segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Lumes Vivos

Deslarga-me...
deixa-me respirar outros perfumes
sem enjoos de almas gémeas,
livros mesmos, poemas vários,
gestos iguais, horas certas,
campainhas de madrugada
recolhendo escamas, restos de pele,
fios claros de sol e cor de ébano,
genéticas de setas e cruzes
nos símbolos dos mesmos quadros negros
em gritos de giz!


Deslarga-me...
fecha os olhos num instante,
abre horizontes, outras praias,
outro mar,
afoga-te na onda, nas espumas
da revolta,
reincide no sonho,
desflora sinfonias,
desmaia em pedaços no chão,
abraça basaltos na calçada,
respira o sentir das pedras,
reanima, oxigena-te,
deslumbra-te de evidências,
atmosferas perdidas...
presentes!


Deslarga-me...
de amor que atormenta
em golpes de cutelo
nas cadeias ferrugentas
de memórias,
afasta as quadrículas
de grades,
insulta-me de lágrimas,
arrasa-me de dor,
dança de palavras duras.
enrola-te dentro de ti
nas gotas de sal
em quedas de cataratas,
alargando círculos
de infinito.
Solta as amarras dos lençóis,
descobre-te,
e larga-te
de asas abertas
engolindo nuvens,
amigando aves de vistas
laterais,
rasga os céus
atraindo borboletas,
sem nortes, sem as vozes
cardeais,
mesmo sem vestes
desaperta esses botões...

E larga-te
para que se cruzem os fumos,
os espíritos da mudança,
ao som dos búzios,
num sono justo de ombros
omissos.
para que se soltem
âncoras de lentes,
recolhendo sóis,
lumes vivos
cruzando almas...

E larga-te...

Deslarga-me...

Abraça-me!




Neste poema quis ser dual, num discurso duplo de sentido... dele...dela...de emoções!

POESIA IN PROGRESS

Sessão de Poesia dedicada a Jorge de Sena - Quinta feira, 30 de Outubro de 2008 - 21:30 Café Progresso

Aqui fica o texto do 4º Trabalho de casa, expurgado de estereótipos

Porto, 21 de Outubro de 2008
Olá! Boa noite!

A minha gratidão pela confiança que em mim depositaste: abriste-me os alçapões da tua alma e entreabriste-me o universo das tuas preocupações.
Não sei se alguma vez pensaste nisto, mas eu julgo que a partilha harmoniosa dos corpos depende, essencialmente, do verdadeiro amor mútuo. Quando há, no nosso quotidiano, a necessidade de não facultar ao outro as ilhas da nossa alma, isso pode significar o crescimento da distância entre os que se amam. É verdade que o tempo inscreve nas almas dos amantes a cor da monotonia e as suas resistências. E que, se se não estiver atento, provoca erosão nos sentimentos como o vento sibilino nas rochas mais duras. O tempo não é, todavia, o maior carrasco do amor e das relações interpessoais. As pessoas escondem debaixo do amor incompreensões e egoísmos que não sabem controlar. E vivem atormentadas e atormentam os que amam, porque não conseguem superar esses pequenos nadas que se vão agigantando, dia após dia, a infernizar a sua vida e a dos outros. Com o medo de perderem a partilha, engavinham-se no outro e não o deixam respirar em plena liberdade. Sufocado, o outro começa a criar a distância, e o silêncio cresce. E, ao amor, as palavras são importantes! A linguagem não transparece o amor na sua essencialidade, mas está lá, bem no seu interior: nos gestos, no olhar, nas mãos, nos lábios, nos corpos acesos, linguagens que dizem, tacitamente, os sentimentos mais profundos e os mais humanos.
As mulheres entendem o amor como uma contínua paixão. Não o compreendem senão como constante ardor do corpo e da alma. Não entendem que a paixão seja efémera devido à sua intensidade e ao desgaste que provoca. A paixão não conhece as fronteiras do tempo. A paixão confunde o dia e a noite. Não é má, a paixão! A paixão é boa. Mas não há espírito nem corpo que comporte a paixão ao longo de toda a vida. A paixão oferece-nos a morte múltipla, muitas vezes. A paixão não dá espaço para viver, sossegadamente. O sossego e a calma são-nos oferecidos pelo amor. Porque o amor é a paz. E os homens precisam de paz interior para uma relação estável, para a placidez do espírito. O amor contém dentro de si a vida, o companheirismo, a fraternidade, a partilha autêntica e desinteressada. O calor dos corpos é tão-só um complemento desse estado de partilha mútua, que possibilita o entrelaçamento do espírito e do corpo, para um crescimento sereno do par amoroso.
Às vezes, os homens esquecem-se também da paixão por dentro do amor. E correm desenfreadamente por outras paixões, efémeras, que, dizem, não interferem no amor que partilham. Esse, crêem, foi o escolhido e, por isso, eterniza-se por ele mesmo, não precisa de ser alimentado. Mas a paixão corrompe o amor e estilhaça o bem-estar, a serenidade que a vivência do amor exige constantemente. O amor precisa de todo o espaço espiritual dos amantes. Exige deles uma verdadeira partilha exclusiva.
Eu sei que não foi toda esta filosofia que me pediste. Mas, se calhar, eu não sou capaz de responder concretamente às tuas angústias e às tuas preocupações. O amor é como o respirar: cada um tem de saber dedilhá-lo à sua maneira. A vida depende de ambos. Por isso, cada um tem de encontrar as soluções que melhor se adaptem ao seu caso concreto. O médico não cura ninguém. Propõe caminhos que o paciente percorrerá ou não. A cura está sempre dentro de nós. O teu caso exige uma grande reflexão a dois. A harmonia tem de surgir de vós mesmos. Se não forem capazes dessa harmonia, não valerá a pena caminharem para o caos relacional. É bem melhor que cada um de vós saiba encontrar a sua harmonia, mesmo que implique a separação e a busca subsequente da harmonia individual.
Tenho a certeza de que encontrarás a melhor das soluções. Deixo-te um solidário abraço de muita amizade, e fico à tua inteira disposição.

(José Almeida da Silva)