicioso, nos faz partilhar. O meu olhar profundo navega na tua alma tão bela que também mergulha intensa em mim. Já não sinto o cansaço e o peso deste dia. E o meu desejo de ti está satisfeito. Não há qualquer outro lugar do mundo onde deseje estar, mais do que aqui, a teu lado.

Carlos em sintonia com Julieta

Experiência poética

Dai-me uma mulher jovem com sua harpa de sombra
e seu arbusto de sangue. Com ela
puro apogeu será deleite constante -
brocados azuis, nuvens de seda,
sinfonias de aromas, raios de luz, harmonias de cor.
Suas mãos minhas mestras.

Dai-me uma mulher framboesa, morango maduro. Com ela
degustarei os mais doces e suculentos desejos.
Dai-me uma jovem mulher com
travo de mel em lábios vermelhos.

Dai-me uma sombra de arbusto
e nessa harpa mulher
desfolharei sinfonias
sem queixumes de sangue.


Teresa, Liliana, Auxília

sábado, 25 de outubro de 2008

A Felicidade Exige Valentia

Passo a transcrever um texto magnifico que me foi enviado por um amigo...

Posso ter defeitos,viver ansioso e ficar irritado algumas vezes mas, não esqueço de que minha vida é a maior empresa do mundo, e posso evitar que ela vá à falencia.
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise.
Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar um autor da própria história.
É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis no recôndito da sua alma.
É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida. Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos.
É saber falar de si mesmo. É ter coragem para ouvir um não. É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta.
Pedras no caminho?
Guardo todas, um dia vou construir um castelo.

Fernando Pessoa, no 70 aniversário da sua morte.

Maria Velho da Costa - Mulheres e Revolução

Jantar

Olá passei hoje pelo café galeria de Paris.
O galeria de Paris não aceita marcações, mas falei com uma funcionária e à partida vai ter 20 lugares na quarta feira, vou aparecer la por volta das 20h para pedir mesas, se quiserem aparecam mais cedo se não combinamos às 21:00, acho que é uma boa hora não?

Foi essa hora que foi falada penso, 21:00, 21:30?

O café galerias de Paris é o nº 56 da rua galerias de Paris,uma rua que sai da rua dos clérigos
Se nas galerias estiver tudo ocupado tentamos outro restaurante na Zona, ali não há problema


Apareçam na segunda feira no Pinguim, a sessão de poesia às 23h

Poesia em triângulo...

A partir do mote:

Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra
E seu arbusto de sangue. Com ela


Aqui fica o poema conseguido:


Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra
E seu arbusto de sangue. Com ela
Dedilharei toda a luz que virá dela
Numa melodia de infinito prazer
Entre os aromas divinos de rosas e de jasmim
Quero sentir nas minhas ávidas mãos
A beleza selvagem do seu corpo de cetim
Raízes do meu desejo a arder
Dentro de mim.
Dai-me a sombra, dai-me as cordas
Dai-me a harpa e o seu sangue
E eu tangerei acordes nos lábios
Da minha jovem mulher, tão levemente...
Vertigem de sedução e de amor e de prazer
Amantes e um só ser.

Maria de Los Angeles, José Almeida da Silva
e Maria Celeste

Publicada por Maria Celeste

Experiência poética

Dai-me uma mulher jovem com sua harpa de sombra

e seu arbusto de sangue. Com ela

puro apogeu será deleite constante.

Brocados azuis, nuvens de seda,

sinfonias de aromas, raios de luz, harmonias de cor.

Suas mãos minhas mestras.



Dai-me uma mulher framboesa, morango maduro. Com ela

degustarei os mais doces e suculentos desejos.

Dai-me uma jovem mulher com

travo de mel em lábios vermelhos.



Dai-me uma sombra de arbusto

para nessa harpa mulher

dedilhar sinfonias

sem queixumes de sangue.



Teresa, Liliana, Auxília

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

[Eu não sou eu nem sou o outro,]

Eu não sou eu nem sou o outro,
Sou qualquer coisa de intermédio:
Pilar da ponte de tédio
Que vai de mim para o Outro.

Mário de Sá-Carneiro (1890-1916)

Dispersão

Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto
E hoje, quando me sinto.
É com saudades de mim.

Passei pela minha vida
Um astro doido a sonhar.
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida...

Para mim é sempre ontem,
Não tenho amanhã nem hoje:
O tempo que aos outros foge
Cai sobre mim feito ontem.

(O Domingo de Paris
Lembra-me o desaparecido
Que sentia comovido
Os Domingos de Paris:

Porque um domingo é família,
É bem-estar, é singeleza,
E os que olham a beleza
Não têm bem-estar nem família).

O pobre moço das ânsias...
Tu, sim, tu eras alguém!
E foi por isso também
Que te abismaste nas ânsias.

A grande ave doirada
Bateu asas para os céus,
Mas fechou-as saciada
Ao ver que ganhava os céus.

Como se chora um amante,
Assim me choro a mim mesmo:
Eu fui amante inconstante
Que se traiu a si mesmo.

Não sinto o espaço que encerro
Nem as linhas que protejo:
Se me olho a um espelho, erro -
Não me acho no que projeto.

Regresso dentro de mim
Mas nada me fala, nada!
Tenho a alma amortalhada,
Sequinha, dentro de mim.

Não perdi a minha alma,
Fiquei com ela, perdida.
Assim eu choro, da vida,
A morte da minha alma.

Saudosamente recordo
Uma gentil companheira
Que na minha vida inteira
Eu nunca vi... Mas recordo

A sua boca doirada
E o seu corpo esmaecido,
Em um hálito perdido
Que vem na tarde doirada.

(As minhas grandes saudades
São do que nunca enlacei.
Ai, como eu tenho saudades
Dos sonhos que não sonhei!... )

E sinto que a minha morte -
Minha dispersão total -
Existe lá longe, ao norte,
Numa grande capital.

Vejo o meu último dia
Pintado em rolos de fumo,
E todo azul-de-agonia
Em sombra e além me sumo.

Ternura feita saudade,
Eu beijo as minhas mãos brancas...
Sou amor e piedade
Em face dessas mãos brancas...

Tristes mãos longas e lindas
Que eram feitas pra se dar...
Ninguém mas quis apertar...
Tristes mãos longas e lindas...

Eu tenho pena de mim,
Pobre menino ideal...
Que me faltou afinal?
Um elo? Um rastro?... Ai de mim!...

Desceu-me n'alma o crepúsculo;
Eu fui alguém que passou.
Serei, mas já não me sou;
Não vivo, durmo o crepúsculo.

Álcool dum sono outonal
Me penetrou vagamente
A difundir-me dormente
Em uma bruma outonal.

Perdi a morte e a vida,
E, louco, não enlouqueço...
A hora foge vivida
Eu sigo-a, mas permaneço...

Castelos desmantelados,
Leões alados sem juba...

Mário de Sá-Carneiro (1890-1916)
Paris, Maio de 1913

Trabalho de grupo poético

Perdi-me dentro de mim
porque eu era labirinto
Por entre caminhos torpes
Pelas dúvidas que sinto
Peguei nas minhas amarras
E desfi-las para ti
Estou perdido mas sou livre
Podes levar-me daqui
E liberto-me de mim
Para me entregar a ti
Labirinto que senti
Já não sinto, já fugi
Nem sou meu nem de ninguém
Sou apenas um caminho
Esvoaço pelo mundo
Onde estou, estou sózinho.

Céu, Raquel e Elza

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Simetria de iguais

Entrança as mãos em argola,
enlaça-me
pelo istmo da península
da mente.
Encosta os lábios de Eva
no movimento ascendente
da maçã
do primeiro homem!

Eleva-te
suave e nua,
qual pilastra de mármore branco,
em mogno Verão,
estilo império
dos sentidos...

Demora-te nesse abraço
enquanto me deito no chão,
afago ventre,
acaricio o reverso,
transformando essas montanhas
em faísca cintilante,
em descoberta,
em sedução!

Simetria de iguais
no desejo a renascer,
mistura de corpos sábios,
ávidos de ser,
em uníssono
Hino!

Poesia ao desafio

Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra
e seu arbusto de sangue. Com ela
se inventam miragens
descobrem passagens
em labirintos de murta verde,
esmeraldas em brilhos de Lua
iluminam alma, mente, coração.

Dai-me uma jovem mulher em trança enfeitada
numa dança de estrelas de manto de noite
viverei fantasias de amor;
ao teu lado minha virgem, ardor
de lava incandesce
dando a meu ser
os motivos de mistério
os segredos de mulher!

Segundo desafio em poesia


Perdi-me dentro de mim
porque eu era labirinto
encontrei nosso feitiço
sem sombra e sem mistério

Perdi-me dentro de mim
como aranha em teia feita
em caminho de vazios
em vazios sem caminho

dentro de nós encontramos
outros liames mais finos
em textura enredados
procuramos o caminho

Fim

Depois de alguma inspiração, expiração,
pouca transpiração(estava frio!)e muita divagação,
escreveram os companheiros:
Auxilia, Eugénia, Teresa e José

Poesia em triângulo...

A partir do mote:

Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto


aqui fica o poema conseguido:

Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto
Tortuoso, escuro, sem fim
Confesso que não me sinto
Tão feliz dentro de mim
Nem dentro do meu caminho
E nem sei porque é assim.

E não sei sair de mim
Nem como aqui vim parar
Mas aqui estou a cismar
Como me perdi assim
Nestes caminhos de mim.
Labirinto que é só meu
E fui eu quem se perdeu.

Maria de Los Angeles, José Silva
e Maria Celeste

Publicada por Maria Celeste

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Segredos de Mulher (Women's Secret)

Só para voltar ao meu papel de homem sem disfarces vou partilhar convosco este passeio!

Segredos de Mulher (Women's Secret)

Tarde de Outono na baixa da cidade
passámos as fronteiras
do "Segredos de Mulher".
De passos lentos, fui único
entre manequins de redondas formas.
Cruzei o olhar nos seios ausentes
de "soutien",
nas transparências e opacidades
de calcinhas.
Remexi as concavidades das gavetas
na procura das meias altas,
cor verde,
das calças de pirata!
Bati asas ao "Tweety"
das camisas de dormir,
pisquei o olho, sorri,
à "Betty-Boop"
no "underware" decotado!

Os ruídos das lojas de senhoras
são feitos de murmúrios,
de sussurros de tamanhos;
preferências escondidas!

As chinelas de riscas azuis,
as de caraculo, quentinhas,
batem palmas de pés,
ao único homem,
junto às provas, nas cortinas!
Duas amigas,
uma de "Babby Doll",
botas pretas,
outra de menor graça,
em alturas distintas, de roupão,
em trajes de roupas finas!
Por cima das lentes obrigatórias,
na leitura do M, S, XS,...
enquanto estendia a mão
dentro do teu espaço
(procura de forma, medida certa)
formulo dúvidas:
"-Acha bem? Sem a pele solta
no deslizar interior?
Um roupão beige?
Meia preta?"

Cansei de gestos comprometidos.
Encosto o queixo aos quadrados
do casaco alcochoado, sem mangas,
sem braços, sem corpo...
junto à montra dos glúteos,
do triângulo, fio dental.

No azul que acinzenta,
espero a noite;
na mesma cor "wonder-bra"
que, feliz, te aconchega
a fina seda!

Sobe o autocarro contrário,
em Santa Catarina,
de cor branca...
entram mãe e filha,
de roupa e cabelo gémeas...

Por fim,
surges luminosa,
no rosto de moldura,
nos caracóis de musa...

E na calçada nua,
um espelho de prata,
de mão dada
a alva Lua!
companheiros, na tentativa de fazer o trabalho de casa acabei fazendo a continuação do mesmo. no lugar da certeza, saiu-me a ambiguidade.

este exercício deu-me uma enorme vontade de escrever sobre a dança, porque nela tenho momentos onde nao existem palavras, nem tempo, nem espaço. neste poema em específico, quem vos parece que guia? e quem é guiado? gostava de ouvir opiniões.



Mal sei o chão sob os nossos pés
Ou as paredes espectadoras da nossa dança.

Agora – o único tempo que existe –
Sou a leve pressão do teu corpo,
A mão que se aninha no espaço entre as tuas costelas brancas,
A outra que sustenta a tua, flor tão suave;
O corpo que te envolve e protege,
Os pés que te guiam com destreza.

Abrigas timidamente o teu queixo no meu ombro.
Sinto o teu respirar húmido sussurrar-me ao ouvido

e o teu cabelo passear-se no meu rosto.

Será de quem, o coração que se ouve?





sara riobom

Fuga Silenciosa

Pela noite além,
eu , só, vagueio
em um lento e lasso vaguear,
para em silêncio escapar
a este longo e vasto
inferno de mágoas!...

O sono me não cerca
nesta noite sem luar,
que só me dá para errar,
sempre, sempre... sem parar.
Não se me dá p'ra cuidar...

E sigo sem um alento,
pois que sem tal sofrimento
coragem não hei p'ra viver...

Só um vago pensamento
em mim há muito existe...
Não se me dá p'ra parar
e muito menos p'ra recuar!

Só cansaço em mim há
mas persigo caminho além,
só, pela noite agreste,
só, sem mais ninguém,
sem esperança já de salvamento,
sem poder agora, enfim,
para sempre só esquecer
este tormentoso tormento!...

Só vontade hei de seguir,
que um nada me fará desistir.
O caminho é longo, sem fim,
sem paragens,
sem obstáculos quaisquer!...

Mas forte fadiga me invade,
que em pé me não seguro!...

E não me foi dado que um fim desse
a meu inconcebível sonhar,
não consegui a liberdade
que dela hei tanta saudade!

...Mas mais uma vez entendi
que se a prisão do que a morte
é, na verdade, mais forte,
é pior estar-se preso
do que ( na vida) já morto!


(Luanda 1965 - in "Eu e o Silêncio" (1994/2008 )
Poema em geito de despedida deste Blog...mas
não significa fuga!...

4º trabalho de casa - O Maltratador

O maltratador

Levanta,amor, levanta
São horas de jantar
Tira a faca daí!
Por que não me respondes?
Diz, onde estavas?
Tu sabes que adoro ver-te em casa
quando chego do jogo.
Deitada assim no chão
atinges os teus ángulos mais belos...
Sabes , meu bem , que eu gosto de ti...
Que estaremos juntinhos para sempre
E que a minha força eterna e excessiva te protege
Essa expressão dos teus olhos mete medo.
Anda, levanta-te.
São horas de jantar, não ouves?
Mexe-te.
Foi só um empurrão.
Eu trouxe-te o pão e o vinho.
Há trinta que casamos, lembras?
E continuas
cosmeticamente perfeita,
em formas, em volumes e em conversas.
És tão desejável...
Acorda, amor, acorda
São horas de jantar
Limpa o sangue ...do teu corpo.

4º Trabalho de Casa

Prostrado em cachimbadas solitárias
Olhava o rio e as coisas de nada.
Era velho.
Velhas as coisas, velhas as almas, velho o poeta.
Havia de ser Maio todos os dias
E ver-te enlaçada em vestidos de vento e de papoilas.
Poder olhar-te com a mesma certeza de outrora
de que não era velho, nem velha era a alma de agora.
Sem pesos, sem velhice aberta
em escombros.
Não quero mais levar aos ombros a poeira das gavetas!
Pudera eu abrir-me em portas
E ventos e borboletas!
Ou quando Deus fechar a porta abrir sempre uma janela,
ou um poema.
Ou versos feitos de outro tema.
Que com versos hei de olhar-te mais de perto
Sem pegadas, rastos de anos e fogueiras!
Olhar as curvas certas da tua poeira.
E assim esconder as barbas que branqueiam a poesia
Assim mudar-te as cores e roubar-te a companhia
Depois esfumar-te a idade e os momentos que são nossos.
E não ser velho.
E não ser homem.
Apenas ossos.


José Sarmento

(Maria Inês Beires)
Vem ver meu amor
As estrelas lá longe
Piscando-nos os olhos
Como um círio a arder!

Vem ver meu amor
As estrelas lá longe
Vestidas de mar
Cantam melodias
Como as sereias
Nas marés vazias
Canções de encantar
Por dentro da gente
E do sofrimento!

Vem ver meu amor
As estrelas lá longe
Morrem de cansadas
Caindo no mar
E nas enseadas
Como peixes de prata
Nas altas marés
Ondas encrespadas
Por dentro da gente
E aos nossos pés!

Vem ver meu amor
Lá longe as estrelas
Vem comigo vê-las!

José Almeida da Silva
In " Amanheceste em mim pelo poente"

Publicado por Maria Celeste Carvalho

Nota: E é assim, com este lindíssimo poema,
que dou por terminada a minha participação
neste blog, dedicado à Poesia!
M.C.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Balacete da semana

Que semana!
O chefe a pedir tudo para ontem. Os miúdos doentes. A Joana irrascível : leva- os tu ao Colégio! Não vês que vou ficar com o bébé? Não posso fazer tudo! Não poderias deixar o jornal? (até disse no condicional, só para me arreliar). Ajuda!
Bolas, nunca mais era sábado.
Bendita saída de amigos. Bendita liberdade.
Sorte amanhã haver futebol, se não eu dava em doido.

-João, assiste! Estás na lua? Já pareces a minha mulher, sempre a pensar no Além.Perdemos esta vasa por tua causa, daqui a pouco perdemos o jogo.Concentra-te, homem! Não me digas que hoje nem na sueca tenho sorte. Tive uma semana carregadinha de trabalho, e sai-me este destrambelhado para estragar também o serão. Quando é de azar, é de azar, pô.

Estou a ver. Nem na sueca tenho sorte. O Alfredo também está com problemas em casa, e vem cá descarregar. É tudo muito bonito, mas os putos crescem, o dinheiro falta, o trabalho sobra, e nós é que aguentamos.
Amanhã, pelo sim pelo não, vou à bola. Se o Porto perde, ah caramba, que se o Porto perde outra vez então é que eu destilo a raiva.
Pelo Porto e por mim.

M.Teresa Ribeiro

Oh mar !

Lago do azeite de deuses ou do fogo dos infernos,
Com o som calmo de suas ondas ou o ribombar das suas investidas,
O mar conduz- nos do nascer à eternidade.

Oh mar!

Quantos Homens se perderam nas sereias que carregas,
Quantas donzelas cairam nos braços de teu amor ?
Tens melodias divinas, raios de prata, ritmo extasiante.
Mas sabes também ser duro,rugindo de raiva e tudo levando.

Oh mar!

Sem ti o mundo parava
O lápis quebrava
A musa fugia

Fica, oh mar!

Ainda que o Homem te destrua,
Não vás para longe,

Oh mar!

Intrusa

Mal entrou, o ar encheu-se de um forte cheiro a volúpia que confundiu o religioso aroma dos nossos cachimbos. Violentamente, a pacatez morna do clube foi sacudida pelo estouvamento atrevido e delicioso da sua voz. Foram poucas as palavras, mas todas deixaram adivinhar uma vida sem morada certa, com errâncias inesgotáveis pelo sentir. O andar firme, os gestos desleixados, o vestido que mais parecia uma segunda pele e que despertaria inveja a um qualquer olhar feminino, não deixaram nenhum de nós indiferente. Diria mais. Incendiaram os mais adormecidos desejos. Provocaram as mais disfarçadas intumescências. Profanaram os mais puros sentires. Que destino lhe (nos) estaria reservado?

CARTA A UM AMIGO

Porto, 21 de Outubro de 2008
Meu Querido Amigo,

Fico-te muito grata pela confiança que em mim depositaste: abriste-me os alçapões da tua alma e entreabriste-me o universo das tuas preocupações.
Não sei se alguma vez pensaste nisto, mas eu julgo que a partilha harmoniosa dos corpos depende, essencialmente, do verdadeiro amor mútuo. Quando há, no nosso quotidiano, a necessidade de não facultar ao outro as ilhas da nossa alma, isso pode significar o crescimento da distância entre os que se amam. É verdade que o tempo inscreve nas almas dos amantes a cor da monotonia e as suas resistências. E que, se se não estiver atento, provoca erosão nos sentimentos como o vento sibilino nas rochas mais duras. O tempo não é, todavia, o maior carrasco do amor e das relações interpessoais. As pessoas escondem debaixo do amor incompreen¬sões e egoísmos que não sabem controlar. E vivem atormentadas e atormentam os que amam, porque não conseguem superar esses pequenos nadas que se vão agigantando, dia após dia, a infernizar a sua vida e a dos outros. Com o medo de perderem a partilha, engavinham-se no outro e não o deixam respirar em plena liberdade. Sufocado, o outro começa a criar a distância, e o silêncio cresce. E, ao amor, as palavras são importantes! A linguagem não transparece o amor na sua essencialidade, mas está lá, bem no seu interior: nos gestos, no olhar, nas mãos, nos lábios, nos corpos acesos, linguagens que dizem, tacitamente, os sentimentos mais profundos e os mais humanos.
Nós, as mulheres, entendemos o amor como uma contínua paixão. Não o compreendemos senão como constante ardor do corpo e da alma. Não entendemos que a paixão seja efémera devido à sua intensidade e ao desgaste que provoca. A paixão não conhece as fronteiras do tempo. A paixão confunde o dia e a noite. Não é má, a paixão! A paixão é boa. Mas não há espírito nem corpo que comporte a paixão ao longo de toda a vida. A paixão oferece-nos a morte múltipla, muitas vezes. A paixão não dá espaço para viver, sossegadamente. O sossego e a calma são-nos oferecidos pelo amor. Porque o amor é a paz. E os homens precisam de paz interior para uma relação estável, para a placidez do espírito. O amor contém dentro de si a vida, o companheirismo, a fraternidade, a partilha autêntica e desinteressada. O calor dos corpos é tão-só um complemento desse estado de partilha mútua, que possibilita o entrelaçamento do espírito e do corpo, para um crescimento sereno do par amoroso.
Às vezes, os homens esquecem-se também da paixão por dentro do amor. E correm desenfreadamente por outras paixões, efémeras, que, dizem, não interferem no amor que partilham. Esse, crêem, foi o escolhido e, por isso, eterniza-se por ele mesmo, não precisa de ser alimentado. Mas a paixão corrompe o amor e estilhaça o bem-estar, a serenidade que a vivência do amor exige constantemente. O amor precisa de todo o espaço espiritual dos amantes. Exige deles uma verdadeira partilha exclusiva.
Caro amigo, não foi toda esta filosofia que me pediste. Mas, se calhar, eu não sou capaz de responder concretamente às tuas angústias e às tuas preocupações. O amor é como o respirar: cada um tem de saber dedilhá-lo à sua maneira. A vida depende de ambos. Por isso, cada um tem de encontrar as soluções que melhor se adaptam ao seu caso concreto. O médico não cura ninguém. Propõe caminhos que o paciente percorrerá ou não. A cura está sempre dentro de nós. O teu caso exige uma grande reflexão a dois. A harmonia tem de surgir de vós mesmos. Se não forem capazes dessa harmonia, não valerá a pena caminharem para o caos relacional. É bem melhor que cada um de vós saiba encontrar a sua harmonia, mesmo que implique a separação e a busca subsequente da harmonia individual.
Certa de que encontrarás a melhor das soluções, deixo-te um solidário abraço de muita amizade, e fico à tua inteira disposição.
Francisca
(José Almeida da Silva)

Excreção de um mundo líquido.

Excreção de um mundo líquido.
Somos apenas o que fica depois da escorra.
Matéria senil
Massa decomposta
Expulsa pela contracção
de um ventre higiénico.
Um grito doloroso
solta-se
das entranhas revoltas
numa reacção contra-luz.
E uma atracção fatal surge
por uma gota de água
escorrendo dum espaço aberto
capaz de abeberar a angústia
dum corpo
quase dilacerado.

Nunca te direi ... Adeus!

Esta noite, sonhei contigo. Estávamos de mãos dadas e, apesar da irrealidade do lugar, sem dimensão, nem tempo, eu distinguia, claramente, todos os traços do teu rosto.
Sobre nós, o céu parecia uma imensa árvore, densa e escura, pontilhada de estrelas brancas, cintilantes e tão próximas que, se eu quisesse, poderia tocar-lhes, prendê-las entre os meus dedos e deixar o seu brilho enfeitar o meu destino.

Foi numa noite assim, vestida de negro e de prata e já perdida na teia que o tempo, incansável, tece, que comparaste as estrelas a incontáveis grãos de luz e nós, enquanto seres mortais, a grãos de pó que o vento, um dia, levará consigo.
Falaste-me depois, pela primeira vez, da fragilidade da vida e de como é tudo tão efémero, tão transitório que, o que pensamos ter, não chega, na verdade, a ser nosso.
Não somos donos de nada, não possuímos ninguém e, quando o fim se aproxima, tudo desaparece e, connosco, só fica o Amor. O que fomos capaz de dar e, talvez também, o que, em troca, recebemos.

No jardim, cresciam dúzias de rosas, de caule esguio e pétalas de veludo, que enchiam de perfume e de encanto, a tarde serena e quente. Dístraída, desfolhei uma que se abria púrpura e exuberante à luz incandescente, mas já cansada, do sol dormente e tu, com esse teu jeito de menino que nunca deixaste de ser, disseste-me que nada se destrói na Natureza, sem perturbar o equilíbrio do Universo, tão forte, tão íntima, é a ligação entre tudo o que existe.
Não sei se, então, terei compreendido bem o sentido das tuas palavras, mas, nessa noite, adormeci, já suspensa, entre a incipiente consciência da delicada e perfeita harmonia da Criação e a noção pungente da minha fragilidade e da força destruidora que essa mesma fragilidade escondia .
Tinhas uns olhos lindos, que os óculos esbatiam, mas que mudavam de cor, não sei se conforme a maior ou menor intensidade da luz, se conforme o teu estado de espírito ou se, porque eram, simplesmente, assim .
Às vezes eram castanho-esverdeado, outras vezes, de um verde profundo e aveludado, como as folhas das árvores nas madrugadas macias e serenas, de Verão, outras ainda, de um castanho tão claro e transparente que pareciam âmbar. Esta era uma nova cor que eu tinha aprendido a conhecer e a palavra que a designava, parecia-me tão bonita e harmoniosa como essa tonalidade em si.
Um dia, perguntei-te de que cor eram os teus olhos.
Meio-divertido, meio-surpreendido com a pergunta, disseste que os teus olhos eram da cor que eu os via, como, aliás, tudo à minha volta. Explicaste-me que, pela força das minhas emoções, com a minha alegria luminosa e radiante, com a minha tristeza sombria e gelada, assim eu coloria ou escurecia cada um dos meus dias. Era como se, ao projectar-me em tudo ao meu redor, eu tivesse, sem saber, o poder de recriar o mundo, embelezando-o ou desfigurando-o, o poder supremo de pintar a minha vida da cor que eu escolhesse, da cor que eu mais gostasse!
E, nessa noite, adormeci feliz, cheia de esperança num mundo que eu iria pintar de azul, verde, branco e amarelo. E de todas as outras mil cores possíveis!

Muitas vezes, perdida no escuro, afogada nos velhos medos e pesadelos ancestrais que já nascem connosco, eu chorava baixinho e sufocava, na almofada, o terror, sem nome e sem tamanho, de te perder! Porque perder-te, seria o fim, trágico e definitivo, do meu pequeno mundo de afectos e seria perder-me!
Uma noite, pressentindo-me a solidão e as lágrimas, abraçaste-me e prometeste que nunca me deixarias enquanto eu não fosse suficientemente forte para prosseguir sem ti! Foste ousado na promessa que não sabias se irias cumprir, mas , eu suspirei de alívio e, como sempre, descansei em ti.
E, quando, por fim, adormeci, aconchegada na ternura morna dos teus braços, o meu coração batia, já, ao ritmo sereno do teu, de novo compassado, seguro, confiante.
Ensinaste-me sempre a ver o Mundo como um filme fantástico, de largos horizontes e em deslumbrante colorido. Talvez por isso, nunca tive da vida, das pessoas, dos sentimentos, uma imagem linear, cinzenta e entediante .

Um dia, ao entardecer, quando o céu e a terra se fundem, na labareda incandescente e lasciva do sol poente, perguntei-te como seria o Amor se tivesse cor . Eu imaginava--o de um cor-de-rosa doce, delicado, encantadoramente romântico, mas tu pensavas que deveria ser vermelho vivo, forte, fulgurante, porque esse é um sentimento feito de pura emoção, intenso, impetuoso, avassalador e as cores suaves não lhe ficam bem .
No Amor, dizias, é sim ou não, é ganhar ou perder, é tudo ou nada, sem meias-tintas, sem meias-palavras, sem meios-termos!
E, nessa noite, adormeci agitada e um pouco ansiosa. Assustava-me a possibilidade de, um dia, amar e ser amada assim. Inteiramente, apaixonadamente, irremediavelmente!
Hoje, muitos anos passados, tantos, que já lhes perdi a conta, acredito que, partilhar com alguém um Amor com essa verdade, essa entrega, essa força arrasadora, possa ser, só por si, a justificação de toda uma existência!

Contigo, aprendi a amar a música e, a encontrar nela, uma preciosa companhia nas horas de solidão, uma amiga fiel e sempre presente nos bons e nos maus momentos .
E, a teu lado chorei com Chopin, sorri com Mozart, enterneci-me com Puccini, emocionei-me com Beethoven e rezei com Bach!

Despertaste, em mim, desde muito cedo, o gosto pela leitura e, pelas tuas mãos, li algumas das obras mais marcantes da Literatura que, depois, comentávamos calorosamente. Tu, com um sorriso e o argumento certo. Eu, arrebatada e muito ciosa da minha opinião!
E, junto de ti, repousei com Antero, na Mão direita de Deus, calcorreei serras com Torga, amei perdidamente com Florbela, encantei-me com a profundidade de Somerset, assombrei-me com a magia de Mann e apaixonei-me, definitivamente, por Eça!
Através dos livros, eu ia descobrindo mundos novos, enquanto criava outros, nas histórias que inventava, que tu lias, orgulhoso, mas que eu, depois, sem tu saberes, rasgava.
Porque, tudo o que escrevo parece-me sempre tão tosco, tão incompleto, tão inútil ! Porque, nunca fui capaz de transpor para o papel, nem os pensamentos que brotam rápidos, em torrente incontida, do meu cérebro, nem os sentimentos, de choro e de riso, que correm à solta, em doido tropel, no meu coração!
Como acontece agora, que escrevo para ti, enquanto vasculho lembranças nos baús desbotados e poeirentos do Passado.

Contigo, surpreendi-me com os traços puros, clássicos, belíssimos de Botticelli, deslumbrei-me com a beleza voluptuosa, cheia de cor e de luz de Renoir e comovi-me com a delicadeza intimista, deliciosamente cândida e sensual de Fragonard.

Mas, também de ti vem esta atracção irresistível pelo mar, esta necessidade, quase primária, de o ver, de lhe sentir o cheiro a sal e a algas, de lhe escutar o ribombar assustador das vagas alterosas, em furioso turbilhão, quando está revolto, ou o marulhar terno, quase erótico, das ondas mansas a sussurrarem inconfessáveis segredos e a espreguiçarem-se, lânguidas, na areia húmida e lisa .
E, frente a essa massa de água, imensa, translúcida, magnífica, bordada de espuma e salpicada de luz, aprendi, contigo, a encontrar alento para o meu cansaço, paz para a minha ansiedade, inspiração para a minha vida!

De ti, ficou-me o desprezo pela hipocrisia, pela intolerância, pela mentira cruel, pela maldadezinha canalha, pela vingança aviltante, pelo queixume gratuito!
Em ti, encontrei sempre uma espantosa humanidade, um sentido de humor subtil, mas certeiro, uma inteligência viva, flexível, uma sensibilidade fina, requintada e o respeito discreto, compassivo, generoso pelos outros. Pelas dificuldades, pelas aflições, pelo sofrimento dos outros!
E, é por tudo isso que tantas vezes, como agora, é para ti que o meu pensamento voa, a minha alma se ajoelha, reverente, perante a tua e eu te agradeço e te bendigo! Tu foste, em cada um dos meus dias, a minha âncora, o meu porto de abrigo, a luz-guia dos meus passos ! Antes, agora, sempre!
Não foste um santo, um filósofo ou um poeta. Ou, talvez tenhas sido tudo isso, sem ninguém saber. Nem mesmo tu!

Esta noite sonhei contigo e fomos juntos, lá para onde só a alma e a memória podem ir, onde somos livres, o céu é sempre azul, as flores não perdem o encanto, nem o perfume e tudo tem a cor cristalina do teu espírito!

Nunca nos dissemos Adeus!
Adeus, diz-se quando o Amor acaba e o fim é, então, inevitável, definitivo, irreparável!
Nunca se diz Adeus, quando o laço visceral, feito de sangue e de afecto, permanece intacto e tu continuas comigo, pois, sobre o coração e o pensamento, ninguém, nada, nem mesmo a morte, tem qualquer poder !
Não se diz Adeus, quando sabemos que, em termos de Eternidade, vinte, trinta ou quarenta anos de separação, não são mais do que dois, três ou quatro segundos deste tempo que contamos!
Não se diz Adeus, quando o rasto claro, límpido, brilhante da tua luz é ainda o caminho que percorro!

E, porque uma noite destas talvez volte a sonhar contigo, agora e uma vez mais, digo-te apenas, até já, até logo, até sempre, meu querido!
Dia 19 de Março dos anos que já vivi e dos que me restam viver!


Maria Celeste Carvalho

Ponto de Partida num Parágrafo

Ponto de Partida num Parágrafo I
No enlaço dos teus braços morrem pudores e recatos breves, que deslizam à descoberta da curva da orelha, onde sussurro desejos a fugir pelo pescoço, peito e pele num percurso de pêlos, navegado rente aos ossos, até respirar o teu sexo feito mastro emergindo dum mar salgado a apelar por descobertas e lugares profundos, onde desaguo num desalinho de gritos rubros, na certeza de que cheguei ao para-sempre e aqui vamos experimentar felicidades várias, todas elas eternas, perfeitas, nossas.

Ponto de Partida num Parágrafo II
Morre a força de cansaço nos teus braços miúdos onde enlaço paraísos de desejo e mundos perfeitos para onde iremos fugir depois de te foder, depois de navegar os seios que imagino serem mamas tumultuosas de mamilos hasteados a apontar a ruína que se segue, depois de me afundar entre as tuas coxas e desaguar as fragilidades do meu querer na cona de seda que me promete um futuro em que não acredito, mas que espero um dia experimentar, nem que seja para de novo partir e me perder de mim.

Ponto de Partida num Parágrafo III
Nos teus braços morreríamos, mas o amor é fodido e lá fora os outros e o mundo invejam este paraíso de onde tenho de partir, para regressar ao inferno e voltar e, de novo sentir o futuro no teu sexo, atravessar o teu corpo e experimentar felicidades virgens, aquecer a alma nas tuas coxas, transpirar a liquidez do desejo até me derreter no exílio da tua pele e por fim regressar ao ponto onde decidi partir e te perder.

Ponto de Partida num Parágrafo IV
Morri na lembrança que tenho de ti e nenhuma espécie de ressurreição me fará regressar a esse mundo onde permites que se arquitectem atropelos ao amor puro e se desenhem destinos onde os nossos corpos não se enlaçam, mesmo quando continuam a produzir torrentes de lava interior emergente, invocando incandescências que são uma ameaça à perfeição das leis putrefactas e cobardes de quem não sabe sequer o que é o amor.

bilhete

quero outra vez desculpar-me. esqueço que os preliminares devem durar todas as horas de todos os dias. não é que não te tenha carinho. só não sei como to hei-de entregar. estou tenso e cobro-te aquilo que não devo. sempre foste o melhor desta minha vida confusa e cinzenta e preciso de sentir que ainda és minha. quero ser controlado, seguro, sentir-me realizado. quero ser quem mereces. a maior parte dos dias sinto-me cansado, incompleto, abandonado, ridículo. não desisti mas já não tenho expectativas. já reparaste que nos transformámos em lugares comuns? não tem importância. continuo a amar-te como antes. talvez não como antes, mas o teu ventre é ainda a minha verdadeira casa. logo chego tarde. janta e não esperes por mim.

R. Patriarca

Prolongamento corporal

Dentro da esculpida natureza
Nasce a expressão primeira:
A sensação
Envolta numa decoração única
Que emana uma climatologia
Típica
De quem observa o mundo cromático.

Prolongamento corporal

Ânsia de imensidão
Sede de intensidade
Deixo-te no silêncio desta paisagem
Secreta pelo timbre
Receoso e próximo
Dos tímpanos audíveis.
Inclina-te mais um pouco
Nesta intensidade naturalmente viva.
Projectando-se no ilimitado.

Prolongamento corporal

Mergulho no meio das cores
Percorrendo o mais pequeno espaço
Mesmo incolor que seja.
Crio um espaço legível
Onde a sintaxe é puro fenómeno
Ardente.

Prolongamento corporal

Olhares em êxtase
Corpo em posição de guia
Toques que comunicam
A essência e incidência da luz.
Sol e lua
Corpos de luz
Que vibram no sentido
Mais precioso da penetração do campo visual.

Prolongamento corporal

És pura luz
clara-escura de uma ilusão viva.

É como um fio de uma teia de aranha

É como um fio de uma teia de aranha
Fino, frágil, quase imperceptível
A que te agarras inconscientemente
E eu quieta, observo-te, impotente.
Observo-te com atenção e é incrível
O corpo quase inerte ali deitado
E eu a ver-te, sentada a teu lado.
É como um fio de uma teia de aranha
Quase flutuas, magro, alvo e transparente
A tua respiração é tão leve e tão fina
E transporto-me ao passado, de repente
Sou de novo a tua menina.
Bonecas, guarda-chuvas de chocolate,
Viagens, loucura, comboios eléctricos,
Bicicletas, estórias, uma sinfonia
E de volta ao presente eu sufoco
Nesta dor de te perder, nesta agonia.
O lençol imperceptível sobe e desce
A cada vez mais ténue e esbatido
E a frágil teia que o meu imaginário tece
Flutua como o vento, cresce, cresce
E o medo que me esmaga e enlouquece
Que eu não quero que tudo fique partido.
Mas é tão frágil e uma lágrima já sinto a escorrer
Sei que essas pausas vão ficando mais espaçadas
Teu coração quase não sinto a bater.
Fecho os olhos e procuro te agarrar
Mas a teia é tão frágil, vai quebrar!
E quando te abraço e sussurro bem do fundo:
Que te adoro, Pai, fica comigo…
Mas o fio da teia está partido
E tu, Pai, já não és mais deste mundo.

Elza

TU ÉS ASSIM

De olhar mui ternurento,
fácies angélico de paz,
um rosto magro que privilegia
uns lábios criativos de doce mel.

Serena a todo o momento,
de criar volúpia és capaz,
tens nas mãos a mágica alegria,
iludes a mágoa, recusas o fel.

Crias apetite tão suculento,
há comida vasta no cabaz,
só um tonto recusaria
paixão-delírio tão aprazível!


(Retrato integral, sensual, da pessoa amada)
Do livro "VIDA: Paixão e tormento", 2008 (Edições Ecopy).
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Em tempo: pequena descrição de um Corpo, em 3 momentos:
1. ternura, serenidade; 2. auto-dinamismo, alegria; 3. erotismo, cumplicidade.
Poderá eventualmente servir de 4º TPC.

Transfiguração

Partiste de madrugada
sem para mim olhar
só, cerraste-te em ti
na escuridão do teu quarto
jamais captarei tua alma
através do espelho magico
que foi o teu olhar

desalento,culpa,angustia
por aquilo com que te presenteei
que afinal me parece nada
remorsos do abandono dessa noite

recuso-me recordar
teu corpo inerte como um qualquer
não eras tu minha Mãe
jazida de vazio, em leito de morte
faltei-te, tua vida em mim

estranha sensação esta
fugir à vida, à morte
dez anos da tua ausência
e, no sofá te vejo lendo o jornal
perscrutando, energizando
serena e tacticamente como outrora


Eugénia Ascensão

O Mar Parece Azeite: 1000 visitantes

Que óptima ideia.
Parabéns aos "fazedores" do blogue. As mil visitas explicam-se não só pelo conteúdo, mas também pelo agradável aspecto gráfico, etiquetas e facilidade de gestão.
Obrigada. 

M.Teresa R.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Borboleta

Rompeu o seu casulo
O bicho feio e esponjoso
Esvoaça de flor em flor
Bate as asas sem parar
Esquece toda a sua dor.
É colorido o vestido
E um sorriso traz em si
Um bicho tornar-se mais belo
Eu juro que nunca vi.
Esvoaça, flutua, ondula,
Saltita, crepita, volteia
Com elegância e leveza
Vai espalhando pelo campo
Suas cores, sua beleza.
Desenha linhas direitas
E outras mais sinuosas
Só eu posso vê-las riscadas
No céu azul que a acolhe
Como vidas desenhadas
Mais simples ou tortuosas.
E asas assim tão leves
Como essa borboleta
Queria eu ter para mim
P’ra voar tão leve e solta
Na frescura da violeta
Das papoilas, do jasmim.

Elza

Levitação

Ar
Excesso de ar
Ossos- de- ar

Elefante de rio,
Leve, recente elo, próxima linhagem
De aves sem penas, terríveis, ocas.

Ar
Libertar
Calor, pele e ar

Primo de ave, nova pele percorre interior.
Invadida de ar. Isoladamente.
Artigo próximo: restos.


Maria Teresa Ribeiro

Três mil anos

Desenhos de caçadas
Cenas esculpidas
Restos de baleias

Artefactos de marfim
Lâminas partidas feitas de pedra
Como um livro aberto

É a imagem…
Dos últimos dias.

Maria Teresa Ribeiro

Carlos, indo e vindo de Julieta.

Estendido no sofá, cansado, escondo-me por detrás do jornal, enquanto te observo secretamente por entre o virar de uma página e outra. És minha, desde aquele dia em que trocámos juras de amor, e, no entanto, pareces tão distante. É quando mais te quero, mais te desejo, e não te posso ter. Não estás disponível e ditas as horas e os momentos em que me podes acolher, por fim, dentro de ti. Da tua alma, se é que ainda o consigo fazer. Do teu corpo, que ainda aprecio e desejo. Disfarço o saborear de um cigarro, e observo-te, enquanto vagueias. Perdes-te numa nuvem de fumo, temperada, na cozinha. Preparas com amor de mãe essa merenda para quem agora afagas os caracóis. Divides pilhas de roupa em montes imaginários que só tu sabes catalogar e tudo à tua volta parece brilhar e organizar-se. Aprecio-te o contorno do peito quando te inclinas para apanhar um brinquedo esquecido e cresce em mim a dor de não te ter. Mas ainda não tenho. Agora vens tu. Despes o vestido e, cada vez mais inquieto, vejo-te passar o creme pelo corpo delicado. Estremeço. Mas não te posso tocar. Ainda não. Estou há horas a desejar unir-me a ti, sentir que és só minha e continuo à espera. Neste momento, sou totalmente dependente de ti, e tu sabe-lo. Sabes que te desejo mais do que tudo, que não sou livre, que não aguento mais porque quero ter-te, agora, já. E eis que chega o momento em que reparas em mim e avanças, morna, como se tudo em ti estivesse programado, e eu aqui a morrer de desejo há tantas horas. Perco-me em ti. Como das outras vezes. E agora respiro fundo. Tenho o corpo saciado. Aninhas-te em mim e pareces outra. Vulnerável, meiga, sem regras nem ordem, minha. Só minha. Mas é agora que, enquanto tentas adormecer encolhida nos meus braços, já me sinto liberto de ti. Tenho o corpo tranquilo e a alma a fervilhar. Deixo-te adormecida, delicada e já tão apaixonada por mim, sob a alvura dos lençóis, e corro a espreitar a janela e as mil luzes da noite que se acendem lá fora. Afinal, desencontrámo-nos. Sinto-me como que numa prisão. Agora que és minha, já não te quero ter. Já não te desejo mais. Terei algum dia coragem de desatar este nó que demos juntos numa vida sem sentido? Num impulso incontrolável, visto-me, agarro o casaco e desço. Não sei mais quem sou eu, quem és tu, quem somos nós. Apanho o vento frio no rosto que me gela e já não penso em ti. Só quero perder-me na noite escura.

Carlos, indo e vindo de Julieta.

A forma do desejo

Olho o teu corpo. Respiro o teu corpo no meu ar. Os meus pulmões inundados de ti. O meu sangue a bombear-me a carne da tua visão. Rompe-me de desejo a pele. A erecção dos meus sentidos no êxtase do teu ombro nu. O decote suave a desenhar-te as curvas onde perco a lucidez. Num misto de hipnose e embriaguez de desejo fecho os olhos. Imagino-te nua em mim. Violo a tua brancura em pensamento. Violo a tua brandura em pensamento. Abraço com força a tua fragilidade. Imponho-te a minha protecção e roubo-te beijos dos teus lábios doces, vermelhos e lisos. Mordo-os. Respiro-te. Penetro o teu templo e resgato-te a mente, a alma e liberdade. Tenho-te por instantes. Possuo-te mesmo que não me olhes do outro lado do café. Possuo-te mesmo sem despires o vestido que te desce do ombro. Peço um café enquanto sais. Magoa-me a erecção nas calças justas. Magoa-me não te ter.

Ao senhor Côrtes-Rodrigues


Passo no mundo a vivê-lo,
Passo no mundo a senti-lo,
E esta côr do meu cabello
É o vê-lo e possuí-lo.

Passo no mundo a sonhá-lo,
Numa forma de vivê-lo,
E o meu sentido d'olhá-lo
É o sentido de vê-lo.


Só em Mim me concretiso,
E o Sonho da minha vida
Nesse Sonho o realiso.


E sempre de Mim Presente,
Todo o Meu Ser se limita
Em Eu Me Ser Realmente.

Junho, 1915.
Violante de Cysneiros in Orpheu 2

Segundo texto de Violeta de Gand

I.

A embriaguez do corpo,
A embriaguez dos gestos,
Mãos entrelaçadas, braços pernas…
Adoro quando te vens dentro de mim
Adoro quando ficas e explodes dentro de mim!


II.

Sylvia Plath liga o forno
Mussolini gesticula violentamente
Ainda depois da delapidação?
link link link link …



III.

Um finíssimo fio de gelo sobe e desce pela espinha dorsal dos paralíticos
Está revestido a seda e por ele circula informação muito secreta
Faz com que os homens não caiam
percorres-me a espinha - por dentro



Violeta de Gand, 2008

Exercício 4

“Que bom deixar-me estar na oscilação discreta
Que nasce do teu corpo e me transporta
A essa embriaguez chamada rima”
António Franco Alexandre


Fui ao teatro naquela rua estreita
sentar-me na cadeira à larga à tua frente
Tinham-me dito que vista de perto é que eras
Liguei os projectores e o som da tua imagem
e instalei-os nos meus sentidos
sem maquinaria de cena só sinestesias

O teu aparelho fonador bailarinava graciosamente
enquanto eu me expandia em exaltação
Vi então a primeira gotícula de suor a insinuar-se na tua fonte
e esvaí-me em sede
Os teus dentes brandos desejavam-me
só podiam desejar-me porque li-os
E os lábios? Ah… nus escorrendo brilho
Reparei depois no teu cabelo –
ondas de um qualquer mar cheio de cheiro
Nasciam na cabeça a foz era no peito
vale de brancura firme e deleitosa
Pus-te nua sem o teu consentimento
enquanto enrijecia de um gozo vindo do centro

A tua voz de diva tenra a masturbar-me sem mãos
até aos aplausos… até ao fim dos aplausos
(Terei de voltar noutro dia
Sentar-me na mesma cadeira
E concluir-te a dramaturgia)

Jacques, o espectador

1000 visitantes

O blogue está a atingir os mil visitantes. Considerando que esse número tem um certo simbolismo acho boa ideia realizar qualquer forma de celebração, poética ou não - Tal como dizia João Cravinho - A Corrupção está boa e recomenda-se - O nosso Blogue também está bom e recomenda-se!

Falei com a Auxília e a Raquel, achamos que era bom organizar um jantar depois de quarta, porque quarta é a última sessão. Lanço o tema e na próxima sessão falamos.

domingo, 19 de outubro de 2008

Delírio Húngaro

Delírio Húngaro

I.

Tal como a Morfina, tiro a dor ao homem
Quem me olha nos olhos nunca mais será livre
Sou a mulher mais bela de todas as mitologias
Sou o paraíso em vida – o mais perigoso de todos,

Sou loucura criadora
Patrícia, a Irmã de Deus
Os meus filhos são todas as coisas
Induzo os mais complexos suicídios


Induzo os mais complexos suicídios,
Dou a vida e tiro a vida e não acho isso bem nem mal porque sou uma flor e as flores não julgam – são indiferentes e tristes
Aconselho os românticos alemães a pegarem nas suas espingardas e a lutarem por causas inúteis
Meto-lhes pólvora nas armas,
Provoco-lhes os melhores prazeres


Sou feita de carne e não de luz –
Sou Nossa Senhora do Pólo Norte
A ver o sol derreter-se
E pingar sobre o gelo:


..................................................................


II.

Sou o sonho de um camelo deficiente
O delírio das gémeas siameses
O pesadelo de quatro girafas recém nascidas
A paralisia é o contrário de Deus
- dizias
Por baixo das minhas saias, afago-te a cabeça -
Sou as cinzas de um ditador a voar no bico de um corvo
todos os vendedores de marmelada na fronteira do Iraque
Por baixo das minhas saias - torna-se bem evidente que te amo


………………………………


III.

Sou a possibilidade –
Na minha boca os bois lavram os campos,
Deixam as marcas carolinas das suas patas
O arado escreve na minha língua uma rima de Petrarca
Em letra carolina da mais perfeita caligrafia
Mi fluorescente métrica nova
La porole ideal,
As fadas papistas de tule
Lambuzam-se de geleia e compotas
Sonhos: os mais doces, por exemplo
África partiu-se ao meio
Na minha boca África inteira
Na minha boca os bois lavram os campos
Link, link, link, link


IV.

O medo de ficar sozinha, com a deusa da fertilidade a roer-me o
Útero
Os desejos mais fundos – de um operador de gruas
A boca cheia de neve
Os cabelos a arder ao som da música – ruivos – os phones !
As nuvens do sonho são menos bonitas
Flocos de neve em Bruxelas, os anjos esquecem-se



Percorro todos os dias uma auto estrada de prata que vai
Até ao centro de ti
O prazer está em cada átomo
Em cada átomo – o universo


Os pasteleiros batem a massa em toda a Hungria
na Alta Hungria
E na Baixa Hungria
Amanhã os meninos húngaros, os mais gulosos -
os pasteleiros húngaros, os mais tristes
Olha para mim nos olhos
tenho os olhos tristes, dizias
Os mais tristes de todos


Violeta de Gand, 19-10 -2008

Nuno Brito

Lapso

Por lapso não assinei o terceiro T.P.C.-O poeta-
que acabei de enviar.

Eugénia Ascensão

O meu poeta

Como eu queria, imenso mar
que fosses o meu poeta
á noitinha te albergar
na minha casa, reles coração
roubar tuas silabas, teus sonetos
à laia de ladrãozinho
de pé descalço, maltrapilho
de ti
centelha e poente em mim
habitar o teu lugar
reter em meus devaneios
tão agre-doce fluido
como eu queria
mar, imenso mar

Eugénia Ascensão

El instante

?Dónde estarán los siglos, dónde el sueño
de espadas que los tártaros soñaron,
dónde los fuertes muros que allanaran,
dónde el Árbol de Adán y el otro Leño?
El presente está solo. La memoria
erige el tiempo. Sucesión y engaño
es la rutina del reloj. El año
no es menos vano que la vana historia.
Entre el alba y la noche hay un abismo
de agonías, de luces, de cuidados;
el rostro que se mira en los gastados
espejos de la noche no es el mismo.
El hoy fugaz es tenue y es eterno;
otro Cielo no esperes, ni otro Infierno.

Jorge Luis Borges (1899-1986)

Las Cosas

El bastón, las monedas, el llavero,
La dócil cerradura, las tardias
Notas que no leerán los pocos dias
Que me quedan, los naipes y el tablero,
Un libro y en sus páginas la ajada
Violeta, monumento de una tarde
Sin duda inolvidable y ya olvidada,
El rojo espejo occidental en que arde
Una ilusoria aurora. !Cuántas cosas,
Limas, umbrales, atlas, copas, clavos,
Nos sirven como tácitos esclavos,
Ciegas y extrañamente sigilosas!
Durarán más allá de nuestro olvido;
No sabrán nunca que nos hemos ido.

Jorge Luis Borges (1899-1986)

Mensagem de uma adolescente

Sempre mostrei que a vida exultava,
que dela era a mais fiel, dedicada amiga,
tal facto e respeito jamais eu escondi,
pois que ter tal gosto nada ensombrava!...

Com coerência assim continuo a crer,
apesar do afastamento ora existente,
mas festejo minhas 21 primaveras
e o passado impõe-me este enternecer!...

Sabia não ter alternativa à proibição
desenfreada, a meu esplendoroso amor,
até que fosse adulta e autónoma,
para então seguir minha vontade, com ambição!

Obsoletas regras e espartilhos familiares,
com prepotência e restrições à mistura,
fizeram-me abandonar meu grande amor,
que a doença prevaleceu, graves esgares!

O destino a passo se constrói, a mim pertence,
por muita dor d' alma que possa causar,
a arrogância, o egoísmo serão derrubados,
dos ascendentes o despotismo assim se vence!

Dolorosamente já tive qu' enfrentar,
barreiras tantas quase intransponíveis,
galguei escarpas e rochedos pontiagudos,
para seguir em frente sem claudicar!

Enfrento uma luta tenazmente,
para transmitir aos jovens um liberalismo
repleto de respeito e autocrítica,
que permita confronto de ideias, apaixonadamente!

Permito agora lembrar que a amizade
deve permanecer entre humanos de vanguarda,
defendendo a autenticidade dos princípios
E eliminando toda a mediocridade!

Obviamente o futuro dará recompensas,
a quem se prontificou a uma sociabilidade,
a quem se exigiu respeito e fiabilidade,
a quem buscou a paz, a suas expensas!

Não farei marcha a trás, não pararei,
Lutarei, discutirei, tentarei ser feliz,
buscarei direitos de minha maioridade,
cumprirei o Destino e o honrarei!


( com base na problemática e p. v. dolorosa confrontação entre
pais e filhos/as na transição adolescência-vida adulta. A maioridade desperta a autonomia, a criatividade, e a capacidade para decidir por si próprio/a, para tornar possivel construir liberdade em responsabilidade).

Daniel Faria

Do ciclo das intempéries

1
Sabes, leitor, que estamos ambos na mesma página
E aproveito o facto de teres chegado agora
Para te explicar como vejo o crescer de uma magnólia.
A magnólia cresce na terra que pisas — podes pensar
Que te digo alguma coisa não necessária, mas podia ter-te dito, acredita
Que a magnólia te cresce como um livro entre as mãos. Ou melhor,
Que a magnólia — e essa é a verdade — cresce sempre
Apesar de nós.
Esta raiz para a palavra que ela lançou no poema
Pode bem significar que no ramo que ficar desse lado
A flor que se abrir é já um pouco de ti.
E a flor que te estendo,
Mesmo que a recuses
Nunca a poderei conhecer, nem jamais, por muito que a ame,
A colherei.

A magnólia estende contra a minha escrita a tua sombra
E eu toco na sombra da magnólia como se pegasse na tua mão

2
Quero dizer-te que esta magnólia não é a magnólia
Do poema de Luiza Neto Jorge que nunca veio
A minha casa - ela própria dava flor
Ela riscava nas folhas
Ela era grande mesmo quando a magnólia não crescia

Esta magnólia não é como a dela uma magnólia pronunciada
É uma magnólia de verdade a todo o redor - maior
E mais bonita do que a palavra

Dos Líquidos

Deste conjunto de poemas fazem parte 8, todos sobre as magnólias. É muito interessante o segundo, que está em diálogo directo com o da LNJ e que, aliás, ilumina a sua interpretação.

Um e-mail para um Amigo

Caro José,

Como me pediste e te prometi, aqui estou a dar-te, notícias nossas.
Gostei muito de saber que estás bem e o teu trabalho, aí, no Canadá, é interessante e muito bem pago! Aqui, é o sufoco do costume e que te fez ir para outras paragens.
Já tenho pensado se não seria boa ideia sair deste país cada vez mais pobre e decadente! Estou a ficar farto, José!
Continuas impressionado com as miúdas canadianas? Pelo que me contaste, são giras, loiras mas espertas, desempoeiradas e... gostosas( palavra tua!)! E, tu lá sabes!
Qualquer dia, dou uma escapadela e vou visitar-te. Talvez vá sozinho, o que até nem seria de todo mau, porque a Marina não deve poder ir. Ela é, como sabes, uma mulher muito ocupada, tão activa que, às vezes, quando, de manhã, me diz o que tem para fazer, durante o dia, fico tão cansado que me apetece ir dormir, outra vez!
Ela continua a advogar, dá aulas na faculdade, em Coimbra, aprende Alemão e já se desenrasca muito bem, aperfeiçoa o Inglês que já está mais do que aperfeiçoado, faz yoga, vai ao ginásio e... leva a cadela à escola!
Não te rias José, é assim mesmo!
Lembras-te da cadela que, como tu dizias, era tratada como um bebé? Agora cresceu e vai... à escola !
Já tive de ir também a uma aula, imagina, mas não tenho jeito nenhum e ainda estava mais nervoso do que a "cadela-aluna"!
Alguns maduros e maduras, diga-se, que também levam os cães à escola, aprender, ainda não percebi o quê, organizam passeios e festejam os anos dos bichos, com bolo, champanhe e tudo! Tremo só de pensar o que me aguarda em Fevereiro, quando a canina cá de casa fizer anos! Talvez aproveite e vá ter contigo, que dizes?
A Marina foi há pouco buscar mais uma cadela a um abrigo de cães abandonados. Foi um gesto bonito que até me comoveu!
A cadela que escolheu é muito meiga, agradecida e sossegada. Não vai (ainda) à escola, não está estragada de mimo e até gosto dela!
O pior é que agora é mais uma a dormir no quarto connosco. Esta dorme do meu lado,
no tapete e eu já ía dando um tombo monumental, uma noite, porque me esqueci dela e tropecei miseravelmente! É muito jardim zoológico para mim,Zé!
A mulher da minha vida, quis fazer de mim, jardineiro. Comprou umas plantas e indicou-me onde as queria plantadas, enquanto ía com a cadela-princesa à escola. Fiz o meu melhor mas, pelos vistos, troquei-as todas. Para crescerem mais depressa e mais fortes, pus bastante adubo na raíz. Morreram todas e... a Marina passou-se!!
Ela diz que estou a ficar rezingão e peguilhento! Será, José?
Adoro a Marina.Ela é a mulher que quero a meu lado, muito bonita, inteligente, moderna, independente e activa, como aliás, e tu sabes, aprecio! Mas, amigo, tanta actividade, também é demais!
Temos dias que nos vemos de fugida e quase não conversamos.
Eu, por muito tarde que venha para casa, chego quase sempre primeiro. Aborrece-me chegar e a casa estar ainda fechada e às escuras, com a cadela aos saltos para ir ao jardim. A outra fica sempre lá fora, durante o dia! Há aqui uma certa hierarquia canina, que não me agrada. Mas, enfim...
Jantamos fora ou, mandamos vir a refeição de fora, quer dizer, mando vir a minha refeição de fora, porque a Marina come saladas e fruta. Nem sei como ainda não está às cores, com tanta fruta e salada! Mas, lá que tem uma figura gostosa, como tu dizes das canadianas, isso tem!
Ao Domingo, como nos levantamos tarde, praticamente não se come! Comida de panela, percebes?
E, que saudades eu tenho do bom assado de Domingo, do leite creme, do pudim! E, como eu gostava de chegar a casa, estafado e ter a receber-me, uma casa quente e iluminada, e aquele cheiro bom da comida caseira, apetitosa! E, a Marina serena e sem ter mais uma "coisinha" para estudar ou um "desgraçado" trabalho para acabar, num stress tão grande que, além de esganado de fome, fico também stressado!
Isto, José é só um desabafo, Amigo! Que só posso ter contigo!
Mudando de assunto, que me dizes da nossa selecção? Na minha opinião é um completo desastre! Os gajos parecem umas meninas melindrosas a jogarem de salto alto e saia travada! Parecem umas frágeis gueixas, a arrastarem-se, pelo campo, com passinhos suaves e curtos!
O jogo com a Albânia foi uma vergonha! Ainda não estou em mim! Os jogadores ganham balúrdios mas não vestem a camisola, nem comem a relva! Assim não vamos a lado nenhum!
O nosso Porto é que nos vai dando alegrias e a taça vai ser nossa, outra vez, tu vais ver!
É o FCP do nosso contentamento, José!
Por aqui, têm aparecido uns restaurantes novos, muito simpáticos e uns pubs óptimos para bebermos um copo e conversarmos pela noite fora, quando vieres cá passar uns dias, ao nosso burgo.
Vou terminar por hoje. Cuida-te, diverte-te e namora muito!
Mas, primeiro, certifica-te se a miúda tem cães e jardim. Se tiver, , nem que seja só uma dessas coisas, dá o salto, José! Olha que corres o risco de dormires tu, no tapete e o cão ou a cadela, na cama, com a garota gostosa,(palavra tua!)e teres de plantar florzinhas, no jardim, ao Sábado à tarde!
Quem te avisa...
Um forte abraço, do amigo,

Francisco.


Nota: Receio que este não seja o tipo de texto, politicamente correcto, para figurar num blog, tão bonito e de tanta qualidade, dedicado à Poesia. Se assim for, peço muita desculpa mas, decidi que este 4º e último trabalho de casa deveria ter um registo diferente, deveria ser mais leve, mais descontraído e até mesmo, um bocadinho divertido! Texto mais sério, talvez amanhã!
A verdade, meus queridos Amigos, é que este Francisco que agora vos "fala" se divertiu muito a escrever este e-mail e tem uma tendência danada para ser politicamente incorrecto e... desalinhado!

Maria Celeste Carvalho

A minha bata amarela

Tenho uma bata amarela
Com dois bolsos
Pregados
Que visto no hospital.
Neles, guardo ternura
Sorrisos
Palavras
Afagos
E suaves mentiras
Daquelas, que não fazem mal!

Pressinto e prendo nas mãos
Muitas horas
Sofridas
As dúvidas
Restos de fé perdida
Pedacinhos, esfarrapados
De Esperança,
Tristes lágrimas incontidas!
Mas, ainda mais do que a dor,
Guardo nas minhas mãos
O susto
O desespero
O pânico
E, um imenso terror!

Lá fora, brilha o sol...
Há risos, vozes no ar
Muita alegria
Na praça!
É a vida a brotar
Apaziguada
Liberta
Apressada
Na gente sadia
Que passa!

Lá dentro, rostos velhos
Rostos jovens
Pálidos, esquálidos
Corpos ardentes de febre
Lábios secos
Cansados
Sem cor
Dizem-me como em oração:
" Deus é grande!"
" Deus é Pai!"
E, fixam os olhos nos meus
À espera que eu diga:" Sim!"
" Estou melhor, hoje, não estou?"
E,fixam os olhos nos meus
Inquietos, ainda à espera,
Agora, à espera de mim!

Então, muito de mansinho
os meus dedos esguios
Trémulos
Desajeitados
Gelados
Tiram de um dos bolsos
Pregados
Da minha bata amarela
Que visto no hospital,
Uma suave mentira
Daquelas, que não fazem mal!

Quando a doença é feroz
E me estendem a mão
Transparente
Emaciada
Suada
Que eu aperto nas minhas
Sinto e cheiro,
Impotente
Agoniada
Ansiosa
E aterrada
A estranha vibração
Da Morte que já fareja
Faminta
Gulosa
Excitada
E, ronda no hospital!

Quem me vê, vê-me serena
Naquele momento supremo.
Mas, dentro, num grito
Mudo
Angustiado
Perdido,
A minha alma explode
E, esgotada
Incapaz,
Chora
Clama
E pergunta:
" Porquê tanto sofrimento?
Se existes,
Deus,
Onde estás?"

Maria Celeste Carvalho

Porto - Prós e contras

Ouvi-os falar
da cidade das memórias,
das ruas desertas
na neblina seca dos pós.
Dos desencantos,
dos turistas,
das obras sem alma,
do Porto, da Ribeira,
do casario;
cascata sem voz!

Eruditos da forma,
conversa fácil,
brilhantinas!

Desligo o som...
no movimento de guelras
afogam-se;
falsos de olhar ausente!

Apago a luz
não há pirilampos!

Adormeço...
ruído de acepipes
colarinhos brancos.

Fim de programa,
desfile de notáveis!

Sonho...
pendurado nas gravatas
invertidas,
no azul de Magritte,
falam...falam...falam...

Corto...
caem no abismo,
fica limpo o céu
nada se perdeu!

deve andar perdido por aí...

Mil anos
ultimos dias e restos
baleias esculpidas
feitas de marfim
cenas, desenhos de caçadas
um livro aberto
laminas partidas
como marcação de imagem

Eugénia Ascenção

sábado, 18 de outubro de 2008

4º trabalho de casa

"Era uma Primavera irregular. O tempo em constante mudança punha nuvens azuis e purpúreas a voar sobre a Terra. No interior, agricultores olhavam, apreensivos, para os campos. Em Londres os guarda-chuvas eram abertos e depois fechados por pessoas que olhavam para o céu. Mas em Abril era de esperar um tempo assim."

Virginia Woolf "Os Anos"

Como o tempo em Abril o meu nome mudou Hoje fechei e abri guarda-chuvas o resultado é simplesmente Maria... As três Marias!

1ªMARIA

Jovem Maria

Deslizo ainda junto a ti
encolhida nessa asa
onde a pele morena
de mão maior
me espaça os dedos
em ondas soltas
distendidas
na entrega louca.

Este Sol exterior no brilho ofusca
mas na redoma ainda sinto
o morno sopro de beijos
os sussurros e arrepios
num afagar de pomba
de bico escondido
onde me aninho.

Nesta rua não sou eu...
desprovida de sombras;
sete vezes mais leve
em cada passo levito...

Mas não te vendo
em cada minuto que passa
no desejo, na saudade,
sou a personagem aflita
no filme tremido,
na nitidez certa
de te querer
uma outra vez
à minha espera!

Maria Levita

2ª MARIA

Faz-se tarde Maria

Não gosto do cinzento olhar
quando abraças ao fim do dia.
Procuro o sorriso distante
de fugidas de jardins
entre frases aos molhos,
gotas de orvalho frescas,
melodias de silêncios
entre copas e arbustos,
às escondidas curiosas
dos chapéus vigilantes!

Soltavas beijos em qualquer hora,
perseguias os aromas,
destruias rotinas no desafio
dos sentidos...
e agora onde páras, onde estás
meu amor das Primaveras!

Quero de novo os papéis queimados
de ornadas fantasias de poemas...
ser a musa, a deusa, a louca...
Onde estás!

Tenho a pressa e o desejo
de amores-perfeitos,
margaridas, dos jacintos
colhidos nos passeios
de Domingos,
entre raios de brilho,
relâmpagos de mar!

Porque não me vens de novo,
vestido de orquídeas, de sapatinhos,
de rosas brancas, vermelhas, laranjas...
(antes que venha a noite),
visitar?

Não te quero assim!

Onde estás?... Onde estás?


Maria da Esperança


3ª MARIA

Memórias de Maria

Fecho o cesto de verga,
o vime da memória da tua ausência.
Não era p'ra ser assim
"Primeiro eu só depois tu"
Mas dizias afagando rugas:
"...espero por ti sentado
na manta de lã, quadrados azuis,
xadrez,
num relvado, junto a uma cesta
de flores... lá...
espero por ti
a meu lado..."

Saíste de mim neste mundo
Mas sei onde estás...
no outro lado do berço,
num baloiço, num embalo,
adormecido...
no Paraíso!

Guardo alegrias, consolos,
a companhia nos colos que
partilhámos...
Aqui...ainda és meu...
Ainda estás!

Não choro mais!

Maria do Céu

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

poema de chão

Sentada, era toda joelhos,
numa busca incessante das alcatifadas palavras.
Era milhares de palavras despidas,
e dois: eu e o poema.
Embrulhado longe, em si, em nada,
Em madeiras de chão e memórias,
Vitórias,
perdidas algures no seu chão.
Passei em rolos de pés e pegadas trocadas sem rumo.
Queria-o em mim, para mim, para os outros,
Queria arrancá-lo dos pavimentos onde se afundava.
Queria-o à força em troca de quase nada.
E ele enrolado, escondido, perdido em rastos cruzados.
Enterrava as maos na areia, mas vazias como iam, vazias voltavam.
As minhas garras, a minha fúria, nao lhe interessavam.
Então tentei.
Desamarro lentamente as lages do chão,
descasco as farpas das pegadas em madeira,
Proponho um acordo, uma brincadeira.
Pois se o poema vier hei de o deixar ser livre.
Sem me pertencer a mim, ou aos tapetes em que se esconde.
Sem dono e sem chão.
Há de ser alma, fuga, rebelião.
E todos os poetas hão de saber, que há poemas de alma
outros de ser,
mas que o poema em si não tem pertence,
ou dono, ou chão, ou luz.
Vence.

Maria Inês Beires

Não é meu costume por os meus poemas aqui, nem meu costume é escrever desta forma. Costumo ser mais presa na métrica e rima dos versos. Mas há sempre uma primeira vez para tudo e experimentar não ha de fazer mal!