domingo, 19 de outubro de 2008

Delírio Húngaro

Delírio Húngaro

I.

Tal como a Morfina, tiro a dor ao homem
Quem me olha nos olhos nunca mais será livre
Sou a mulher mais bela de todas as mitologias
Sou o paraíso em vida – o mais perigoso de todos,

Sou loucura criadora
Patrícia, a Irmã de Deus
Os meus filhos são todas as coisas
Induzo os mais complexos suicídios


Induzo os mais complexos suicídios,
Dou a vida e tiro a vida e não acho isso bem nem mal porque sou uma flor e as flores não julgam – são indiferentes e tristes
Aconselho os românticos alemães a pegarem nas suas espingardas e a lutarem por causas inúteis
Meto-lhes pólvora nas armas,
Provoco-lhes os melhores prazeres


Sou feita de carne e não de luz –
Sou Nossa Senhora do Pólo Norte
A ver o sol derreter-se
E pingar sobre o gelo:


..................................................................


II.

Sou o sonho de um camelo deficiente
O delírio das gémeas siameses
O pesadelo de quatro girafas recém nascidas
A paralisia é o contrário de Deus
- dizias
Por baixo das minhas saias, afago-te a cabeça -
Sou as cinzas de um ditador a voar no bico de um corvo
todos os vendedores de marmelada na fronteira do Iraque
Por baixo das minhas saias - torna-se bem evidente que te amo


………………………………


III.

Sou a possibilidade –
Na minha boca os bois lavram os campos,
Deixam as marcas carolinas das suas patas
O arado escreve na minha língua uma rima de Petrarca
Em letra carolina da mais perfeita caligrafia
Mi fluorescente métrica nova
La porole ideal,
As fadas papistas de tule
Lambuzam-se de geleia e compotas
Sonhos: os mais doces, por exemplo
África partiu-se ao meio
Na minha boca África inteira
Na minha boca os bois lavram os campos
Link, link, link, link


IV.

O medo de ficar sozinha, com a deusa da fertilidade a roer-me o
Útero
Os desejos mais fundos – de um operador de gruas
A boca cheia de neve
Os cabelos a arder ao som da música – ruivos – os phones !
As nuvens do sonho são menos bonitas
Flocos de neve em Bruxelas, os anjos esquecem-se



Percorro todos os dias uma auto estrada de prata que vai
Até ao centro de ti
O prazer está em cada átomo
Em cada átomo – o universo


Os pasteleiros batem a massa em toda a Hungria
na Alta Hungria
E na Baixa Hungria
Amanhã os meninos húngaros, os mais gulosos -
os pasteleiros húngaros, os mais tristes
Olha para mim nos olhos
tenho os olhos tristes, dizias
Os mais tristes de todos


Violeta de Gand, 19-10 -2008

Nuno Brito

Lapso

Por lapso não assinei o terceiro T.P.C.-O poeta-
que acabei de enviar.

Eugénia Ascensão

O meu poeta

Como eu queria, imenso mar
que fosses o meu poeta
á noitinha te albergar
na minha casa, reles coração
roubar tuas silabas, teus sonetos
à laia de ladrãozinho
de pé descalço, maltrapilho
de ti
centelha e poente em mim
habitar o teu lugar
reter em meus devaneios
tão agre-doce fluido
como eu queria
mar, imenso mar

Eugénia Ascensão

El instante

?Dónde estarán los siglos, dónde el sueño
de espadas que los tártaros soñaron,
dónde los fuertes muros que allanaran,
dónde el Árbol de Adán y el otro Leño?
El presente está solo. La memoria
erige el tiempo. Sucesión y engaño
es la rutina del reloj. El año
no es menos vano que la vana historia.
Entre el alba y la noche hay un abismo
de agonías, de luces, de cuidados;
el rostro que se mira en los gastados
espejos de la noche no es el mismo.
El hoy fugaz es tenue y es eterno;
otro Cielo no esperes, ni otro Infierno.

Jorge Luis Borges (1899-1986)

Las Cosas

El bastón, las monedas, el llavero,
La dócil cerradura, las tardias
Notas que no leerán los pocos dias
Que me quedan, los naipes y el tablero,
Un libro y en sus páginas la ajada
Violeta, monumento de una tarde
Sin duda inolvidable y ya olvidada,
El rojo espejo occidental en que arde
Una ilusoria aurora. !Cuántas cosas,
Limas, umbrales, atlas, copas, clavos,
Nos sirven como tácitos esclavos,
Ciegas y extrañamente sigilosas!
Durarán más allá de nuestro olvido;
No sabrán nunca que nos hemos ido.

Jorge Luis Borges (1899-1986)

Mensagem de uma adolescente

Sempre mostrei que a vida exultava,
que dela era a mais fiel, dedicada amiga,
tal facto e respeito jamais eu escondi,
pois que ter tal gosto nada ensombrava!...

Com coerência assim continuo a crer,
apesar do afastamento ora existente,
mas festejo minhas 21 primaveras
e o passado impõe-me este enternecer!...

Sabia não ter alternativa à proibição
desenfreada, a meu esplendoroso amor,
até que fosse adulta e autónoma,
para então seguir minha vontade, com ambição!

Obsoletas regras e espartilhos familiares,
com prepotência e restrições à mistura,
fizeram-me abandonar meu grande amor,
que a doença prevaleceu, graves esgares!

O destino a passo se constrói, a mim pertence,
por muita dor d' alma que possa causar,
a arrogância, o egoísmo serão derrubados,
dos ascendentes o despotismo assim se vence!

Dolorosamente já tive qu' enfrentar,
barreiras tantas quase intransponíveis,
galguei escarpas e rochedos pontiagudos,
para seguir em frente sem claudicar!

Enfrento uma luta tenazmente,
para transmitir aos jovens um liberalismo
repleto de respeito e autocrítica,
que permita confronto de ideias, apaixonadamente!

Permito agora lembrar que a amizade
deve permanecer entre humanos de vanguarda,
defendendo a autenticidade dos princípios
E eliminando toda a mediocridade!

Obviamente o futuro dará recompensas,
a quem se prontificou a uma sociabilidade,
a quem se exigiu respeito e fiabilidade,
a quem buscou a paz, a suas expensas!

Não farei marcha a trás, não pararei,
Lutarei, discutirei, tentarei ser feliz,
buscarei direitos de minha maioridade,
cumprirei o Destino e o honrarei!


( com base na problemática e p. v. dolorosa confrontação entre
pais e filhos/as na transição adolescência-vida adulta. A maioridade desperta a autonomia, a criatividade, e a capacidade para decidir por si próprio/a, para tornar possivel construir liberdade em responsabilidade).

Daniel Faria

Do ciclo das intempéries

1
Sabes, leitor, que estamos ambos na mesma página
E aproveito o facto de teres chegado agora
Para te explicar como vejo o crescer de uma magnólia.
A magnólia cresce na terra que pisas — podes pensar
Que te digo alguma coisa não necessária, mas podia ter-te dito, acredita
Que a magnólia te cresce como um livro entre as mãos. Ou melhor,
Que a magnólia — e essa é a verdade — cresce sempre
Apesar de nós.
Esta raiz para a palavra que ela lançou no poema
Pode bem significar que no ramo que ficar desse lado
A flor que se abrir é já um pouco de ti.
E a flor que te estendo,
Mesmo que a recuses
Nunca a poderei conhecer, nem jamais, por muito que a ame,
A colherei.

A magnólia estende contra a minha escrita a tua sombra
E eu toco na sombra da magnólia como se pegasse na tua mão

2
Quero dizer-te que esta magnólia não é a magnólia
Do poema de Luiza Neto Jorge que nunca veio
A minha casa - ela própria dava flor
Ela riscava nas folhas
Ela era grande mesmo quando a magnólia não crescia

Esta magnólia não é como a dela uma magnólia pronunciada
É uma magnólia de verdade a todo o redor - maior
E mais bonita do que a palavra

Dos Líquidos

Deste conjunto de poemas fazem parte 8, todos sobre as magnólias. É muito interessante o segundo, que está em diálogo directo com o da LNJ e que, aliás, ilumina a sua interpretação.

Um e-mail para um Amigo

Caro José,

Como me pediste e te prometi, aqui estou a dar-te, notícias nossas.
Gostei muito de saber que estás bem e o teu trabalho, aí, no Canadá, é interessante e muito bem pago! Aqui, é o sufoco do costume e que te fez ir para outras paragens.
Já tenho pensado se não seria boa ideia sair deste país cada vez mais pobre e decadente! Estou a ficar farto, José!
Continuas impressionado com as miúdas canadianas? Pelo que me contaste, são giras, loiras mas espertas, desempoeiradas e... gostosas( palavra tua!)! E, tu lá sabes!
Qualquer dia, dou uma escapadela e vou visitar-te. Talvez vá sozinho, o que até nem seria de todo mau, porque a Marina não deve poder ir. Ela é, como sabes, uma mulher muito ocupada, tão activa que, às vezes, quando, de manhã, me diz o que tem para fazer, durante o dia, fico tão cansado que me apetece ir dormir, outra vez!
Ela continua a advogar, dá aulas na faculdade, em Coimbra, aprende Alemão e já se desenrasca muito bem, aperfeiçoa o Inglês que já está mais do que aperfeiçoado, faz yoga, vai ao ginásio e... leva a cadela à escola!
Não te rias José, é assim mesmo!
Lembras-te da cadela que, como tu dizias, era tratada como um bebé? Agora cresceu e vai... à escola !
Já tive de ir também a uma aula, imagina, mas não tenho jeito nenhum e ainda estava mais nervoso do que a "cadela-aluna"!
Alguns maduros e maduras, diga-se, que também levam os cães à escola, aprender, ainda não percebi o quê, organizam passeios e festejam os anos dos bichos, com bolo, champanhe e tudo! Tremo só de pensar o que me aguarda em Fevereiro, quando a canina cá de casa fizer anos! Talvez aproveite e vá ter contigo, que dizes?
A Marina foi há pouco buscar mais uma cadela a um abrigo de cães abandonados. Foi um gesto bonito que até me comoveu!
A cadela que escolheu é muito meiga, agradecida e sossegada. Não vai (ainda) à escola, não está estragada de mimo e até gosto dela!
O pior é que agora é mais uma a dormir no quarto connosco. Esta dorme do meu lado,
no tapete e eu já ía dando um tombo monumental, uma noite, porque me esqueci dela e tropecei miseravelmente! É muito jardim zoológico para mim,Zé!
A mulher da minha vida, quis fazer de mim, jardineiro. Comprou umas plantas e indicou-me onde as queria plantadas, enquanto ía com a cadela-princesa à escola. Fiz o meu melhor mas, pelos vistos, troquei-as todas. Para crescerem mais depressa e mais fortes, pus bastante adubo na raíz. Morreram todas e... a Marina passou-se!!
Ela diz que estou a ficar rezingão e peguilhento! Será, José?
Adoro a Marina.Ela é a mulher que quero a meu lado, muito bonita, inteligente, moderna, independente e activa, como aliás, e tu sabes, aprecio! Mas, amigo, tanta actividade, também é demais!
Temos dias que nos vemos de fugida e quase não conversamos.
Eu, por muito tarde que venha para casa, chego quase sempre primeiro. Aborrece-me chegar e a casa estar ainda fechada e às escuras, com a cadela aos saltos para ir ao jardim. A outra fica sempre lá fora, durante o dia! Há aqui uma certa hierarquia canina, que não me agrada. Mas, enfim...
Jantamos fora ou, mandamos vir a refeição de fora, quer dizer, mando vir a minha refeição de fora, porque a Marina come saladas e fruta. Nem sei como ainda não está às cores, com tanta fruta e salada! Mas, lá que tem uma figura gostosa, como tu dizes das canadianas, isso tem!
Ao Domingo, como nos levantamos tarde, praticamente não se come! Comida de panela, percebes?
E, que saudades eu tenho do bom assado de Domingo, do leite creme, do pudim! E, como eu gostava de chegar a casa, estafado e ter a receber-me, uma casa quente e iluminada, e aquele cheiro bom da comida caseira, apetitosa! E, a Marina serena e sem ter mais uma "coisinha" para estudar ou um "desgraçado" trabalho para acabar, num stress tão grande que, além de esganado de fome, fico também stressado!
Isto, José é só um desabafo, Amigo! Que só posso ter contigo!
Mudando de assunto, que me dizes da nossa selecção? Na minha opinião é um completo desastre! Os gajos parecem umas meninas melindrosas a jogarem de salto alto e saia travada! Parecem umas frágeis gueixas, a arrastarem-se, pelo campo, com passinhos suaves e curtos!
O jogo com a Albânia foi uma vergonha! Ainda não estou em mim! Os jogadores ganham balúrdios mas não vestem a camisola, nem comem a relva! Assim não vamos a lado nenhum!
O nosso Porto é que nos vai dando alegrias e a taça vai ser nossa, outra vez, tu vais ver!
É o FCP do nosso contentamento, José!
Por aqui, têm aparecido uns restaurantes novos, muito simpáticos e uns pubs óptimos para bebermos um copo e conversarmos pela noite fora, quando vieres cá passar uns dias, ao nosso burgo.
Vou terminar por hoje. Cuida-te, diverte-te e namora muito!
Mas, primeiro, certifica-te se a miúda tem cães e jardim. Se tiver, , nem que seja só uma dessas coisas, dá o salto, José! Olha que corres o risco de dormires tu, no tapete e o cão ou a cadela, na cama, com a garota gostosa,(palavra tua!)e teres de plantar florzinhas, no jardim, ao Sábado à tarde!
Quem te avisa...
Um forte abraço, do amigo,

Francisco.


Nota: Receio que este não seja o tipo de texto, politicamente correcto, para figurar num blog, tão bonito e de tanta qualidade, dedicado à Poesia. Se assim for, peço muita desculpa mas, decidi que este 4º e último trabalho de casa deveria ter um registo diferente, deveria ser mais leve, mais descontraído e até mesmo, um bocadinho divertido! Texto mais sério, talvez amanhã!
A verdade, meus queridos Amigos, é que este Francisco que agora vos "fala" se divertiu muito a escrever este e-mail e tem uma tendência danada para ser politicamente incorrecto e... desalinhado!

Maria Celeste Carvalho

A minha bata amarela

Tenho uma bata amarela
Com dois bolsos
Pregados
Que visto no hospital.
Neles, guardo ternura
Sorrisos
Palavras
Afagos
E suaves mentiras
Daquelas, que não fazem mal!

Pressinto e prendo nas mãos
Muitas horas
Sofridas
As dúvidas
Restos de fé perdida
Pedacinhos, esfarrapados
De Esperança,
Tristes lágrimas incontidas!
Mas, ainda mais do que a dor,
Guardo nas minhas mãos
O susto
O desespero
O pânico
E, um imenso terror!

Lá fora, brilha o sol...
Há risos, vozes no ar
Muita alegria
Na praça!
É a vida a brotar
Apaziguada
Liberta
Apressada
Na gente sadia
Que passa!

Lá dentro, rostos velhos
Rostos jovens
Pálidos, esquálidos
Corpos ardentes de febre
Lábios secos
Cansados
Sem cor
Dizem-me como em oração:
" Deus é grande!"
" Deus é Pai!"
E, fixam os olhos nos meus
À espera que eu diga:" Sim!"
" Estou melhor, hoje, não estou?"
E,fixam os olhos nos meus
Inquietos, ainda à espera,
Agora, à espera de mim!

Então, muito de mansinho
os meus dedos esguios
Trémulos
Desajeitados
Gelados
Tiram de um dos bolsos
Pregados
Da minha bata amarela
Que visto no hospital,
Uma suave mentira
Daquelas, que não fazem mal!

Quando a doença é feroz
E me estendem a mão
Transparente
Emaciada
Suada
Que eu aperto nas minhas
Sinto e cheiro,
Impotente
Agoniada
Ansiosa
E aterrada
A estranha vibração
Da Morte que já fareja
Faminta
Gulosa
Excitada
E, ronda no hospital!

Quem me vê, vê-me serena
Naquele momento supremo.
Mas, dentro, num grito
Mudo
Angustiado
Perdido,
A minha alma explode
E, esgotada
Incapaz,
Chora
Clama
E pergunta:
" Porquê tanto sofrimento?
Se existes,
Deus,
Onde estás?"

Maria Celeste Carvalho

Porto - Prós e contras

Ouvi-os falar
da cidade das memórias,
das ruas desertas
na neblina seca dos pós.
Dos desencantos,
dos turistas,
das obras sem alma,
do Porto, da Ribeira,
do casario;
cascata sem voz!

Eruditos da forma,
conversa fácil,
brilhantinas!

Desligo o som...
no movimento de guelras
afogam-se;
falsos de olhar ausente!

Apago a luz
não há pirilampos!

Adormeço...
ruído de acepipes
colarinhos brancos.

Fim de programa,
desfile de notáveis!

Sonho...
pendurado nas gravatas
invertidas,
no azul de Magritte,
falam...falam...falam...

Corto...
caem no abismo,
fica limpo o céu
nada se perdeu!

deve andar perdido por aí...

Mil anos
ultimos dias e restos
baleias esculpidas
feitas de marfim
cenas, desenhos de caçadas
um livro aberto
laminas partidas
como marcação de imagem

Eugénia Ascenção