quarta-feira, 4 de março de 2009

Dentro

Dentro
Olho dentro
Fundo de mim
Água profunda de indecisão
Água parada de inquietação
Eu dentro
O mundo dentro de mim
O meu mundo em mim
Olho dentro
Entro
Aos poucos
Dentro, dentro, dentro
Não me assusto
Não fujo
Não sei a minha cor
Entro dentro
O mundo fora de mim já não se vê
Está todo dentro
Revestimento interno de caos
Olho dentro
Centro o olhar
Aos pouco entro
Não me assusto
Não fujo
Aceito o caos
O revestimento interno do Homem
A pele interna
Fragmentos de luz e pó
Somos nós
Por dentro
Olho dentro
Água profunda de vida
Morte em abstracção
Desejo de cor
Dentro entro
Interno
Inteiro
Aceito
A paz
Interna
Inteira
A paz
É caos integrado
Não me assusto
Não fujo
Olho dentro
Dentro, dentro, dentro
Até me ver
No teu olhar.

Tempo da corda

Menina de sabrina
de braços bem abertos,
na corda de tolos encantos
que julgam o tempo encantar:
- Leva uma sombrinha na mão!

Do susto da plateia, da pirueta
que feriu, só palmas,
pela sombra penduradas:
- Mãe, são palmas ao tempo
ou ao tombo?

A ventania assim veio
voava a sombra varada,
agora sem palmas, pendurada:
- Mãe, cresce-se com tempo
ou vento?

Era a noite que se seguia
a corda que desencantava,
a sombra sem sol de bengala:
- Mãe, morreste de tempo ou de alma?

Não é por isso

Não é por isso que escrevo
pelos teus olhos doces
é pouco
pelos mimos nos teus lábios
de sorrisos aos meus hinos
e ensaios de assobios
não é por isso.

Sabes que gosto da surpresa
do toque no ombro esquerdo
e do beijo que me espera
no oposto tão perfeito.

Mas não é por isso que escrevo
o poema líquido e puro
num harpejo de candura.

Não é por isso
que se solta a penugem
alta e baixa na brisa
branca e lenta
em círculos de mariposa
sobre as folhas
peso leve
harmonia e suave movimento.

Encostas por vezes o queixo
sopras
no meu corpo de costas
a estrofe mágica
um segredo
mas não é por isso
só por isso o desvario:
isso tanto e isso tudo
que desejo.

Por ti escrevo a sombra no sol
naquela luz que vem de dentro
(células rosa em dança viva)
que me invade e hilaria
na graça dos teus braços
maré cheia.

E ainda é mais do que isso
porque escrevo:
preciso de inventar outra forma de dizer
mais do que existe
e me aproxima dentro de ti
de viver no Paraíso.