quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Nesses dias não anotava matrículas

Nos dias de Março, fim de Fevereiro
apara-se os cabelos das árvores:
mais de lado, mais ao alto
conforme o penteado;
menos copa, menos ramos
um molho bem atado.

Nos dias da Baixa à Biblioteca
duas janelas no segundo andar
os ramos finos qual vidro partido
gretavam o ar nos olhos miúdos
- alguém pequeno que observa
e risca folhas soltas de papel
matrículas velozes de marcas
antigas: Simca, Taunus, Capri.

Onde estão as notações, os registos
as surpresas dos repetidos
nas colecções sem caras
(números letras suspensas
de placas cor de xisto)?
Perderam-se nos recantos
casa dos pais altas janelas.

Nos dias dos caçadores de ninhos
(descobertos nos vazios)
muitos homens de serrotes ruídos
despiam árvores já despidas
na espera dos dias primos;
previsto despontar de brilhos
verdes.

Homens em cordas grossas de sisal
(balancé de pé fincado nas dobras dos braços
transformados em aparas de lâmina faminta)
desnorteando os nós em migalhas de fibras
ramos em queda;
círculos divididos céu terra.

Nos dias da estética antes da Primavera
surgia mais branco o horizonte na janela
(cortes duros excessivos sem queixume
àrvores grandes nos troncos mudos).

Nesses dias esperava o pôr-do-sol
a despedida
na parte perdida dos ramos
e não anotava matrículas.

Sobre a insensatez

Imprudentemente
Tremo
Os ossos, as pernas, o corpo
Que temerosamente cuidam
Serem base, prato e copo
Meus alicerces servidos
Sobre a mesa de jantar
De medos bem guarnecidos
Num imponderável manjar
Meus acessos de loucura
Brandos comes brandos bebes
Trazem-me água e fartura
Para cobrir as minhas sedes
Tanto faz se não me vês
Tenho febre e insensatez
E se não me vires ainda
Tanto fez
Tanto fez

Sobre a vontade

À volta, o tempo ressequido
E a sede à solta a sugerir
Todo o mar por tragar
Toda a demora seca de vontade
De ter sede, ainda mais do que beber

Sobre a resignação

Sento-me sob a quina dessa dor
Como no mais confortável dos espinhos
E nem à velhinha mais sofredora
Eu cedo este lugar onde me sinto

Sobre a ausência

No espaço ocupado pela tua ausência
Cria-se a espessura do vago
Essa nuvem cerrada que tinge o olhar de névoa
E precipita os dias em lágrimas
Pergunto-me porquê?
Se da tua profunda inexistência, nada é extraído
Ensinamento nenhum
Nenhuma crença
Sentença alguma
Apenas este incerto momento em que aprendo
A consistência da saudade