sábado, 31 de outubro de 2009

Annabell Lee






Virginia Clemm a suposta Annabel Lee (esposa de Poe casou com apenas 13 anos e desapareceu aos 22 vítima de doença). este poema foi escrito em 1849 no ano da morte do poeta e é talvez a seguir ao " The Raven " " O Corvo" o mais conhecido do autor.


ANNABEL LEE
(de Edgar Allan Poe)

Foi há muitos e muitos anos já,
Num reino de ao pé do mar.
Como sabeis todos, vivia lá
Aquela que eu soube amar;
E vivia sem outro pensamento
Que amar-me e eu a adorar.

Eu era criança e ela era criança,
Neste reino ao pé do mar;
Mas o nosso amor era mais que amor --
O meu e o dela a amar;
Um amor que os anjos do céu vieram
a ambos nós invejar.

E foi esta a razão por que, há muitos anos,
Neste reino ao pé do mar,
Um vento saiu duma nuvem, gelando
A linda que eu soube amar;
E o seu parente fidalgo veio
De longe a me a tirar,
Para a fechar num sepulcro
Neste reino ao pé do mar.

E os anjos, menos felizes no céu,
Ainda a nos invejar...
Sim, foi essa a razão (como sabem todos,
Neste reino ao pé do mar)
Que o vento saiu da nuvem de noite
Gelando e matando a que eu soube amar.

Mas o nosso amor era mais que o amor
De muitos mais velhos a amar,
De muitos de mais meditar,
E nem os anjos do céu lá em cima,
Nem demônios debaixo do mar
Poderão separar a minha alma da alma
Da linda que eu soube amar.

Porque os luares tristonhos só me trazem sonhos
Da linda que eu soube amar;
E as estrelas nos ares só me lembram olhares
Da linda que eu soube amar;
E assim 'stou deitado toda a noite ao lado
Do meu anjo, meu anjo, meu sonho e meu fado,
No sepulcro ao pé do mar,
Ao pé do murmúrio do mar.


(tradução de Fernando Pessoa)



ANNABEL LEE
(by Edgar Allan Poe)


It was many and many a year ago,
In a kingdom by the sea,
That a maiden there lived whom you may know
By the name of Annabel Lee;
And this maiden she lived with no other thought
Than to love and be loved by me.
I was a child and she was a child,
In this kingdom by the sea;
But we loved with a love that was more than love-
I and my Annabel Lee;
With a love that the winged seraphs of heaven
Coveted her and me.

And this was the reason that, long ago,
In this kingdom by the sea,
A wind blew out of a cloud, chilling
My beautiful Annabel Lee;
So that her highborn kinsman came
And bore her away from me,
To shut her up in a sepulchre
In this kingdom by the sea.

The angels, not half so happy in heaven,
Went envying her and me-
Yes!- that was the reason (as all men know, In this kingdom by the sea)
That the wind came out of the cloud by night,
Chilling and killing my Annabel Lee.

But our love it was stronger by far than the love
Of those who were older than we-
Of many far wiser than we-
And neither the angels in heaven above,
Nor the demons down under the sea,
Can ever dissever my soul from the soul
Of the beautiful Annabel Lee.

For the moon never beams without bringing me dreams
Of the beautiful Annabel Lee;
And the stars never rise but I feel the bright eyes
Of the beautiful Annabel Lee;
And so,all the night-tide, I lie down by the side
Of my darling, my darling, my life and my bride,
In the sepulchre there by the sea,
In her tomb by the sounding sea.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Poema,
oferenda a cadência,
num andar,
e leva um pormenor!

Se fosse um intervalo (III)


Palácio de Cristal (retirado na internet do blog a "as margens do rio")


vai quente o outubro
ainda há dias mudou a hora
mais curta a tarde e desce a noite.
na oblíqua rua de viterbo
de um lado o muro do palácio
do outro "catterpillar" de lagartas
as feridas abertas de um ex-castelo.
o túnel de entrada dos carros
não é belo como os longos intervalos
que furam os alpes altos de itália.
pequenos reduzidos no tamanho os carros
corrida de esquilos numa árvore deitada;
ali nos dedos do céu os olhos entram
no ventre aceso de faróis errantes demoram
perdem a legitimidade da luz até ao foco
o grande monóculo de mil metros de claridade.

mas divago enquanto coloco o carro
nos dois traços brancos de um chão cinzento.
seis e vinte de uma tarde no palácio.
na saída tendas de plástico mole
recebem nas relvas sintéticas e bonecos
de um "subutteo" gigante em exposição;
a antiga loucura depois de fátima amália
um remédio sem papoilas o ópio do futebol.
um circo sem sentido quando ali
um hectare irónico de árvores científicas
nas etiquetas "are-are-are-milenare".
há um riso de aves raras na penumbra
um eco distante de patins no cogumelo
de marte que acentua a saudade da nave
a comprida nave antiga de muitos vidros
a grande estufa onde ensombravam as sombrinhas
as vassouras de rendas dos vestidos os botões
de calças apertadas nos sapatos reflexivos
as bengalas de girafas as cartolas de coelhos
de uma alice que não entra nesta história.

mas divago. era tarde. quarta-feira.
neste dia passei a grande ala verde
com vontade de subir às árvores
lá em cima vestir um fecho éclair de penas
e ser um mocho para toda a noite
preso aos ramos na música do vento;
umas teclas de maria joão pires
schubert chopin; adiou o concerto
doente vai ficar bem talvez fevereiro.
ridículo! sou um mocho apenas escuto
quieto e redondo lá no meio do ramo
que é fino e depois alarga encosta ao tronco.

mas divago e não sou mocho que vida parada.
corro apressado de calças pretas
casaco de veludo azul; gosto dele
a cor de uma noite alentejana.
não sei porquê estas portas tão pesadas
esta prática esforçada de halteres.
logo à entrada a mostra finlandesa
arte curiosa devo visitar observo
apenas um minuto e desço a escada:

hoje 28 de outubro quarta-feira
Ana Luísa Amaral apresenta

"se fosse um intervalo"

sento-me atento e leio
sem reticências
não divago-

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Rotações Perfeitas

Em jeito de desculpa publica por não ter podido ir ao lançamento do livro da Ana Luísa, aqui fica um dos meus poemas favoritos:

Rotações Perfeitas

Se me pedisses de repente e aqui:
“fala das luas e dos dias ”, eu
nem falaria, diria só que estar contigo
é estar-me:
oficio de tanto tempo,
e natural,
ajustado como pequeno girassol,
ao sul: uma paisagem

Nem saberia por onde começar:
Se no olhar, se na palavra,
Ou se no teu sorriso
Que me devastou s equilíbrio do igual

Não sei, meu amor,
Como entender este pequeno girassol,
Explicar-lhe o movimento certo,
A rotação completa e tão
Perfeita,
As folhas muito verdes
De tal filigrana delicada
Sobretudo, este teu hino
Em direcção a tudo

e já nem sei falá-lo,
porque lhe basta o tempo, e esse
- sem palavras

Ana Luísa Amaral in Se fosse um intervalo (pg 73)

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

eis

eis
os novos guerreiros
a proteger os vivos
da fragilidade humana

eis
os novos organismos
a viver para além
do entender humano

é alvo sobreviver
é prémio sobreviver

eis
os novos cientistas
de uma luta incurável
de uma vida anunciada

vestem a pele de Deus
em busca de um código
em busca da imortalidade

Clara Oliveira

amo-te

amo-te
o dia nasce
com ele...tu

luz de mulher
em pele de leite

sonho de mulher
sempre presente

mãe de mulher
minha semente

submissa mulher
sou rei sempre

nasce o dia
tu...com ele


desejo-te
a noite cai
com ela...tu

cristal de fêmea
em pêlo queimar

potro de fêmea
teu lombo montar

cio de fêmea
minha fome matar

orgulhosa fêmea
altivo olhar

cai a noite
tu...com ela



pudera
numa só
as duas



Clara Oliveira

Se fosse um intervalo



É já hoje, quarta-feira, pelas 18,30.
Na Biblioteca Almeida Garrett (Palácio de Cristal – Porto) será lançado o livro “Se fosse um intervalo” da Ana Luísa.
Todos os que puderem estar presentes serão bem-vindos.

CONSTELAÇÕES

Usamos todos a ilusão
de fabricar a vida:
histórias, constelações
de sons e gestos

Usamos todos a suprema glória
do amor: por generosidade
ou fantasia, ou nada, que de nada se fazem
universos

Usamos todos mil chapéus de bicos
mal recortados e de encontro
ao sol:
o nosso mais perfeito em franja e bico
e um arremedo tal e seiscentista
que ofuscando-se: o sol

Usamos todos esta condição
de pó de vento, ou de rio
sem pé: único dom de fabricar o tempo
em raiz de palmeira
ou de cipreste

Ana Luísa Amaral "Se fosse um intervalo" 2009

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Coco Chanel e Igor Stravinsky



tem a cor branca das pétalas
Coco
Chanel
e o perfume cinco de um postal
no Lafayette
os lábios vermelhos de pêndulo
em cima do piano
são grandes os dedos de Igor
em ti Coco
Chanel
sagrada primavera
e um bailado de pássaro de fogo
em ti Coco
Chanel
uma chuva de magnólias, Ela
Igor-

não te sabia assim Igor
e Nijinsky sonhou antes
os saltos das bailarinas-

domingo, 25 de outubro de 2009

CAIM

A alma içada no teu rosto
invadida de terror e sangue,
e exangue o corpo de Abel.

Em ti, Caim, se abate o céu,
e a voz de Deus.

– Por que mataste a inocência?
Errarás então por esse oriente
e serás penitente
no castigo.

– Morrerei, Senhor, onde lavrar.

– O Sol de ti: o meu sinal.

Clara Oliveira e José Almeida da Silva

Que fizeste?

Sombra de sangue
Sangue no chão
Colo de morte
Morte na mão
Ventre de vento
Lento. Por dentro
Sete vezes.

Que fizeste?

Inês e Ana Lúcia

novos tpcs.

Aqui está a etiqueta para publicarmos aqui os muitos trabalhos de casa desta semana!
Um grande beijinho e muita inspiração.
Inês Beires

sábado, 24 de outubro de 2009

Carta a meus filhos - sobre os fuzilamentos de Goya


Goya " O três de Maio " 1814

Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso.
É possível, porque tudo é possível, que ele seja
aquele que eu desejo para vós. Um simples mundo,
onde tudo tenha apenas a dificuldade que advém
de nada haver que não seja simples e natural.
Um mundo em que tudo seja permitido,
conforme o vosso gosto, o vosso anseio, o vosso prazer,
o vosso respeito pelos outros, o respeito dos outros por vós.
E é possível que não seja isto, nem seja sequer isto
o que vos interesse para viver. Tudo é possível,
ainda quando lutemos, como devemos lutar,
por quanto nos pareça a liberdade e a justiça,
ou mais que qualquer delas uma fiel
dedicação à honra de estar vivo.
Um dia sabereis que mais que a humanidade
não tem conta o número dos que pensaram assim,
amaram o seu semelhante no que ele tinha de único,
de insólito, de livre, de diferente,
e foram sacrificados, torturados, espancados,
e entregues hipocritamente â secular justiça,
para que os liquidasse «com suma piedade e sem efusão de sangue.»
Por serem fiéis a um deus, a um pensamento,
a uma pátria, uma esperança, ou muito apenas
à fome irrespondível que lhes roía as entranhas,
foram estripados, esfolados, queimados, gaseados,
e os seus corpos amontoados tão anonimamente quanto haviam vivido,
ou suas cinzas dispersas para que delas não restasse memória.
Às vezes, por serem de uma raça, outras
por serem de urna classe, expiaram todos
os erros que não tinham cometido ou não tinham consciência
de haver cometido. Mas também aconteceu
e acontece que não foram mortos.
Houve sempre infinitas maneiras de prevalecer,
aniquilando mansamente, delicadamente,
por ínvios caminhos quais se diz que são ínvios os de Deus.
Estes fuzilamentos, este heroísmo, este horror,
foi uma coisa, entre mil, acontecida em Espanha
há mais de um século e que por violenta e injusta
ofendeu o coração de um pintor chamado Goya,
que tinha um coração muito grande, cheio de fúria
e de amor. Mas isto nada é, meus filhos.
Apenas um episódio, um episódio breve,
nesta cadela de que sois um elo (ou não sereis)
de ferro e de suor e sangue e algum sémen
a caminho do mundo que vos sonho.
Acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém
vale mais que uma vida ou a alegria de té-1a.
É isto o que mais importa - essa alegria.
Acreditai que a dignidade em que hão-de falar-vos tanto
não é senão essa alegria que vem
de estar-se vivo e sabendo que nenhuma vez alguém
está menos vivo ou sofre ou morre
para que um só de vós resista um pouco mais
à morte que é de todos e virá.
Que tudo isto sabereis serenamente,
sem culpas a ninguém, sem terror, sem ambição,
e sobretudo sem desapego ou indiferença,
ardentemente espero. Tanto sangue,
tanta dor, tanta angústia, um dia
- mesmo que o tédio de um mundo feliz vos persiga -
não hão-de ser em vão. Confesso que
multas vezes, pensando no horror de tantos séculos
de opressão e crueldade, hesito por momentos
e uma amargura me submerge inconsolável.
Serão ou não em vão? Mas, mesmo que o não sejam,
quem ressuscita esses milhões, quem restitui
não só a vida, mas tudo o que lhes foi tirado?
Nenhum Juízo Final, meus filhos, pode dar-lhes
aquele instante que não viveram, aquele objecto
que não fruíram, aquele gesto
de amor, que fariam «amanhã».
E. por isso, o mesmo mundo que criemos
nos cumpre tê-lo com cuidado, como coisa
que não é nossa, que nos é cedida
para a guardarmos respeitosamente
em memória do sangue que nos corre nas veias,
da nossa carne que foi outra, do amor que
outros não amaram porque lho roubaram.

ao meio-dia


(não sei de quem é, retirei da net)


a autoestrada repleta
o asfalto molhado.
um carrossel de música calma
na frequência modulada de clima
húmido e morno; dias de outubro.
ao largo sem as asas de corvo
a mancha esquiça de pinheiros
as lágrimas sacudidas dos eucaliptos
os sorrisos da motociclista
ao jovem motorista
doze horas meio-dia.

a serpente de cor verde, treze
treze carros de lata
um "panzer" outro "chaimite"
as lagartas na estrada à luz do dia.
abro mais a janela, abro mais sobrolho
procuro a fatia o sumo de amora
melancia passam dez do meio-dia.

um camião tir lança águas mil
lança gemidos cissia a travagem.
correm os trinta no pára-brisas
saltam as gotas ao meio-dia.

portagem ticket
"dinheiro ou cartão?"
estendo a mão-

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

manet e a carta de olympia

enquanto recebo o calor da celeuma
lembro letra a letra a carta de Olympia
a surpresa de a ver assim (in)vestida
de nudez, nas cores do seu poema
o adeus:

"manet meu ingénuo e querido amigo

beijo a tua mão direita

comovi-me

naquele divã de donzela
o lugar das minhas linhas.
sentida perfeita no meu corpo
no meu olhar felino que domina.

maria vestida de flores
escondida no seu olhar de noite
guarda os segredos daqueles que autorizo
os meus melhores momentos
a voz aguda dos amantes
e são tantos.
não os quero loucos nem distantes
de fogueiras impertinentes
ou amores frios
trato-os como filhos nos meus seios
a quem sugo os receios, os seus medos
na falta dos berços.

comovi-me

na largura dos traços
nas camadas de tinta
por sobre a tela virgem
de muitas horas e anseios.

beijo a tua mão direita

a do laço de cetim
trémula de pudor
quando inclinavas o rosto
e pousavas a paleta.

meu querido e ingénuo amigo
espero não te ver
sob pena de não ser
olympia-

e assim será manet
serei o poema
o teu espelho
e só meu o teu olhar
até ao fim -

beijo a tua mão direita
olympia

p.s. envio-te a flor "

Caim - William Blake


William Blake " Caim "

Caim e Abel - o espírito a leste do paraíso

a leste do paraíso

debaixo do céu em cada plano
em cada alto a liberdade do rebanho-

a atenção dos frutos da terra prende o chão
seca o ar, sua o rosto, gasta o homem-

o espírito transparece eleva a canção
em cada montanha espalha o sabor do leite
a lã fia o dia aquece a noite sã
abel respira a poeira como um travo doce
sem mágoa-

os frutos da terra trazem o sabor do sal
a íngreme resistência do húmus
a cor amarela dos vegetais
o terror do medo suga raízes
caim cria o deserto-

a morte voa no castigo dos abutres
sete vezes caim vive
os olhos, as mãos, o semblante de sangue
o espírito de abel
a leste do Paraíso-

Carmen e José

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Olympia

Enviaste-me as tuas mãos
e os teus dedos travestidos
de flores. Entre elas havia
uns lábios gordos de sangue,
dispersos de desejo. De mim?

Deitada e nua, espero-te
com meu olhar aceso
como o da negra,
como o do gato,
na serena tarde alvoroçada.
[De certo tiveste uma reunião
ou não foste capaz de confrontar
a força do prazer e a consciência.
Enviaste-me flores anunciando
a perversa bondade da acção.]

Agora só te falta a minha mão
os meus adornos, a minha flor
entre laços e abraços de ilusão.

Vem despentear a loucura
que Eros semeou em nós. Vem
ser meu rei e meu prazer. Serei
a tua Vénus e a tua Olympia – corpo
de sede no calor de um beijo e fogo
convidando o fogo do outro olhar.

José Almeida da Silva

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Trabalho de casa "Olympia"- texto 2

Eu disse-te meu amor
Ou o gato, ou eu
Alérgica, coçada e nada

Tenho o sofá cheio de pelos
Não me deito nele pelada

A casa é minha
O gato é teu

Sabes que acordei de rabo de gato em nó de gravata?
Nua de gato ao pescoço

Mijo na almofada e nas chinelas!
Mijo no gato e tiro-lhe o rato!

Gato castrado
Ralado?
Papinha de piriláu

A casa é minha
O gato é teu

Tranquei a porta do quarto
E nem tu nem gato

Espreitas à fechadura enquanto me masturbo
Bem feito se de tusa o gato te agarra a blusa

(Ana Janeiro)

Trabalho de casa "Olympia"- texto 1

Recebi as flores, meu amor
Entra no quarto sem bater
E não admires a figura pálida...
Beija os lábios de vermelho

Entra, meu amor
Não receies

E se te parecem mortos os meus olhos, não os feches
Desenha neles o olhar de Olympia

Não vejas o castrado que ali jaz
O sangue seria menos vivo
Imagina a virgem agora mulher
E adorna-me de oiro e uma flor

Teu mais não serei

(Ana Janeiro)
Pois é, apareci como "omarpareceazeite"... perdoem-me a sinédoque!

ana luísa amaral
Minhas caras e meus caros,

Queria dar-vos as boas vindas, infelizmente não com o meu nome, mas com o nome de gestão do blogue – não encontro a minha password, mas, em contrapartida, encontrei endereço e password de gestão do site -- foi a Teresa Almeida Pinto que mo enviou o ano passado, alguns de vós lembrar-se-ão dela.

Não era minha intenção aparecer na qualidade de gestora, nem sei bem como irá isto ficar, quando carregar na tecla “Publicar mensagem”… Veremos. Amanhã peço a um/a de vós, que saiba um pouco mais destes mistérios internéticos do que eu, se me ajuda a “recuperar a identidade” (as aspas têm a ver com a contingência que sempre preside a estes assuntos).

Gostava de dizer-vos como gostei das duas sessões que tivemos já e deixar-vos aqui, como comentário geral ao TPC (o do poema a partir da notícia de jornal), um poema de Adrienne Rich. Fica então original e tradução. Penso que se adequa aos nossos propósitos. Quero ainda deixar os parabéns a todas e a(os dois) todos.

Um abraço – e, creiam, é um prazer estar convosco.

ana luísa



Power (Adrienne Rich, 1974)

Living in the earth-deposits of our history

Today a backhoe divulged out of a crumbling flank of earth
one bottle amber perfect a hundred-year-old
cure for fever or melancholy a tonic
for living on this earth in the winters of this climate

Today I was reading about Marie Curie:
she must have known she suffered from radiation sickness
her body bombarded for years by the element
she had purified
It seems she denied to the end
the source of the cataracts on her eyes
the cracked and suppurating skin of her finger-ends
till she could no longer hold a test-tube or a pencil

She died a famous woman denying
her wounds
denying
her wounds came from the same source as her power


Poder

Viver nos sedimentos da nossa história

Hoje uma escavadora divulgou num flanco de terra em derrocada
uma garrafa âmbar perfeita com cem anos
cura para a febre ou melancolia um tónico
para viver nesta terra nos Invernos deste clima

Hoje eu estava a ler sobre Marie Curie:
ela deve ter sabido que sofria do mal das radiações
o corpo bombardeado anos a fio pelo elemento
que purificara
Parece que negou até ao fim
a origem das cataratas nos seus olhos
a pele da ponta dos dedos gretada e supurante
até já não conseguir segurar um tubo de ensaio ou um lápis

Morreu mulher famosa negando
as suas feridas
negando
as suas feridas vindas da mesma fonte que o seu poder

lembro-me bem




lembro-me bem de ti no hotel de paris.
a avenida larga repleta de almas
as doces palavras, as mãos dadas
o casaco apertado, a cor do frio
no fumo branco do cigarro.

a japonesa de ar pequeno
a boina, o cabelo negro, o laço magro
os lábios excessivos de um rouge lascivo
os laivos de perfume que subiam.
reparaste no olhar, na mão segura
as calças de pirata sem navio
as sabrinas e disseste
"não é vénus de urbino mas olympia"
e rias, rias e rimos ao entrar na pizzaria.
o tinto "rufino" os copos de pé alto
e riamos, riamos.

"marlboro" a marca de um couro duro
no quarto, descomposto abandonado sem corpo
no reflexo do espelho no qual nos revejo.

sem fumo o telhado cinza, lousa sem giz
e tantas, tantas frases soltas que pousavam
e subiam sem raiz, livres e céleres
nos ecos de paris.
lembro-me bem de ti

e dela na avenida
a atitude longa da limousine
alguém de fama;
a sombra da boina, a luva branca
a última sabrina. a pergunta
o navio -

lembro-me bem de ti e dela naquele dia -

domingo, 18 de outubro de 2009

responder à lua





existe a irrealidade do astro
o recorte do céu
uma saída para lá.
a janela redonda
(um nevoeiro de londres, um mistério de holmes).
subir a noite numa escada nua
acima à cobertura de névoa
a lua
(uma serra sinuosa da Galiza
os olhos em frente, um horizonte branco).
a vertigem de uma altura
o abismo seguro na mão do céu
e uma mesa de folha branca
um banco, a toalha de linhas
uma toada de letras na sombra suspensa
responder à lua

(alguém (nu) de alguém)

Corpo
nu de corpo
é nu
não corpo

Corpo nu
de alguém
é alguém
não corpo

Corpo
nu de alguém
é de alguém
é seu

Corpo
nu
de todos
compra-se
é (a)teu

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

(TG - exercício aula 14out09)

É como um ventre, a mesa
Pelas patas presa
Longe dos ventos de outros eus
Mas os outros são os outros
E os outros meus
Dedos de medos à janela
Acenam com o céu. Não.

Quero ser mesa e cair nela
Quero a certeza do que é seu.

Joana Espain e José Almeida da Silva

Plastema

Ninguém gosta
de andar por aí
com os espelhos à mostra
ou as perdas ao léu.
Larguei-os.
Andavam distraídos
e inutilmente
pousaram tortos
numa prateleira qualquer,
vim embora devagar,
larguei-os.
Fui à internet
e comprei uns novos
grandes, azuis de plástico,
muito resistentes

para uns olhos
em promoção
muito agradável

AS MINHAS ASAS

As Minhas Asas
Eu tinha umas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Que, em me eu cansando da terra,
Batia-as, voava ao céu.

– Eram brancas, brancas, brancas,
Como as do anjo que mas deu:
Eu inocente como elas,
Por isso voava ao céu.
Veio a cobiça da terra,
Vinha para me tentar;
Por seus montes de tesouros
Minhas asas não quis dar.
– Veio a ambição, co’as grandezas,
Vinham para mas cortar,
Davam-me poder e glória
Por nenhum preço as quis dar.

Porque as minhas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Em me eu cansando da terra
Batia-as, voava ao céu.

Mas uma noite sem lua
Que eu contemplava as estrelas,
E já suspenso da terra,
Ia voar para elas,
– Deixei descair os olhos
Do céu alto e das estrelas…
Vi entre a névoa da terra,
Outra luz mais bela que elas.

E as minhas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Para a terra me pesavam,
Já não se erguiam ao céu.
Cegou-me essa luz funesta
De enfeitiçados amores…
Fatal amor, negra hora
Foi aquela hora de dores!

– Tudo perdi nessa hora
Que provei nos seus amores
O doce fel do deleite,
O acre prazer das dores.

E as minhas asas brancas,
Asas que um anjo me seu
Pena a pena me caíram…
Nunca mais voei ao céu.

Almeida Garrett, in Flores sem Fruto

(in)colocado


Fotografia retirada do blog "cités obscures"


há um cansaço à espera de sábado
neste ar demasiado luzente e caldo.
a melancolia de um mocho num ramo de pinheiro
o formato da copa, uma seta.mas esta é apenas
uma imagem, uma metáfora, não vejo pinheiros:
uma tília, um arbusto sem nome, uma magnólia.
o silêncio cúmplice do jardim nas artérias
cor de saibro, clareando ainda mais o espaço
de um Equador, luzente, caldo, nos meus pólos.
a alma enrola-se pequena, encolhe como o caracol
sua dentro da sua única casa, os poros abertos
como janelas de onde sai a chuva, o cansaço.

do outro lado o ouro de um cogumelo mágico
raiado numa selva de dedos no teclado branco.
os concertos. os consertos de alma, fluidos,
no berço de uma clave.

Sol porque assim começou luzente e caldo
na opacidade do ar. sem ser sábado.

(in)colocado como uma flor de plástico
sem viço nem aroma no interstício de uma rocha
exótica, da arábia, da china, talvez de áfrica.
como um robalo na hora de um prato, fumegante,
no restaurante, do alto, olhando o mar da foz
(inal)cansado.
flutuo no lugar da música
sem a razão e os minutos de um sentido
sem pés, sem patas, sem mãos, sem garras
no interior de uma lamparina
e amanhã é sábado.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

As cinco frases, as mesmas palavras, o resultado dos poemas

Cinco frases, um trabalho de grupo com a obrigação de usar as seguintes palavras:
(mesa, janela, vento, selva, dedos, céu, seu, eus)

As frases:

Não escrever. É como não pensar. Ou como não sentir.

Não. Escrever é como não pensar e como não sentir...

Não. Escrever é como não. Pensar. E como: não sentir?

Não. Escrever é. E como não pensar? E como não sentir?

Não escrever. É como não pensar. Ou como não sentir.

Um dos poemas de trabalho de grupo sobre este tema já foi publicado e os outros vão surgir.

(exercício aula 14out09)

palavras em branco
sobre a mesa
à espera de nascer
por entre os dedos
de eus
de outros
que se calam
sem saber
solta-se no vento
a janela
e o seu corpo
e a alma
e tudo
como uma selva
e encontra o céu

clara e ana lúcia

no meu alpendre vermelho

no meu alpendre vermelho
as silhuetas despidas no pomar
desenham mapas, caminhos e destinos
à espera

no meu alpendre vermelho
contra a parede encrespada
o sol enxuga a roupa, o corpo e os pensamentos
de mulher

no meu alpendre, que é vermelho de sangue de boi,
respira-se pó de terra lavrada
e ouvem-se fumos, químicos e murmúrios de fábrica
ao fundo

no meu alpendre vermelho
há um corrupio de passos pequeninos
como átomos, células ou moléculas de afecto
a aprender

no meu alpendre vermelho
as aranhas parecem cientistas acrobatas
em (des)equilíbrio entre pesquisa, experiência e criação
por um fio

no meu alpendre, que é vermelho de bagos calcados,
quando é quarta ou domingo
passam tiros, cães e caçadores
sem convite

este é o primeiro Outono
no meu alpendre
em Israel

ana lúcia figueiredo

A propósito de Arte


Manet "Olympia" 1863


Ticiano "A Vénus de Urbino" 1538

Na segunda sessão foi lançado o desafio livre de a propósito destes dois quadros reinventar as palavras que a cada um possam ocorrer.

Aguardemos!

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

três cientistas, um nobel

constroem, combatem, funcionam
– crescente produção.
o prémio principal traduz o código
– três cientistas, um nobel.

José Almeida da Silva

que saudades, companheiros!

hoje, sem querer, encontrei a Inês... eu já sabia que uma parte de mim andava por aí convosco, já sabia que me faziam falta os trabalhos de casa, as poemas ditos na voz serena da Ana Luísa, a partilha na busca do verso ideal e a aceitação cúmplice de todos no momento de expor e dissecar esforços e resultados. achei que tinha tudo controlado e muito bem arrumado na cabeça: datas que estavam bem em Abril e Maio mas agora já não, trabalho atrasado, novas rotinas, filho para criar... e depois encontrei a Inês e fiquei com um espaço vazio algures onde devia ter uma peça importante como um órgão vital, não propriamente anatómico mas ainda assim corpóreo. na verdade o facto de não estar aí não foi bem uma escolha, foi mais uma falta de alternativa. seja como for, quero dizer-vos da importância que todos têm para mim, os novos companheiros, os de sempre e especialmente a Ana Luísa. saibam que continuo a escrever, que me mantenho fiel à causa e que nunca estarei longe. vou acompanhando o blog enquanto engulo a saudade que tanto trabalho me deu a esconder e que o sorriso da Inês descobriu em menos de meio segundo. se e quando houver sessões abertas avisem-me, está bem? um abraço… ou dois,

raquel patriarca
catorze.outubro.doismilenove

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Nobel

a quarta mulher trabalha
trabalha quatro décadas.
é preciso aprender mais
átomo por átomo
célula por célula;

a três cientistas concedido o prémio
a quarta mulher trabalha
átomo por átomo
célula por célula.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

embora não pareça


Magritte "Recordação de viagem" 1955


embora não pareça é de sedas
brancos corais e aves morenas
de um azul muito claro
a nascente dos poemas.
não é apenas o quadro triste
o estado parado, o entretanto de um sorriso;
mais vasto e alargado o seu ser.
um navegar imerso e no seguinte momento
o erguer de ambos os braços, os antebraços
o tronco mamífero
sentindo o ar, o oxigénio marítimo
cingido de mergulhos arqueados
consanguíneo de golfinhos.
de poemas
termino às vezes os dias
procurando o lugar, a abertura
no alto da cabeça, no meio dos cabelos
os soltos pensamentos.
um canto suave de outras palavras
um perfume incompleto de espelhos
um humor de labirintos e descobertas
nos segredos inconcisos;
os constantes versos insubmissos
de poemas;
embora não pareça uma berma na areia
no limiar de ondas serenas
embora não pareça-

Aproveitar o tempo


Fotografia retirada da Internet


Aproveitar o tempo!
Mas o que é o tempo, que eu o aproveite?
Aproveitar o tempo!
Nenhum dia sem linha...
O trabalho honesto e superior...
O trabalho à Virgílio, à Mílton...
Mas é tão difícil ser honesto ou superior!
É tão pouco provável ser Milton ou ser Virgílio!

Aproveitar o tempo!
Tirar da alma os bocados precisos - nem mais nem menos -
Para com eles juntar os cubos ajustados
Que fazem gravuras certas na história
(E estão certas também do lado de baixo que se não vê)...
Pôr as sensações em castelo de cartas, pobre China dos serões,
E os pensamentos em dominó, igual contra igual,
E a vontade em carambola difícil.
Imagens de jogos ou de paciências ou de passatempos -
Imagens da vida, imagens das vidas. Imagens da Vida.

Verbalismo...
Sim, verbalismo...
Aproveitar o tempo!
Não ter um minuto que o exame de consciência desconheça...
Não ter um acto indefinido nem factício...
Não ter um movimento desconforme com propósitos...
Boas maneiras da alma...
Elegância de persistir...

Aproveitar o tempo!
Meu coração está cansado como mendigo verdadeiro.
Meu cérebro está pronto como um fardo posto ao canto.
Meu canto (verbalismo!) está tal como está e é triste.
Aproveitar o tempo!
Desde que comecei a escrever passaram cinco minutos.
Aproveitei-os ou não?
Se não sei se os aproveitei, que saberei de outros minutos?!

(Passageira que viajaras tantas vezes no mesmo compartimento comigo
No comboio suburbano,
Chegaste a interessar-te por mim?
Aproveitei o tempo olhando para ti?
Qual foi o ritmo do nosso sossego no comboio andante?
Qual foi o entendimento que não chegámos a ter?
Qual foi a vida que houve nisto? Que foi isto a vida?)

Aproveitar o tempo!
Ah, deixem-me não aproveitar nada!
Nem tempo, nem ser, nem memórias de tempo ou de ser!...
Deixem-me ser uma folha de árvore, titilada por brisa,
A poeira de uma estrada involuntária e sozinha,
O vinco deixado na estrada pelas rodas enquanto não vêm outras,
O pião do garoto, que vai a parar,
E oscila, no mesmo movimento que o da alma,
E cai, como caem os deuses, no chão do Destino.

Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterónimo de Fernando Pessoa

sábado, 10 de outubro de 2009

O cúmplice


Juan Gris "A guitarra em frente do mar" 1925


Crucificam-me e eu tenho de ser a cruz e os pregos.
Estendem-me a taça e eu tenho de ser a cicuta.
Enganam-me e eu tenho de ser a mentira.
Incendeiam-me e eu tenho de ser o inferno.
Tenho de louvar e de agradecer cada instante do tempo.
O meu alimento é todas as coisas.
O peso exacto do universo, a humilhação, o júbilo.
Tenho de justificar o que me fere.
Não importa a minha felicidade ou infelicidade.
Sou o poeta.

Jorge Luis Borges, in "A Cifra"
Tradução de Fernando Pinto do Amaral

Sorriso líquido


Paul Klee " Anatomia de Afrodite " 1915

O oposto do silêncio é o sorriso
na madrugada incinzenta, incisiva
de quatro paredes brancas.
O sorriso líquido sem penumbra
na fina claridade.
Paralela a escada que nos liga
na altíssima noite branca
como águas puras de uma nascente
de pedras luminosas subindo
sem veredas, medo ou labirinto
aos véus da Lua grávida
um mar de estrelas -

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Em Outubro chove


Retirado de gobysplace.files na internet



justiça ou injustiça nada tem a ver com isto

as chuvas de espadas nas batalhas do milénio
os elmos, os gritos dos cavalos
os rostos negros dos soldados
as misturas dos lugares, dos que caem
dos que correm, dos que fogem
dos que olham os últimos risos do prado
no voo seco e duro dos pássaros

não
justiça ou injustiça nada tem a ver com isto

nem um daqueles que portam as bandeiras
nem um daqueles de imagens paradas nas pálpebras
nem um daqueles é senhor ou mendigo
de um limbo onde nasce a razão
a luz clara que apaga o universo.

pó e em pó, somos o pó informe sem prova
sem julgamento de ordem ou desordem
embora por vezes nos dias singulares
num relâmpago uma voz de trovão rasga o céu
abre a submersa claridade a diagonal origem
de um arco-íris.

em Outubro as águas primeiras são martelos
e as roupas molhadas togas
juízes de nós sem testemunhas do mal.

de passos curtos concluo que sou um pássaro
numa gaiola oscilante e fraca
observo os bigodes de um gato que inclinado
no equilíbrio de duas patas
segura as pedras molhadas.

em Outubro chove
e sem juiz sem juízo concluo
que justiça ou injustiça nada tem a ver com isto
em Outubro chove

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Sophia e o primeiro dia


Fotografia retirada da Wikipedia


Decorreu hoje a primeira sessão da 3ªfase do curso de escrita criativa. Como já é hábito brilhou quem mais sabe, a origem do Blogue Ana Luísa Amaral. Foi bom rever alguns de nós e conhecer alguns dos novos. Há promessas de trabalhos, muitos... e de novidades. O primeiro consta de 15 palavras e poderá , eventualmente, reavivar os ribossomas escondidos em cada um de nós. Não serão de estranhar de hoje para amanhâ etiquetas TPC e outras, as vindouras de mais uma etapa de partilhas e crescimento.

O 1º dia falou um pouco de Sophia:



"Sozinha estou entre paredes brancas
Pela janela azul entrou a noite
Com seu rosto altíssimo de estrelas"

Sophia do Mello Breyner Andresen"Noite" (Mar Novo, 1958)


"Pois a minha poesia é a minha explicação com o Universo, a minha convivência com as coisas, a minha participação no real, o meu encontro com as vozes e as imagens. Por isso o poema não fala de uma vida ideal mas sim duma vida concreta: ângulo de janela, ressonância das ruas, das cidades e dos quartos, sombra dos muros, aparição dos rostos, silêncio, distância e brilho das estrelas, respiração da noite, perfume da tília e do orégão."

Sophia "Arte Poética II, Geografia, 1967"

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Anjo


Chagall "Adão e Eva" 1912


Mais calmo que um urso panda numa alcofa lisa de bambu.
A brisa morna traz o vento leve
o embalo de um ramo de planície.

Uma pequena lágrima nos teus olhos claros?
Não chores!Vá!Não chores! Dorme meu anjo
dorme o sono, o sonho azul de Oceano
e rema o mundo, vence a água das medusas
ao som de uma canção de Brahms.
Sabes meu anjo os lavagantes têm carapaças duras
e quando dançam selam o medo, a dúvida, a ausência
no labirinto dos corais de forma simples. Sossega.
Adormece. Dorme. Não te prendas nos meus olhos
neles caminham as chamas morenas, os focos da alma
na fogueira dos poemas. Por isso adormece. Dorme.
Canto aquela canção de cordas tão calma.
Canto sim. Mais calmo que um urso panda
meu anjo meu anjo meu anjo

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Escrita Criativa Poesia

URL=http://sigarra.up.pt/reitoria/noticias_geral.ver_noticia?P_NR=639

Hoje terminam as inscrições para a 3ª fase do curso de escrita criativa de poesia com a Ana Luísa Amaral. As inscrições estão abertas no site em cima mencionado da Universidade do Porto.
Não publiquei antes porque só hoje recebi o e-mail!
Vá lá inscrevam-se o curso começa já amanhã e será todas as quartas-feiras até 7 de Novembro.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Autografia


Mário Cesariny " Sem título"

sou um homem
um poeta
uma máquina de passar vidro colorido
um copo uma pedra
uma pedra configurada
um avião que sobe levando-te nos seus braços
que atravessam agora o último glaciar da terra
o meu nome está farto de ser escrito na lista dos tiranos: condenado
à morte!
os dias e as noites deste século têm gritado tanto no meu peito que
existe nele uma árvore miraculada
tenho um pé que já deu a volta ao mundo
e a família na rua
um é loiro
outro moreno
e nunca se encontrarão
conheço a tua voz como os meus dedos
( antes de conhecer-te já eu te ia beijar a tua casa )
tenho um sol sobre a pleura
e toda a água do mar à minha espera
quando amo imito o movimento das marés
e os assassínios mais vulgares do ano
sou, por fora de mim, a minha gabardina
e eu o pico Everest
posso ser visto à noite na companhia de gente altamente suspeita
e nunca de dia a teus pés florindo a tua boca
porque tu és o dia porque tu és
a terra onde eu há milhares de anos vivo a parábola
do rei morto, do vento e da primavera
Quanto ao de toda a gente – tenho visto qualquer coisa
Viagens a Paris – já se arranjaram algumas.
Enlaces e divórcios de ocasião – não foram poucos.
Conversas com meteoros internacionais – também, já por cá
passaram.
Eu sou, no sentido mais enérgico da palavra
uma carruagem de propulsão por hálito
os amigos que tive as mulheres que assombrei as ruas por onde
passei uma só vez
tudo isso vive em mim para uma história
de sentido ainda oculto
magnifica irreal
como uma povoação abandonada aos lobos
lapidar e seca
como uma linha-férrea ultrajada pelo tempo
é por isso que eu trago um certo peso extinto
nas costas
a servir de combustível
e é por isso que eu acho que as paisagens ainda hão-de vir a ser
escrupulosamente electrocutadas vivas
para não termos de atirá-las semi-mortas à linha
E para dizer-te tudo
dir-te-ei que aos meus vinte e cinco anos de existência solar estou
em franca ascensão para ti O Magnifico
na cama no espaço duma pedra em Lisboa-Os-Sustos
e que o homem-expedição de que não há notícias nos jornais
nem
lágrimas à porta das famílias
sou eu meu bem sou eu
partido de manhã encontrado perdido entrelagos de incêndio e o teu retrato grande!

Mário Cesariny de Vasconcelos

For my lady



My boat sails stormy seas
Battles oceans filled with tears
At last my ports in view
Now that Ive discovered you

Oh Id give my life so lightly
For my gentle lady
Give it freely and completely
To my lady

As life goes drifting by
Like a breeze shell gently sigh
And slowly bow her head
Then youll hear her softly cry.

Oh Id give my life so lightly
For my gentle lady
Give it freely and completely
To my lady

Words that you say when were alone
Though actions speak louder than words
But all I can say is I love you so
To drive away all my hurt

Oh Id give my life so lightly
For my gentle lady
Give it freely and completely
To my lady

Set sail before the sun
Feel the warmth thats just begun
Share each and every dream
They belong to everyone.

Oh Id give my life so lightly
For my gentle lady
Give it freely and completely
To my lady

domingo, 4 de outubro de 2009

Casa antiga


Fotografia retirada da internet


Cede a porta bordada na mão do vento
o som de surdina encosta leve o trinco
corrente de ar da porta que abriu
em frente ao fundo de um corredor
de longas tábuas de dez metros de comprido.

- as casas antigas têm tectos altos
inscritos de gesso, mantas de rendas
salientes flores de Lis, folhas
nervuras de uma àrvore de neve
a arte das gravuras, alegorias
harpas, violinos no céu próximo
nas mãos nuas de meninos -

De novo se abre a porta que fechou
elevam-se batimentos, o ritmo
nos passos brancos até acima
a cor rubra de um receio, a má sina
que não traga de volta à casa antiga
ao corredor, quem mais se espera
nas longas tábuas de dez metros de comprido ...

- nas casa antigas não há espelhos de verniz
antes o sabor das ceras em nuvem descida
do alto tecto até ao nível da cinta
como um livro de imagens que aviva
o voo cheio das abelhas, o aroma
de um campo inclinado onde dançam
as flores -

As duas portas abrem na mesma parede
dentro de um túnel luminoso, iluminado
em cada lado nos olhos húmidos finos
sonâmbulos, encantados, como ondas
de dois mares no encontro consentido
ao fundo do corredor
de longas tábuas de dez metros de comprido

- nas casas antigas há risos de cem anos
o arrastar de vestidos, as casacas de grilo
mas os lábios de dois vultos
em segredo
são redondos e tamanhos
e neles não cabe o mundo
são o sonho das estrelas
a meio das longas tábuas
de dez metros de comprido ...

sábado, 3 de outubro de 2009

Procuro-te


Magritte "O belo Mundo" 1962


Procuro a ternura súbita,
os olhos ou o sol por nascer
do tamanho do mundo,
o sangue que nenhuma espada viu,
o ar onde a respiração é doce,
um pássaro no bosque
com a forma de um grito de alegria.

Oh, a carícia da terra,
a juventude suspensa,
a fugidia voz da água entre o azul
do prado e de um corpo estendido.

Procuro-te: fruto ou nuvem ou música.
Chamo por ti, e o teu nome ilumina
as coisas mais simples:
o pão e a água,
a cama e a mesa,
os pequenos e dóceis animais,
onde também quero que chegue
o meu canto e a manhã de maio.

Um pássaro e um navio são a mesma coisa
quando te procuro de rosto cravado na luz.
Eu sei que há diferenças,
mas não quando se ama,
não quando apertamos contra o peito
uma flor ávida de orvalho.

Ter só dedos e dentes é muito triste:
dedos para amortalhar crianças,
dentes para roer a solidão,
enquanto o verão pinta de azul o céu
e o mar é devassado pelas estrelas.

Porém eu procuro-te.
Antes que a morte se aproxime, procuro-te.
Nas ruas, nos barcos, na cama,
com amor, com ódio, ao sol, à chuva,
de noite, de dia, triste, alegre — procuro-te.

Eugénio de Andrade, in "As Palavras Interditas"

Sem senso


fotografia retirada da internet


Sem senso o fio da palavra
sem poema
sem ser a água de lago
transparente e acetinada
nesse jardim onde crescem e caem
as camélias.
Sem a luz das frases, preso na voz ausente
transforma-se o pêlo claro de um gato
na côr malhada: o leopardo
manchas insanas, rugido agreste.

Nas árvores felinas de silêncio
descansam as feras -

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Do fim dos segredos


Júlio Pomar "Auto-retrato, duas (ou três) laranjas e, de pernas para o ar, um macaco" 1973


Quando se conta a outrem um segredo este
desmaia: a palavra
torna-se pele
sem leão lá dentro.

Não é mais segredo e não o sendo
finge ser lembrança
de fabrico imperfeito:
um cliqueti no silêncio escancara

a dantes inamovível porta
e virada a página acha-se apenas
uma moeda
que não corre já.

Júlio Pomar, in "TRATAdoDITOeFEITO"

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

How many seas must a white dove sail



Blowin' In The Wind

How many roads must a man walk down,
Before you call him a man?
How many seas must a white dove sail,
Before she sleeps in the sand?
Yes and how many times must cannonballs fly,
Before they're forever banned?
The answer, my friend, is blowin' in the wind
The answer is blowin' in the wind
Yes and how many years can a mountain exist,
Before it's washed to the seas (sea)
Yes and how many years can some people exist,
Before they're allowed to be free?
Yes and how many times can a man turn his head,
Pretend that he just doesn't see?
The answer, my friend, is blowin' in the wind
The answer is blowin' in the wind
Yes and how many times must a man look up,
Before he can see the sky?
Yes and how many ears must one man have,
Before he can hear people cry?
Yes and how many deaths will it take till he knows
That too many people have died?
The answer, my friend, is blowin' in the wind
The answer is blowin' in the wind

Estão todas as verdades à espera em todas as coisas


Camille Pissarro " Vista de Eragny" 1888


Estão todas as verdades
à espera em todas as coisas:
não apressam o próprio nascimento
nem a ele se opõem,
não carecem do fórceps do obstetra,
e para mim a menos significante
é grande como todas.
(Que pode haver de maior ou menor
que um toque?)

Sermões e lógicas jamais convencem
o peso da noite cala bem mais
fundo em minha alma.

(Só o que se prova
a qualquer homem ou mulher,
é que é;
só o que ninguém pode negar,
é que é.)

Um minuto e uma gota de mim
tranquilizam o meu cérebro:
eu acredito que torrões de barro
podem vir a ser lâmpadas e amantes,
que um manual de manuais é a carne
de um homem ou mulher,
e que num ápice ou numa flor
está o sentimento de um pelo outro,
e hão-de ramificar-se ao infinito
a começar daí
até que essa lição venha a ser de todos,
e um e todos nos possam deleitar
e nós a eles.

Walt Whitman, in "Leaves of Grass"