segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Borboleta

Rompeu o seu casulo
O bicho feio e esponjoso
Esvoaça de flor em flor
Bate as asas sem parar
Esquece toda a sua dor.
É colorido o vestido
E um sorriso traz em si
Um bicho tornar-se mais belo
Eu juro que nunca vi.
Esvoaça, flutua, ondula,
Saltita, crepita, volteia
Com elegância e leveza
Vai espalhando pelo campo
Suas cores, sua beleza.
Desenha linhas direitas
E outras mais sinuosas
Só eu posso vê-las riscadas
No céu azul que a acolhe
Como vidas desenhadas
Mais simples ou tortuosas.
E asas assim tão leves
Como essa borboleta
Queria eu ter para mim
P’ra voar tão leve e solta
Na frescura da violeta
Das papoilas, do jasmim.

Elza

Levitação

Ar
Excesso de ar
Ossos- de- ar

Elefante de rio,
Leve, recente elo, próxima linhagem
De aves sem penas, terríveis, ocas.

Ar
Libertar
Calor, pele e ar

Primo de ave, nova pele percorre interior.
Invadida de ar. Isoladamente.
Artigo próximo: restos.


Maria Teresa Ribeiro

Três mil anos

Desenhos de caçadas
Cenas esculpidas
Restos de baleias

Artefactos de marfim
Lâminas partidas feitas de pedra
Como um livro aberto

É a imagem…
Dos últimos dias.

Maria Teresa Ribeiro

Carlos, indo e vindo de Julieta.

Estendido no sofá, cansado, escondo-me por detrás do jornal, enquanto te observo secretamente por entre o virar de uma página e outra. És minha, desde aquele dia em que trocámos juras de amor, e, no entanto, pareces tão distante. É quando mais te quero, mais te desejo, e não te posso ter. Não estás disponível e ditas as horas e os momentos em que me podes acolher, por fim, dentro de ti. Da tua alma, se é que ainda o consigo fazer. Do teu corpo, que ainda aprecio e desejo. Disfarço o saborear de um cigarro, e observo-te, enquanto vagueias. Perdes-te numa nuvem de fumo, temperada, na cozinha. Preparas com amor de mãe essa merenda para quem agora afagas os caracóis. Divides pilhas de roupa em montes imaginários que só tu sabes catalogar e tudo à tua volta parece brilhar e organizar-se. Aprecio-te o contorno do peito quando te inclinas para apanhar um brinquedo esquecido e cresce em mim a dor de não te ter. Mas ainda não tenho. Agora vens tu. Despes o vestido e, cada vez mais inquieto, vejo-te passar o creme pelo corpo delicado. Estremeço. Mas não te posso tocar. Ainda não. Estou há horas a desejar unir-me a ti, sentir que és só minha e continuo à espera. Neste momento, sou totalmente dependente de ti, e tu sabe-lo. Sabes que te desejo mais do que tudo, que não sou livre, que não aguento mais porque quero ter-te, agora, já. E eis que chega o momento em que reparas em mim e avanças, morna, como se tudo em ti estivesse programado, e eu aqui a morrer de desejo há tantas horas. Perco-me em ti. Como das outras vezes. E agora respiro fundo. Tenho o corpo saciado. Aninhas-te em mim e pareces outra. Vulnerável, meiga, sem regras nem ordem, minha. Só minha. Mas é agora que, enquanto tentas adormecer encolhida nos meus braços, já me sinto liberto de ti. Tenho o corpo tranquilo e a alma a fervilhar. Deixo-te adormecida, delicada e já tão apaixonada por mim, sob a alvura dos lençóis, e corro a espreitar a janela e as mil luzes da noite que se acendem lá fora. Afinal, desencontrámo-nos. Sinto-me como que numa prisão. Agora que és minha, já não te quero ter. Já não te desejo mais. Terei algum dia coragem de desatar este nó que demos juntos numa vida sem sentido? Num impulso incontrolável, visto-me, agarro o casaco e desço. Não sei mais quem sou eu, quem és tu, quem somos nós. Apanho o vento frio no rosto que me gela e já não penso em ti. Só quero perder-me na noite escura.

Carlos, indo e vindo de Julieta.

A forma do desejo

Olho o teu corpo. Respiro o teu corpo no meu ar. Os meus pulmões inundados de ti. O meu sangue a bombear-me a carne da tua visão. Rompe-me de desejo a pele. A erecção dos meus sentidos no êxtase do teu ombro nu. O decote suave a desenhar-te as curvas onde perco a lucidez. Num misto de hipnose e embriaguez de desejo fecho os olhos. Imagino-te nua em mim. Violo a tua brancura em pensamento. Violo a tua brandura em pensamento. Abraço com força a tua fragilidade. Imponho-te a minha protecção e roubo-te beijos dos teus lábios doces, vermelhos e lisos. Mordo-os. Respiro-te. Penetro o teu templo e resgato-te a mente, a alma e liberdade. Tenho-te por instantes. Possuo-te mesmo que não me olhes do outro lado do café. Possuo-te mesmo sem despires o vestido que te desce do ombro. Peço um café enquanto sais. Magoa-me a erecção nas calças justas. Magoa-me não te ter.

Ao senhor Côrtes-Rodrigues


Passo no mundo a vivê-lo,
Passo no mundo a senti-lo,
E esta côr do meu cabello
É o vê-lo e possuí-lo.

Passo no mundo a sonhá-lo,
Numa forma de vivê-lo,
E o meu sentido d'olhá-lo
É o sentido de vê-lo.


Só em Mim me concretiso,
E o Sonho da minha vida
Nesse Sonho o realiso.


E sempre de Mim Presente,
Todo o Meu Ser se limita
Em Eu Me Ser Realmente.

Junho, 1915.
Violante de Cysneiros in Orpheu 2

Segundo texto de Violeta de Gand

I.

A embriaguez do corpo,
A embriaguez dos gestos,
Mãos entrelaçadas, braços pernas…
Adoro quando te vens dentro de mim
Adoro quando ficas e explodes dentro de mim!


II.

Sylvia Plath liga o forno
Mussolini gesticula violentamente
Ainda depois da delapidação?
link link link link …



III.

Um finíssimo fio de gelo sobe e desce pela espinha dorsal dos paralíticos
Está revestido a seda e por ele circula informação muito secreta
Faz com que os homens não caiam
percorres-me a espinha - por dentro



Violeta de Gand, 2008

Exercício 4

“Que bom deixar-me estar na oscilação discreta
Que nasce do teu corpo e me transporta
A essa embriaguez chamada rima”
António Franco Alexandre


Fui ao teatro naquela rua estreita
sentar-me na cadeira à larga à tua frente
Tinham-me dito que vista de perto é que eras
Liguei os projectores e o som da tua imagem
e instalei-os nos meus sentidos
sem maquinaria de cena só sinestesias

O teu aparelho fonador bailarinava graciosamente
enquanto eu me expandia em exaltação
Vi então a primeira gotícula de suor a insinuar-se na tua fonte
e esvaí-me em sede
Os teus dentes brandos desejavam-me
só podiam desejar-me porque li-os
E os lábios? Ah… nus escorrendo brilho
Reparei depois no teu cabelo –
ondas de um qualquer mar cheio de cheiro
Nasciam na cabeça a foz era no peito
vale de brancura firme e deleitosa
Pus-te nua sem o teu consentimento
enquanto enrijecia de um gozo vindo do centro

A tua voz de diva tenra a masturbar-me sem mãos
até aos aplausos… até ao fim dos aplausos
(Terei de voltar noutro dia
Sentar-me na mesma cadeira
E concluir-te a dramaturgia)

Jacques, o espectador

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O blogue está a atingir os mil visitantes. Considerando que esse número tem um certo simbolismo acho boa ideia realizar qualquer forma de celebração, poética ou não - Tal como dizia João Cravinho - A Corrupção está boa e recomenda-se - O nosso Blogue também está bom e recomenda-se!

Falei com a Auxília e a Raquel, achamos que era bom organizar um jantar depois de quarta, porque quarta é a última sessão. Lanço o tema e na próxima sessão falamos.