sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Quentes mercúrios

Tlim-Tlão!

Bigorna metálica, ferraduras virgens em brasa
nos bicos de uma tenaz, atiçando o martelo
que sobe e desce cravando tachas
em golpes largos de mão!
Sinusóide de períodos, vermelhos, laranjas
verdes; semáforos de emoções, alteando
faúlhas míopes nos fumos da extinção...
retomando os pequenos espaços incertos
nessas máculas de ferros machos
que pisam, marcam... e femininos
abrem arcos, esticam as cordas das setas
dos meninos nus, espaçando ventos
nas pressas da direcção!

Tlim-Tlão!

Cavalos alados de crinas à solta
nas oficinas dos infernos, dos paraísos
dos intermédios destinos, cavalgando à vez
musselines de sonhos, quentes mercúrios!

Sobe o martelo segue a canção:

Tlim-Tlão!

esmagando os vazios avaros sentidos,
determinativos desfechos sem reticências,
silogismos, lógicas gregas sem dedução...
pílulas àureas entre dentes brancos,
barrigas ocas sem voltas torcidas,
sem tremores, Himalaias de limites...Não!

Tlim-Tlão!

Nós sim, colunas de pedras gastas, usadas,
rugas paralelas das viagens,
moldados de magmas, de lavas, dos raios
das tempestades,ressarcindo dos cílicios
das paixões, sobreviventes, navegantes,
das Atlântidas perdidas, abrindo
as guelras das pulsões...
de olhos imersos de peitos abertos
aos suplícios dos martelos
em luta, desafio...revolução!

Tlim-Tlão!

Palavras

Trago apenas palavras semeadas nestes versos
São estruturas faladas por dentro do carmesim
Com que tu pintas a vida e constróis os universos
Da tristeza ou da alegria com que tu passas por mim.

As palavras são tão simples como os gestos que te vi,
Mas a vida que viveram renasce a todo o momento
Na bonança e no tormento do mar do conhecimento
Que em ti se constitui e que longe eu descobri.

As palavras que dormiam sonhando no dicionário
São as mesmas que te trago, agora despenteadas
Porém já bem acordadas para outro abecedário
E certas do que sonharam trazem novas caminhadas

De terras desconhecidas, universos encantados
Que os ventos lhes legaram lá no sul e lá no norte:
E são histórias de encantar as vidas desencantadas
E são sonho e são vida para combater a morte.

Trago palavras avulsas que de tão inusitadas
Tecem teias e toalhas e lenços de puro linho
Em que se inscrevem as vozes e o puro desalinho
(riso e choro e sentimento, e emoção magoada).

Em pensamento claro, em linguagem lavada,
Trago palavras em fio para teceres a meada.
2008.10.31

José Almeida da Silva

Reflexão

Hoje fui com uns poucos (Liliana, Elza, Nuno e Raquel) ao café progresso, ouvir declamação de poesia de Jorge de Sena. Fomos brindados com uma hora de atraso e uma introdução googleana à poesia do dito autor. Quando eu pensei que não podia piorar, ouço uma voz orgástica a declamar - diria melhor, a esfrangalhar - um poema. A pachorra não aguentou e pouco depois viemo-nos embora.

Falo disto aqui agora e aqui porque já não é a primeira vez que vou a este tipo de tertúlias e encontro, da parte de quem declama, uma certa pedantice de pseudo intelectual que me dá uma certa urticária. Como se se julgassem o centro do mundo, a classe pensante da sociedade.

Nestes momentos, vem-me à memória o que uma vez alguém me disse: que aqueles que escrevem sem terem qualquer tipo de formação superior na área da Literatura acabam tornando-se mais humildes, escudando-se assim da sua (suposta) ignorância. Como todas as generalizações, contém a sua margem de erro e espaço para excepções (a Ana, por exemplo). E dei por mim a agradecer baixinho, no meio dos berros da personagem, o ter-vos conhecido. Porque somos humildes, despretensiosos, sem malícia ou falsos pudores; porque temos a coragem de mostrar a nossa intimidade na poesia e a boa vontade de criticar o trabalho dos outros. no fundo, por sermos pessoas com um enorme respeito e amor à poesia, um amor simples, que não se reveste de trejeitos ou cigarros de angulo recto na mão.

Um bem haja a nós, companheiros de viagem, de descobrimento, de partilha.