sexta-feira, 17 de outubro de 2008

poema de chão

Sentada, era toda joelhos,
numa busca incessante das alcatifadas palavras.
Era milhares de palavras despidas,
e dois: eu e o poema.
Embrulhado longe, em si, em nada,
Em madeiras de chão e memórias,
Vitórias,
perdidas algures no seu chão.
Passei em rolos de pés e pegadas trocadas sem rumo.
Queria-o em mim, para mim, para os outros,
Queria arrancá-lo dos pavimentos onde se afundava.
Queria-o à força em troca de quase nada.
E ele enrolado, escondido, perdido em rastos cruzados.
Enterrava as maos na areia, mas vazias como iam, vazias voltavam.
As minhas garras, a minha fúria, nao lhe interessavam.
Então tentei.
Desamarro lentamente as lages do chão,
descasco as farpas das pegadas em madeira,
Proponho um acordo, uma brincadeira.
Pois se o poema vier hei de o deixar ser livre.
Sem me pertencer a mim, ou aos tapetes em que se esconde.
Sem dono e sem chão.
Há de ser alma, fuga, rebelião.
E todos os poetas hão de saber, que há poemas de alma
outros de ser,
mas que o poema em si não tem pertence,
ou dono, ou chão, ou luz.
Vence.

Maria Inês Beires

Não é meu costume por os meus poemas aqui, nem meu costume é escrever desta forma. Costumo ser mais presa na métrica e rima dos versos. Mas há sempre uma primeira vez para tudo e experimentar não ha de fazer mal!

O moinho e o coração

Ó moinho a moendar,
ó coração sonhador!
o vento faz-te pulsar,
- o vento é como o amor!
Tu és como um coração
que o vento do amor agita,
- moinho a moer o grão
da sua ânsia infinita...

A moer, triste e obscuro,
de vela branquinha e leve,
tu mudas o trigo escuro
em farinha alva de neve...
E o coração de quem ama,
no sonho que o faz penar,
mói tristezas, e derrama
ilusões de oiro e luar...

A um e outro, idealizo-os
na mesma linda canseira...
- Mudam a dor em sorrisos;
moem da mesma maneira!
São dois moinhos a arfar,
ao sopro que os faz mover...
- Dois moinhos a cantar!
- Dois corações a bater!

Bernardo de Passos (1876-1930)

Nu Masculino

Olho-me ao espelho na minha nudez
A barba firme que me enfeita o rosto
Os ombros largos da insensatez
Com que o desejo me consome o gosto

Sou forte, pai, líder, chefe ou herói
Cumpro o destino da força maior
do musculado corpo sem temor
Mostro só força mesmo quando dói

Tudo o que esperam talvez possa dar
O corpo erecto na vida a lutar
Se o meu destino é o penetrar

na dor que vejo sem poder olhar
nos olhos guardo lágrimas em par
mas não me deixam nem sequer chorar!
dançava contigo hoje, já hoje,
nesse alívio de dois corpos
que por fim respiram juntos.

procurava a tua mão leve
e apoiava sem saberes
o rosto no teu ombro.

sussurrava um sorriso
de corpo junto ao teu
partilhando odores suados
- e leves pressões de dedos -

e de olhos fechados seria tua nesse instante.