quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Poema meu

Escrevo como se os teus olhos
atrás do ombro
espreitassem luzidios...
como se..não os vendo...
ainda assim sabendo...
alimentassem de novo
um rio de margens revolutas
de sossego de ventos brandos,
de acalmia segura...
minha...tua...

Escrevo como se no teu colo
olhando areias finas
retomassem gaivotas o horizonte...
asas brancas... azul cristalino...
ainda assim sentindo
a mão amena
o rosto em desafio
prendendo a Lua
minha...tua...

Escrevo de língua quente, da pimenta...
lábios de chilli ardente,
nas últimas gotas da laranja nua...
querendo o beijo... a sobremesa...
o corpo mole, a floresta muda...
ainda assim despertando...reassumindo
o falo laço num sussurro...
roçando emergente, líquido, explosivo...
deslizando...
em lisa pele de seda pura...
minha... tua...

José Ferreira

Soneto de brincar

Um Deus pode. Mas como erguer do sol
O que ser humano não consegue
Oh Deus lá no Cé olha e tudo pede
Que a estrela há de servir a quem tem sede

Este riso que dá luz e tom verde
Empresta um pouco a quem nem tudo acende
Quem não dá ao amigo tudo vende
Renega amor família e antepassados

Não dás aos pobres a roupa coçada
E foge assim rebelde galopada
No seu lento vento que arrasta a amada.

E chora meu amor a mão lançada
Não deixes atrás a tua jangada
Apanha a vida, sonha que nem fada!

1º e aflitivo trabalho de casa

É livro aberto,
Desenhos,
Últimas caçadas esculpidas.
É como pedra,
Imagem,
Dias de marfim, cenas partidas.
É mil desenhos,
Baleias,
Lâminas e restos de mil dias.
É livro aberto,
Imagem,
Últimos desenhos de baleias.


Maria Inês Beires


Empanquei imenso nos primeiros dias, e após inúmeras e fatigantes tentativas, o resultado acabou por sair à primeira 2 dias antes da reunião de quarta. Mas fiquei contente com o resultado final, embora as baleias ali mencionadas duas vezes me façam urticária de poeta.

Soneto Verso a Verso de passo incerto

Depois de muitas revoltas voltas de uma folha
que desesperava a rima incerta
do poeta precedente,
eis que surge o resultado
um soneto simplesmente:

Tanto de meu estado me acho incerto
Que dá pena ouvir-me, ver-me ao espelho,
uma cortina com um retrato velho
abertura ao encontro do espelho

Uma fantasia nova a vê-lo
com outras cores além do vermelho
vermelho luz claridade e elo
incêndio rigoroso num gelo

Impossível desta forma mantê-lo
mas muito viável um dia revê-lo
sob novas formas reavivá-lo

Adeus formas doentias em dó
que a alma não pode estar só
já basta um dia saber-me... pó!

Maria do Céu, Nuno, António, José

Que
de cabelos desgrenhados
mesmo alguns arrancados
desta grande aflição
já se livraram!

Três mil anos

Três mil anos
É marcação
Como um livro aberto
Lâminas de últimos dias
Restos de artefacto e marfim
Imagem, desenhos, caçadas
Baleias partidas
Cenas feitas
Esculpidas de pedra.

Ar

ar
o artigo do ar
resto de excesso e calor
se o ar percorresse o interior
penas mais leves
libertar o novo
ossos invadidos por penas
aéreos, terríveis e ocos
o elefante do ar
esse elo de origem
recente linhagem
isoladamente o primo próximo
aves, aves e aves
do rio e do ar
só pele e ar

Soneto em grupo

Tornou-se tão cansado o seu olhar
Diante do espelho a sonhar
Vejo reflexos de ondas e mar
Perco-me em espaços repletos de amar

E chego mais perto desse lugar
Onde há duendes para encantar
e arco-íris de cor, luz e mar
sem saber como aprendi a dançar

E nua me deixei estar ao luar
Tórrida de desejo de te amar
Olhar, enlaçar, deitar, pernoitar

Descanso em teu colo meu respirar
E deixo-me sentindo devagar
Abraçar-te inteiro ao acordar

Brincadeira poética

Sem querer assassinar o lindo soneto de Florbela Espanca, aqui fica o trabalho conseguido às cegas pela Angeles, Celeste, José, Elza e Filinta, a partir do primeiro verso de Os versos que te fiz:

Deixa dizer-te os lindos versos raros
E sintas no ouvido a minha boca
A sussurrar sons ternos e caros
Sem eles, a minha alma fica oca.

E ponho-me a pensar já em silencio
E da alma que escorre sobre o nada
Sentindo como os teus olhos afagam
E vejo-te etérea como fada

Tenho o teu olhar contemplando o meu
Mas sinto-me sózinha e vazia
De memórias presentes e sem fim

E continuo a olhar pelo raro véu
És para mim amor e alegria
Enfim, quero para ti o imenso céu

Os versos que te fiz

Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer!
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.

Têm dolência de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer!

Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda...
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz!

Amo-te tanto! E nunca te beijei...
E nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!


Florbela Espanca (1894-1930) in
Livro de Soror Saudade (1923)


Podem ouvir este soneto e também poemas de Ana Luisa Amaral cantados por Clara Ghimel no site: http://www.myspace.com/claraghimel. (Tentei colocar as canções aqui, mas confesso que não domino estas técnicas internéticas...)

O Hipopótamo - T.S. ELiot

E quando esta epistola for lida entre vós
fazei com que seja lida também na Igreja dos
Laodiceanos

O Hipopótamo de costas largas
Repousa sobre a barriga na lama;
Embora nos pareça tão firme
É meramente de carne e sangue.

A carne e o sangue são fracos e frágeis,
Susceptíveis de choque nervoso;
Ao passo que a verdadeira Igreja nunca falha
Porque tem por base um rochedo.

Os fracos passos de Hipopótamo podem errar
Ao compreender os fins materiais
Ao passo que a Verdadeira Igreja não passa de se mexer
Para colher os seus dividendos

O `pótamo não consegue alcançar
O mango na Mangoaeira;
mas frutos de romã e pêssego
Refrescam a Igreja vindos do ultramar.

No acasalamento a voz do hino
Denota inflexões estranhas e roucas
Mas todas as semanas nós ouvimos e louvamos
A Igreja, por ser una com Deus.

O dia do hipopótamo
É passado a dormir, à noite caça;
Deus trabalha de um modo misterioso -
A Igreja consegue dormir e comer ao mesmo tempo.

Vi o ´Popótamo levantar voo
Subindo das húmidas savanas,
E anjos implorantes à sua volta cantam
Louvores a Deus, em altos hosanas.

O sangue do Cordeiro vai lavá-lo bem limpo
E ele abrirá os braços celestiais,
No meio dos santos serám visto
Tocando numa harpa de ouro.

Será levado tão branco como a neve,
E beijado por todas as virgens mártires,
Ao passo que a Verdadeira Igreja fica cá em baixo
Embrulhada no velho nevoeiro de miasmas.


T.S. Eliot (1888-1965)

A Pulga

Observa esta pulga, e repara nisto -
Quão pouco é o que me recusas -:
A mim sugou primeiro e agora suga-te a ti,
E nesta pulga nossos dois sangues se misturam.
Confessa: de tal não pode dizer-se
Que é pecado, ou vergonha, ou desfloramento,

Portanto ela goza antes de cortejar,
Saciada, incha com um sangue feito de dois,
O que, enfim, é bem mais do que ousaíamos.

Oh, espera. Três vidas poupa numa pulga,
Onde nós quase - não, mais do que - Casados estamos:
Esta pulga é tu e eu, e isto aqui
É o nosso leito, o nosso templo nupcial;
Embora os pais - e tu - protestem, estamos juntos
E enclausurados nessas vivas paredes negras.
Ainda que o uso te autorize a matar-me
A tal não se acrescente o suicídio,
E o sacrilégio: três pecados ao matar nós três.


Cruel e precipitada, já de púrpura
Manchas a tua unha como sangue da inocência?
De que poderia esta pulga ser culpada
Senão dessa gota que chupou de ti?
Mas tu triunfaste, e afirmas que te
Não encontras, nem a mim, mais fracos agora:
É verdade. Então aprende como são falsos os medos:
Esta mesma dose de honra, quando a mim te renderes,
Perderás -igual à vida que a morte desta pulga te roubou.



John Donne (1572-1631)
in "Poemas Eróticos" Assírio e Alvim -
tradução de Helena Barbas