sábado, 8 de novembro de 2008

Um poema de que gosto

Hoje recolhi numa 1ª edição de 1944 este poema de Miguel Tora que quero partilhar convosco:

VOZ

Era uma voz que doía,
Mas ensinava.
Descobria,
Mal o seu timbre se ouvia
No silêncio que escutava.

Paraísos, não havia.
Purgatórios, não mostrava.
Limbos, sim, é que dizia
Que os sentia,
Pesados de covardia,
Lá na terra onde morava.

E morava neste mundo
Aquela voz.
Morava mesmo no fundo
Dum poço dentro de nós.

Miguel Torga " Libertação "

Um outro olhar...(1)

Nota Prévia - Vários colegas do "marpareceazeite" têm partilhado, e muito bem, a sua poesia, os seus momentos de inspiração. Penso mesmo que este é um caminho muito interessante que nos poderá ajudar a continuar a alimentar a partilha neste blogue. Esta ideia de "publiquem-se", "mostrem-se", de que falamos em algumas sessões... é um passo interessante... sobretudo para quem guarda tanta coisa há tanto tempo na gaveta...
Assim, vou também dar esse passo, tantas vezes adiado... e começar por explicar em síntese a origem deste meu projecto que intitulei de "um outro olhar"...
Numas férias, há bastante tempo, comecei por fazer pequenas construções (esculturas??) com "pedaços da natureza" que se cruzavam comigo (madeira, pedras, conchas, troncos... pedaços da natureza trazidos pelo mar ou encontrados numa qualquer mata). Certo dia, olhando para cada uma dessas construções (esculturas??), comecei a escrever pequenos textos (poesia??)... e assim nasceu este projecto com pedaços de natureza e palavras que fui juntando.
No nosso workshop fizemos poesia com base em palavras, textos, inspiração do momento.... eu faço os meus pequenos textos inspirado por pedaços de natureza que juntei. Vou então começar (devagarinho) a mostrar-vos alguns (tenho vinte e tal) desses pedaços de natureza e palavras que estavam soltos e dispersos... e um dia ganharam uma nova vida...

Este é o texto de abertura...

“um outro olhar...”

palavras e coisas que estavam soltas... dispersas
todas elas lindas... mas todas elas sós
tristemente sós… à espera de um outro olhar

começaram a juntar-se
ganharam uma nova vida
e tudo começou a fazer mais sentido

as palavras... as coisas... nós... todos nós
fazemos mais sentido quando estamos juntos
depois de estarmos sós... soltos... e dispersos


E este é o segundo texto, ainda antes das construções...

"imperfeitas e desordenadas... mas juntas...”

não faço métricas, simplesmente porque não sei fazer métricas
e se quando escrevo, naturalmente, não saem métricas
então é porque as métricas não têm nada a ver com o que eu sinto

ligar ar com mar, amor com dor... até que é fácil
será?
mas não é isso que eu quero dizer
(por isso os meus textos são tão desordenados)
nem é isso que eu quero fazer
(daí fazer construções tão imperfeitas)

que importam as assimetrias e as imperfeições?
o importante são as palavras e as coisas que estavam soltas e dispersas
e agora estão juntas... imperfeitas e desordenadas... mas juntas

(não será também o mundo, sobretudo ele, tão imperfeito e desordenado?)

Nuno CA (o "outro" Nuno)