domingo, 1 de fevereiro de 2009

Tarde laranja

Na caixa de cartão colada de surpresa
o telefone negro na luz parda do sótão
não houve mola de susto mas só
o disco sujo o mecanismo surdo.

Sentado no banco pequeno antigo
(palha lustrada nas noites de aldeia)
espanto os pós submissos
na pele activa de camurça
lâmpsda de cintilos e esquiços.

Tarde laranja em Paris
perco-me depressa dos amigos:
"Uma hora...volto! Uma hora já
volto!"

Na espera crescem picos na relva
no jardim das Tulherias
provável no Sena o bateau
tempo lento precioso.
Os minutos caem no ponteiro Swatch
mostrador de vidro plástico
riscas bordeaux.


Aperto o botão da camisa "Califa"
também de risca manga curta
um ritmo incerto de batuta
(en)luta crente na hora de luz
que o Sol segure.

Surges de seda verde à cintura
calças de azul espantado roliça
cobre-se de (aguar)ela a pintura:

"Heléne!Heléne! Je t'aime!
Oui c'est ças! C'est à cause de tois
que je parle trés bas!"


O telefone cega de brilho limpo
termina em fios separados
um deles fino aguçado
picos na ponta dos dedos
relva seca amarela:

"Heléne!Heléne!
C'est moi le poéte des secrets.
Le cadeau des yeux rondes
des cheveux noirs... c'est toi!
Rentre dans mes rêves... ci belle!
Je t'aime!"

Uma pequena gota vermelha
no filamento de agulha
compara a tonalidade dos lábios.
Uma voz distante rosa adormecida
atravessa doce
as rédeas do tempo:

"Vê um filme! Adormece...
não esperes por mim..."

A altura exacta da dor

Hora só
Só uma hora neste desencontro de ti
O ramo alto da árvore alta onde sorris
A janela do teu rosto
Toda ela luz e vento
Como uma torre alta junto ao mar

O mar não espera por mim
A torre não mexe, não dança nem sente
Alta, bela e vazia
O mar dissolve esta dúvida mascarada de ausência
A escuridão do mar embala-me
Sem saudade

A torre parada não se move
Espera o tempo
Toda ela luz e vento
Ri da tempestade vã que empurra a pedra
Imóvel
É noite
Só uma hora neste desencontro de ti
Aspiro à torre mais alta
Alta, bela e vazia
Como se fosse todo o meu ar.