sábado, 31 de julho de 2010

o cavalo branco


Franz Marc



a intensidade da aparência não é sombra
a intensidade do silêncio é um fogo

não é medo apenas o interacto e a resistência
fragmentos por entre lugares duros de titânio
e os lagos d’água de cinco oceanos
imensos -

não há indiferença

ainda são contínuos os verdes campos de milho
os recantos mais guardados dos cinemas
as exclamações rectilíneas dos ciprestes
as corridas pelos parques da cidade
as cores maduras dos mirtilos
o desassossego de miragens e os ruídos de noite;
os grilos e os mochos, os casulos dos bichos
de sedas sibilinas, silvos e silvas
nos desejos tão impuros de contidos

brilha

brilha branca a lua grande
cheia, vestida de veludos
uma rainha de boca distraída
seguida nos seus pátios de luz
pelos homens mais sozinhos

árias soçobram nos espelhos do mar
adormecem anémonas e algas suspensas
a vaguear


e batem as ondas batem
nas pedras de um castelo cinzento

cai a ponte sobre o fosso
solta um cavalo branco
branco como espumas

sopra o vento

reacende a chama
apaga o silêncio -

quinta-feira, 29 de julho de 2010

de pretender atingir a plenitude complexa das coisas da criação ou o pecado de fazer perguntas



que diabo de ideia foi esta de se fazer corresponder uma infracção

a cada desejo instintivo de prazer? o senhor é sádico, é masoquista,
ou é as duas coisas? ou então é um plagiador do pior
e sem vergonha na cara, que isto em que vivemos
não é mais que a versão descolorida do tártaro clássico onde o alvo
do desejo se nos revela e se nos escapar, onde repetimos
os mesmos erros – invariavelmente –, onde sofremos
as mesmas dores, as mesmas perdas – constantemente

e se é no livre arbítrio que explicam as ambivalências do bem
e do mal, as encruzilhadas e os caminhos percorridos de que lado
da trincheira se há-de encaixar a ideia peregrina
da criação e comércio das bulas de indulgência ou
a estratégia brilhante baseada na inércia
a que comummente se chama de regime de prescrições?
pertencem à instancia das culpas, à família alargada dos perdões?

e o inferno? ainda recebe gente ou esgotou a lotação?
talvez se reserve, nos tempos que correm, à 'nata da escumalha'
sendo que o resto de nós, pecadores impenitentes
e hereges sensaborões, se vão ficando
órfãos e desgarrados pelos tapetes do purgatório, essa espécie
de foyer para almas medíocres, que ninguém sabe explicar o que é
mas que, ainda assim, é suposto ser certo que existe

e, já agora que estamos nisto, como pode uma
simples pessoa simples
sentir o conforto e o consolo da crença no divino
e a leveza da resignação e da confiança no eterno,
quando a pedagogia da fé lhe foi ditada por uma ogra
com excesso de pêlos e escassez de escrúpulos,
que manda fazer desenhos e só distribui canetas de feltro
de cor castanha, cinzenta e preta?

foi então que senti enterrar-se-me um par de orelhas de burro
pela cabeça abaixo e, de frente para a parede, fiquei de castigo
a ouvir as horas passar. e quando,
impaciente e de dentes cerrados, balbuciei
"que diabo...”
a terra tremeu e o ribombar do trovão.
foi a última coisa que ouvi

raquel patriarca
dez.julho.doismiledez

Para viver e não morrer só, não há pecados

É vício salvação
Alívio, não o prazer

ao lado essa mulher
realmente não vista
ali messias dizer
quem não pecou, pedra
atire a , como se
fosse essa primeira
vai e não peques mais

se houvesse pecados
existisse messias
julgar se piedoso
ocioso não amara

permanece pagã
corpo e mente são um
sabe se amor é amor
não deus, construíram no
esqueciam mulheres
a ilusão é ilusão assim

sempre sonho é sonho
por que amados, nós aí
não ficaríamos sós!

.......................................
Nota: Apesar do atraso
sempre chega mais um escrito do jantar
que foi tão precioso

quarta-feira, 28 de julho de 2010

O Nosferatu do método



Tenho o pressentimento inacabado e esbaforido
da tecla tocada até ao fim.
É o som que arromba o trabalho da tecla,
a música que destrói a sua carpintaria
extremamente permissiva,
o grito que escurece as pancadas do sexo
e dissolve a cena violenta num sono vigiado
e privilegiado por lâmpadas e labirintos
incumpridos.

O alarme é um animal de hábitos negros:
soa apenas quando a cópula termina.
Nenhuma parte de mim precisa de mim.
Nenhum prazo, ou arranjo,
ou necessidade centrípeta
sente a falta radical da minha alegria
para que possa existir.
Aqui, a luz perde a utilidade também.

É como que se de repente tudo estivesse
estranhamente pousado
num acidente certíssimo
e à oportunidade fosse acrescido
o Nosferatu do método.

terça-feira, 27 de julho de 2010

o incêndio e a metade


(retirada da internet)


ressaltam as polpudas formas
verdes largas espessas
de um cacto grande
num pôr-de-sol lilás

de sul vem a brisa fresca
e o aroma das gardénias
subindo uma coluna branca;
pétalas de algum sossego

a noite próxima de olhos grandes
sussurra os lugares do sono
uma melodia leve de mar e sal

um corpo posto de água doce
de cabelos ainda molhados
esperando a hora
hora calma de algum sossego

de tarde voaram cinzas na estrada
um fogo a descer uma encosta
um fumo denso sem o tempo necessário
de fechar o vidro acelerar o carro
fugir do inferno

algum pânico sintomas de náusea

isolado isolada

uma chuva fulminante sobre as chamas
os gritos dos bombeiros
o trânsito parado

isolado isolada

uma ausência de metade
não cumprir o destino a entrega
as linhas das mãos as pálpebras
segundos de instante um lenço húmido
sobre a cara

nuvens e nuvens de fumo
por todo o lado

nunca foi a importância do ser
e sim a importância do outro
o não querer a responsabilidade do silêncio;
desapareceu não existe

o incêndio

passou
um banho
algum sossego as gardénias
a coluna branca
o pôr-de-sol lilás
as formas de um cacto grande

junto aos pés descalços gotas d’água
um pátio de azulejos largos e quadrados
antique cor de barro

respirou o aroma imenso
esperou o tempo mais escuro
e a lua mais larga

o número surgiu reescrito em cor laranja
a música era de Bach

deixou tocar deixou tocar deixou tocar

depois ligava -

segunda-feira, 26 de julho de 2010

As pequenas gavetas do amor


Franz Marc 1911


Se for preciso, irei buscar um sol
para falar de nós:
ao ponto mais longínquo
do verso mais remoto que te fiz

Devagar, meu amor, se for preciso,
cobrirei este chão
de estrelas mais brilhantes
que a mais constelação,
para que as mãos depois sejam tão
brandas
como as desta tarde

Na memória mais funda guardarei
em pequenas gavetas
palavras e olhares, se for preciso:
tão minúsculos centros
de cheiros e sabores

Só não trarei o resto
da ternura em resto desta tarde,
que nem nos foi preciso:
no fundo do amor, tenho-a comigo:
quando a quiseres -

(Ana Luísa Amaral, in "Imagias")

sábado, 24 de julho de 2010

Sete Pecados de José Almeida da Silva


Hieronymous Bosch " A mesa dos sete pecados"



A exactidão do sal

Não sei falar de pecado. Sei
a angústia da norma – o prazer
do desvio doloroso.

Poetizar o pecado é reinventar
o fino fio da lâmina – consciência
da minha divina humanidade.

Por que chamar pecado ao humano
precipício da acção?

O excesso ilumina a exactidão do sal
que anima a vida.
2010.06.03
José Almeida da Silva



Pão sem fermento?

Por um pecado – não digo o nome –
Percorro quilómetros e desmarco
Compromissos da minha inadiável
Solidão. É a minha perseverança
No pecado – um prazer inexplicável.

Por uma virtude fico estático a imaginar
O futuro. Fica para amanhã o presente.
Também eu. Inexplicavelmente. É um
Doce o pecado, o lado de fora de mim,
Morando dentro, bem no fundo. De mim.

– O que seria o pão sem fermento?
2010.06.04
José Almeida da Silva




Pecado

Pensei nisso depois. Agir é tão diferente
de pensar. [Peca agora e pensa depois.
Assim se tece a teia.]

Pensar é afastar o que faz parte – nasce
assim o pecado. É assim a gramática do ser
gregário – o facto origina a norma e o desvio.

Mas enquanto o acto vai e volta, folga o prazer.
Ser humano é controverso – argila e sopro.

– A sombra é contra-luz.
2010.06.05
José Almeida da Silva




Desconcerto

O desconcerto da norma é sempre
Outro caminho por onde se caminha
Olhando o sol do bem e do prazer –
Manhã primaveril que veste o olhar
E traça o perfil da breve circunstância
Que liberta o ser do deserto da forma
E da elegância.

Não sei se é pecado mas sei que é
Humano.

– E alcança-se assim a divindade.
2010. 06.12
José Almeida da Silva








Sofrimento insuportável

A vida assim é um beco sem saída.
Sem luz e sem sentido é a morte
Arrastando os grilhões do que resta
Sem dó sem piedade sem respeito
Pela dignidade dos ainda fragmentos
De humanidade – Uma tragédia ignóbil
De amor – é assim o inútil sofrimento.

Amei-te a vida toda com um inexplicável
Medo de te perder. Não admira a minha
Estupefacção por desejar-te o fim. A ti,
O meu princípio. A vida [dizem-me] é
Um valor acima de todos os valores.
E sei disso muito bem. Respeito a vida.
Mas eu olhava-te amorosamente e não
Sabia como lidar com aquele sofrimento
Insuportável ao meu olhar, ao meu amor.

Tu sofrias tanto. A luta era tão desigual
Que eu não desejava senão a paragem
Do coração. Do sofrimento. O medo?
– Os insondáveis mistérios da alma
Sussurravam-me o pecado contra a vida.
A luta era agora desigual só dentro de mim –
Sensível à dor do amor, cruel penar,
Ou submisso à utópica metafísica da alma? –
[Aquela que me angustia o dever do amor.]

– Pecado é não amar com o coração.
2010.06.06
José Almeida da Silva




Se eu tivesse um relógio

Se eu tivesse um relógio
Abri-lo-ia para lhe ver as entranhas.

[Há horas de amor e horas de solidão e dor;
Há horas de luz e horas de sombras e elegia;
Há horas de prazer e horas de choro e luto;
Há horas de esperança e horas de amargura e morte.]
………………..

Um dia encontrei o meu relógio que eu não sabia que tinha
Mas que, disseram-me depois, me fora dado na infância.
Então abri o relógio cheio de esperança. Descobri que não tinha
Coração. Pelo menos o coração que tinha na minha infância.
[Pelo menos o que eu acreditava quando era criança.]
Sempre os ponteiros desequilibrados como os pratos da balança
Que pesa os pecados e as virtudes ou a bem-aventurança.

Olhei-o penosamente. Depois deitei fora o relógio. Não me serviria.
Não me compreenderia. Não me orientaria para lugar nenhum.

Sem coração para que serve um relógio? Não sei acertá-lo.
2010.07.01
José Almeida da Silva





Dissonância

É como um maremoto o pecado,
Só força insubmissa da argila deslumbrada,
Dissonância musical da divina humanidade,
E sopro adormecido – a luz da intensa sombra.
2010.07.12
José Almeida da Silva

sexta-feira, 23 de julho de 2010

é necessário providenciar a claridade


Paul Klee "ABC" 1938

mesmo na periodicidade de um catálogo
na multiplicação de hexágonos de uma grande rede
como nas várias células biológicas de um tecido
na mistura de fronteiras sobram dois núcleos
e esse é o reconhecimento da diferença
mesmo que pequena

o erro da sociedade
qual âncora parada
baseia-se demasiado na doçura da colmeia
na voraz destruição da térmita
no tudo e no nada separando o universo


sabemos que os olhos não são os mesmos
quando olham o sol o mar o bosque
ou passeiam pelos passeios da cidade
mas há interdependência

não são os mesmos quando olham
os semáforos cinzentos
as grandes letras de montras
museus iluminados
calçadas pontes rios brancos
luas duplicadas estrelas apagadas
janelas de traços originais

não são iguais
na incidente capacidade
de imaginar de complementar de ser diferente

é necessário
providenciar a claridade
na dependência de leituras de útero
de gente gente de riso e lágrimas

na sobrevivência, na realidade -

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Expiação




dói-me o teu aparelho longínquo,
dói-me o irresistível artesanato
da distância,
dói-me o irrespirável teatro
ortopédico da salvação,
dói-me o choque frontal do amor
com a sua tremenda falta de humildade,
dói-me a anestesia do teu lugar vago,
dói-me a dança esquelética da minha dissimulação,
dói-me a propaganda póstuma das tuas mãos,

quando aplaudem a castração do herói em palco,
quando atrasam a pesquisa para a cura da neoplasia
da eternidade,
quando investem todas as suas economias e auroras
numa dimensão mais intolerante,
quando massajam a minha culpa ciclópica
e maltratam o meu endereço final.

dói-me, sobretudo, a grande subjectividade da dor,
a arquitectura desmaiada da esperança,
a longa travessia do rio líquor a nado,
a falsa assinatura dos seus contratos nervosos
com o imperdoável,
e o preço que eu pago
pela minha dor elegante
nas lojas mais prestigiadas da cidade
arrasada do amor.

(EN)GULA



(Es)passava passos ausentes, entre travos

e três passas.

Traziam-me espaços vazios e vontades não coerentes.

Para as desgraças,

a proporção em açúcares e colheres

de coisas quentes.


Entrei, sem alma nem pertences,

Contando pences e cascalhos de existências.

Não fosse eu segura e ciente

de sanidades e coisas semelhantes

certamente cederia à algibeira,

que em claros uivos e suspiros evidentes

chamava quem via com olhos

Mas decidia com dentes.

E que remédio teria

com tamanha gulodice?

Se as coberturas me abordam em descarada tolice?

Se os pastéis, as natas do céu

(Ámen p'ra quem as comeu)

Se os suspiros, os mil folhas,

(que para mil se vão tão cedo),

se desfazem à dentada

Num engano ledo e cego

que apetites

não deixam durar nada?

E sem mais que cortesias

"Boas noites", ou"Bons dias"

"Eram dois éclaires e duas fatias."

Mas que falta de postura,

Olhos mais do que barriga,

Eu que sem mais devaneios

Dou uma trinca mal medida,

e entre açúcar na camisa

e compota nos dois seios,

abocanho o meu pecado.

"Dizem que moras ao lado"

- entre trincas

e mais um bocado.

E sem mais do que migalhas,

e memórias de doçuras,

Se dão cabo de decências

E de linhas, e posturas.

Que enfado,

Sabe tão bem o pecado.

E Glória ao Pai, ao Filho

e ao Espírito Santo

E já nem rezo mais que comi tanto.

As estrelas de Modena



Lawrence Alma-Tadema (1836-1912)

um sinal de barco sem âncora que partiu sem porto.
um Kayak unilateral nos rápidos sem remos
sem a condição de evitar o impacto
perante as cataratas;
é necessário controlar a ansiedade.

os tambores rufam a banda toca
a cabeça no lugar estranho
os pés flutuam em piso branco.

as artérias de válvulas pulsantes ruborizadas.
confetis de carnaval e sopro de fitas redondas
ou em filas sucessivas e grandes de um chapéu mexicano.
Veneza no horizonte.

ao menor intervalo o gelo coloca no primeiro plano
a reunião científica, um artigo opinativo de jornal
a conversa síria sobre algum conflito radical;
é verdade
os segundos passam o mundo arrasta exige sociedade
depois passa depois passa depois passa.

na sequência de uma possibilidade
necessário apurar a consistência:
se há sinos no espaço luas crescidas
a intensidade de pensamento de quanto em quanto tempo
se rola e se enrola nos rolos do cinema
a mística a preto e branco de um filme antigo uma guerra
em Casablanca nas ruas de Paris os jardins de Luxemburgo
esplendor na relva em Nova Iorque: o enamoramento
não passa de uma possibilidade
não se deve procurar a exaustão supletiva dos cenários
é preciso saltar para os bastidores, descobrir o reservado
a singularidade de ter mãos como almofadas
de penas leves fora do lugar.

reflete-se o sol em lentes progressivas ao fim de um dia
e cria-se a faúlha e o incêndio
sente-se o medo e sem ele não faz sentido
quase uma afasia uma gaguez sem metro
( cair o espelho quebrar o encanto)
o receio de o próximo não ser ainda
o dia de pedras luzentes
- e a noite sem as estrelas de Modena.

já faz uma semana e vem uma vez mais
bem depressa a madrugada
o fim da noite
e o dia de um outro dia
tudo não passa uma possibildade
exagerada exigência naturalmente
a agenda classifica e lembra de novo a rotina
a sequência dos fios de marionete
um Pinóquio de Florença.

tanto tempo uma semana
uma semana depois do reencontro
porque não chega num sussurro de fada
a mensagem sem receio de horizonte
a revolução de uma nova caminhada:

às dez e trinta aguarda aguarda na Suiça do Chiado
não é demasiado cedo não é demasiado tarde
e os doces pela manhã não são pecado -

A árvore dos Pecados

ramdaq photography
O vento sem som.
Suave.
Sem ira, sem pressa, sem destino,
sem desfolhar o verde luxuriante da árvore.
Desliza, entre as folhas preguiçosas.

Suspensa num quase-que-cai indeciso,
uma maça vermelha, roliça e gulosa,
imagina-se Compal Ligth, em calda caseira ou saladas gourmet.
- Ah!... Quem me dera ser pêssego!
- Ah! … to be apple ou pomme de terre !
- Ah ! Que inveja!


Pelo tronco - majestoso, soberbo de si,
correm - no carreiro obediente,
formigas avarentas.
Fabricam carreiras e riquezas urgentes:
grão a grão, grão a grão, grão a grão
Muito pão.

No sopé,
ensonada, sob sete pecados mortais
Alice sonha chocolate e rimas em francês: ma mère, la mer, l'amour …

segunda-feira, 19 de julho de 2010

um rosto de mar


Magritte

o braço abria um sulco e ocupava o espaço
antes de água e plâncton.
gotas de diversos tamanhos procuravam margens
que nasciam dos dois lados
dos braços que avançavam
sem a direcção a terras areias ou plantas
a perder em distância as exactas formas
de praias e naturezas.

um horizonte rectilíneo
no destino de cada braço que seguia
- remo de sìncope e ar alveolar
fluido muito puro
que tornava orgânico e menos frio
mesmo ofegante e quente na saída.

os braços pararam
o corpo deitou-se no lençol do mar
os olhos trouxeram a queda do sol
a pele ganhou o brilho de sal
e a consistência de uma folha de papel.

suspenso de sons só de águas
- um rosto de mar.

dentro de si surgiu a memória
e a saudade
a saudade daquele rosto daquele corpo
-uma voz longínqua na música dos lábios
que ali não estando
estava -

sábado, 17 de julho de 2010

os olhos abrem a luz explode


aurora boreal

mesmo que o amanhecer seja de silêncio
não permanece a noite escura
os olhos abrem e a luz explode

quantas imagens foram que passaram
pelo quarto
a data por baixo
de altos e concisos óscares
a melhor interpretação
o melhor som
os pormenores mais belos de paisagens
o fantástico sem comparação
o melhor guião
a comédia o drama
a serenata de banda sonora

a noite em branco

e ainda dizem que a noite é escura

os primeiros raios por detrás da montanha
o início entretanto


os olhos abrem a luz explode
ao abrir o jornal uma bactéria atacou
três grandes gastaram 55 milhões
uma morte de vergonha repetida
um comboio descarrila
resta uma consolação nas notícias
oferecem um livro
Alice no País das Maravilhas.

os olhos abrem a luz explode
cala o último resquício de sono
o dia abre espreguiça-se e corre
não pára tem pressa -

sexta-feira, 16 de julho de 2010

O convite ao convite




I

Interessa-me fotografar a mobilidade do convidado,
fazer uma biopsia aos seus passos pela tradição
menos frequentada por mim

equipá-lo de uma cronologia compatível com o seu talento
para me diminuir

talvez um escafandro elegante e um desnecessário calendário omisso
o ajude a respeitar
um calafrio na cave que o come vivo
como um viveiro electrónico de instantes
com necessidade de recarregamento rápido
e actualizações várias
e sem acesso à sua palavra-passe
tamanha é a falta de rede nos subúrbios do êxtase,
nas vésperas do veredicto.

Quero um convidado à sombra da sua desproporção
constante e crucial.
Convicto do pouco tempo que lhe resta para aceitar
o convite, preparar-se rapidamente para a festa,
e sair de lá sem nenhuma garantia de lá ter estado
convicto.

II

Recordo que também eu sou um convidado
e tenho uma cronologia fomentada por interesse
alheio, elíptico e prolixo.

A desproporção amamenta o meu tempo derramado.
E sou obrigado a aceitar os acenos da inércia
quando não te tenho por perto
para voltar a afastar-te de mim.

Nasci de uma estrela teórica
na manhã programada
para nunca existir
a não ser
sempre
em Não Existir.

Uma insólita primavera nas unhas mascara,
de facto, uma doença rara nas raízes.

Somos, então, pelo menos, dois convidados.
Um deles com acesso à região do princípio.
Outro à do fim.

Sim, porque um dos convidados tem o dom
de poder também receber convites
e sms’s do infinito.

Um convidado não existe sozinho,
nem o amor pode ser democrático
por delicadeza,
por isso,
alguém precisa de alguém, e que esse alguém
lhe dirija por uma vez que seja um convite preciso
e que esse convite sobressaia
na monotonia monoteísta do presente
como um convite à ofensa
com um sistema de absolvição à distância
de um convite.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Tenho uma grande constipação


Fotografia retirada da internet



Tenho uma grande constipação,
E toda a gente sabe como as grandes constipações
Alteram todo o sistema do universo,
Zangam-nos contra a vida,
E fazem espirrar até à metafísica.
Tenho o dia perdido cheio de me assoar.
Dói-me a cabeça indistintamente.
Triste condição para um poeta menor!
Hoje sou verdadeiramente um poeta menor.
O que fui outrora foi um desejo; partiu-se.

Adeus para sempre, rainha das fadas!
As tuas asas eram de sol, e eu cá vou andando.
Não estarei bem se não me deitar na cama.
Nunca estive bem senão deitando-me no universo.

Excusez un peu... Que grande constipação física!
Preciso de verdade e da aspirina.

sobre a dor e o esquecimento


fotografia retirada da internet


o enorme grito do teu desespero
rompeu-me por dentro.
desceram os pássaros caíram as árvores.

os jardins despediram as flores.
um rodado negro de camião envolveu-as no opaco;
chão duro , de fósseis, de organismos devastadores.

um baraço de cordame circulou a dor
na roda do corpo como um bailado interminável;
a cabeça inclinada um triângulo obtuso no joelho
a giratória zonza sem possibilidade de paragem
o retorno o voltar atrás.

a tua dor imobiliza e prende as minhas lágrimas
como a chuva de um regador lento no interior.
porquê a chuva se lá fora o sol? Porquê?

queria ser Deus e ter o poder do esquecimento
para curar não só a dor
como a memória de
a doença o sofrimento

levar-te de volta ao baloiço
de pés ao alto cabelo ao vento e de frente
apenas uma arriba o grande mar
e em cada volta de azul crescerem asas

o nascimento de uma grande liberdade
e puderes voar voar voar -

quarta-feira, 14 de julho de 2010

aquando da não memória e do desejo


Salvador Dali "Amantes pacientes" 1970


difícil de entender a queda transitória, a ausência
de um enorme desejo
porque os ponteiros , os pequenos, os mais largos
ordenavam a fogueira
a continuidade diurna, o estado alienado
de ser leve, de ser pena.

um metrónomo de passos cada vez mais curtos
indicavam a paragem
porque os ossos tangidos de ritmos
elevavam o sangue ao estado mais vermelho.

o mais alto som dos sinos
aconselhava o intervalo e a calma
o recuperar do equilíbrio.
um fechar de asas com uma cabeça por baixo
como fazem os pássaros.

dizer de forma repetida
que assim são bons os dias
a auto hipnose na contradição
são bons os dias.

uma carga negativa.
a tentativa adormecida.

no entanto na manhã sem programa
acorda a mente, um corredor longo
de bibliotecas e livros de capas douradas
e aquele odor antigo de poeira húmida
toma o sabor de rastilho, luz, faísca
e os olhos acordam
no mesmo sonho grande

e no maior desejo -

segunda-feira, 12 de julho de 2010

A mensagem



Max Ernst "O nadador cego (efeito de um contacto)" 1931


de um lugar na longa linha do mar
sobreveio o nevoeiro pelo meio do areal.
tornou o rosto branco
no alheamento alto do astro.

a grande nuvem húmida, densa, invisual.
possível escutar os rolos de espuma
em rotinas de descida e despedida
longe, sem os saltos transparentes
de pequenas pulgas.

cada um em cada um e uma nuvem de fumo.
um branco muito branco, escuro.

uma voz de rumo ecoou sem corpo
naquele traje de gotículas e mãos cegas
um eco enorme a romper o silêncio:

não temas
segue o impossível -

domingo, 11 de julho de 2010

A síndrome





A quem apresentar queixa
porque a vida nos agrediu?
Como deixar nas desleixadas mãos
das autoridades incompetentes
um depoimento possível,
e a conivência histórica de um sorriso,
e um pequeno charco trágico no chão
desenhado pelas glândulas da incerteza
interpretado pela parafernália do príncipe,
dirigido pela má índole
e pós-produzido pela má-fé?

Como hesitar demasiado
sem correr o risco de deixar
de existir?
A quem apresentar as condolências depois?
Quando a gôndola do tempo se afundar
num doméstico erro de perspectiva
e numa boca sensivelmente aleatória e ortopédica,
já nenhuma originalidade na confissão vencer
senão a dos frescos dos tectos da síndrome

com as suas luzes estrábicas de submundo
fieis ao paradoxo de Proserpina
subsumidas tauromaquias
na pele

sábado, 10 de julho de 2010

Os Espanta-pardais


retirado da net


São resíduos de homens inclinados nos pomares
à sombra das aves

De camisa manchada pelas veias
de palha de peito aberto

Erguem-se os braços defronte do terreiro
e do fogo inimigo

Carregando uma paciência ao ombro
cheio de divisas e ninhos abandonados

No chapéu a pena de uma ave de companhia
e um assobio de bico vermelho

São homens cristalizados ao alto
pela terra salgada

E olhar tangente
ao campo de centeio decepado

Tiago Patrício Revista ÍTACA nº 1 Fev 2010

sexta-feira, 9 de julho de 2010

fotografias


fotografia retirada da internet


retrato real de uma cidade matinal
uma fábrica de molduras de vão de escada
alguns minutos de intervalo.

passa um gato pardo de orelhas deitadas
esconde-se rápido por debaixo do Maseratti.

dez operárias de avental branco e ar de enfado.

uma fuma trava e lança o fumo como um traço
enrolado em nicotina de marca espanhola
diz para a colega: tem força é mais barato.

uma treina os dedos sobre a estrela do carro
diz que se fosse dela saía e ía à praia
ver o mar sentir a areia.

sete caladas em contas de supermercado
nos filhos sózinhos em casa
na ida para casa dos avós que recusaram
de olhos pregados nos virtuais teclados
cheios de erros nas palavras.

a última sentada na penúltima escada
de um prédio de cinco andares.
mármore de Angola de boa qualidade
negro como o cabelo que pousava
no avental branco e a mão num copo grande
iogurte sabor de manga.
rodava a colher como se fosse um volante
liquidificava e tornava fluido
engolia no prazer e esticava a língua
lenta e presa na leitura da revista.

explodiu em voz de soprano causou pânico
o gato fugiu como um lince sobre o muro
escondeu-se num jardim.
alguém tropeça na esquina do passeio
caem os óculos
as letras ficaram mais pequenas.

parecia falta de futebol americano
- já viram já viram aqui na Maria -
juntaram-se como se tivessem ganho a lotaria
em transe em transe de ritual religioso

e riram riram de uma alegria espontânea.

esqueceram o resto-

quinta-feira, 8 de julho de 2010

o limonete e a alfazema



Limonete e Alfazema (retirado da net)



O limonete e a alfazema
Dois vasos circundados de barro
Na entrada de um jardim;
Intensidades ali pousadas.

Ela de aroma denso e vestido violeta
Algumas folhas pequenas de ser diferente
Um pouco fechadas sem ser incenso
Sem fumo que está um dia claro.

O limonete contínuo e monótono
Sem rotinas programadas
Oscila ao sabor do vento, longamente
Oscila e aguarda que se solte
Aroma e sabor iniciático, oriental
Profundo de chá.

O limonete e a alfazema
Os dois vasos lado a lado
Porque ela encanta e aparece florescente
E quanto ao limonete só terá sentido
Se lhe tocar o ramo muito perto
A embalar vazios - leve dança
A soltar perfumes - a mistura

E o mais que permanece e não se alcança
Na intimidade das plantas -

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Palavras para a Europa


(pintura retirada da internet))


Eu, americano das terras pobres,
das metálicas mesetas,
onde o golpe do homem contra o homem
se junta ao da terra sobre o homem.
Eu, americano errante,
orfão de ros rios e dos vulcões que me geraram,
a vós, simples europeus
das ruas tortuosas,
humildes proprietários da paz e do azeite,
sábios tranquilos como o fumo,
digo-vos: vim aqui
para aprender convosco,
com uns e com outros, com todos,
pois de que me serviria
a terra, par que se fizeram
o mar e os caminhos,
senão para ir olhando e aprendendo
um pouco de todos os seres.
Não me fecheis a porta
(como as portas negras, salpicadas de sangue
da minha materna Espanha)
não me mostreis a gadanha inimiga
nem o esquadrão blindado,
nem as antigas forcas para o novo ateniense,
nas largas ruas gastas
pelo esplendor das uvas.
Não quero ver um soldadinho morto
com os olhos comidos.
Mostrai-me de uma pátria à outra
o infinito fio da vida
cosendo o fato da primavera.
Mostrai-me uma máquina pura,
azul de aço sobre o grosso azeite,
pronta para avançar nos trigais.
Mostrai-me o rosto cheio de raízes
de Leonardo, porque esse rosto
é a vossa geografia,
e no alto dos montes,
tantas vezes descritos e pintados,
as vossas bandeiras juntas
recebendo
o vento electrizado.
Do volga fecundo trazei água
à água do Arno dourado.
Trazei sementas brancas
da ressurreição da Polónia,
e das vossas vinhas levai
o doce fogo vermelho
ao Norte nevado!
Eu, americano, filho
das mais vastas solidões humanas,
vim conhecer a vossa vida
e não a morte, e não a morte!
Não atravessei o oceano,
nem as mortais cordilheiras,
nem a pestilência das prisões paraguaias,
para vir ver
ao pé dos mirtos que só conhecia
nos livros amados,
as vossas órbitas sem olhos e o vosso sangue seco
nos caminhos.
Ao mel antigo e ao novo
esplendor da vida é que vim.
à vossa paz e às vossas portas,
às vossa lâmpadas acesas,
às vossas bodas é que vim.
às vossas bibliotecas solenes
de tão longe vim.
Às vossas fábricas deslumbrantes
venho trabalhar um momento
e comer com os operários.
Nas vossas casas entro e saio.
Em Veneza, na bela Hungria,
em Copenhaga me vereis,
em Leninegrado, conversando
com o jovem Puchkine, em Praga
com Fucik, com todos os mortos
e todos os vivos, com todos
os metais verdes do Norte
e os cravos de Salerno.
Sou a testemunha que vem
visitar a vossa morada.
Oferecei-me a paz e o vinho.

Amanhâ cedo partirei.

Espera-me em toda a parte
a primavera.

Pablo Neruda " As uvas e o vento" Campo de Letras (Trad. Albano Martins)

domingo, 4 de julho de 2010

Se nada tivesse tudo era. Para já sou só peso em suspensão, matéria transitória de sensações e sonhos, aspirando à leveza do colibri iluminado em cor.
Sigo as Palavras-estrelas e os Homens-luz, como se tivesse medo da sombra e receio da alexia muda da dor.
Respiro este teu beijo numa inspiração e aspiro à apneia dos meus lábios nos teus.
Amo em tudo o simples.
Nos teus olhos
O meu sol.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

tempos dela

Desta vez nem olhou para mim
dançava na roda
e o pescoço marcava o transe

havia Índios à volta
em sons de línguas verdes
nus da pele dela

e havia outros

autistas gelados
em danças de caça
sem pele

uma mão estava fria e a outra era inutilmente quente
e rodavam

à volta de quê - consegues ver
e lambia a mão fria

pelo fumo via-lhe os olhos
algas penduradas que arrastavam
o peso de toda a água do mundo

são iguais - dizia pelos dedos
Índios de gelo
e outros de magma que escorre
sempre envergonhado

queria avisá-la devagar
que era a luz de uma só perna
e milhões de braços dados
e o frio de dedos
não mortos mas de medos

sabia de hoje
de algas leves virtuais
e amores a monitores
gelados

e ouvia entre tambores

- nunca houve outros

fenda original

de um chão imenso interno
a um quarto branco sem sombra
escolho um ponto igual

dou um passo

o tempo quer dobrar-se entre nós
e escorre-me pelo corpo em algas macias
o espaço quer expandir devagar
para entrar distraído na minha velocidade

e mesmo que se prenda ali na metade
da metade da metade do que já percorri

chego lá

escolho o passo
como o fotão escolheu a fenda
para te seduzir

mas ele precisou que o tocasses primeiro
e eu não quero colapsar o mundo
à probabilidade de uma fenda

quero um passo lento
e o gozo de o escolher
bem aberto

escolho-o livre assim
para te chegar
mas ele repete
repete todos os outros

até ao passo original

Uma casa para a apostasia




Não tenho uma só casa para a apostasia.
O meu afastamento não permite limites
perfeitos
nem pegadas que indiquem qualquer acontecimento
impreterível
e, no entanto, eu já passei por ali,
já fiz com que o espaço se dilatasse para que eu pudesse
passar por ali
com o meu tempo excessivo e retraído
mas nem uma morada ficou para contar,
nem uma pensão, nem um mote de hotel de estrada ou de esquina
nem a derme crucial de um banco de jardim
todo voltado para a descrição ofegante da paisagem.

Nem a morte me deixou lá dormir
quando soube da forma como eu
desacreditava

e como era necrodinâmica
a minha vida.

incerteza




caem nuvens. caem nuvens.
uma montanha de dúvidas qual manto de amianto
a sublinhar o vento que é forte e levanta folhas
de árvores caducas e longas .
um chapéu de chuva esconde uma ruga mais funda
e o processo fotográfico de querer colocar imagens
num catálogo de sonhos, folhas aguadas de tintas
a secarem lentamente no acentuar de diferenças.

e não será importante haverem tantas?
digo das diferenças. podemos colocar cadeias ou rendas
grinaldas e cânticos de aves matinais, músicas estranhas
ou mesmo prantos, águas escorridas de lençóis, disfarçando
a imperfeição de ter os olhos negros, verdes ou castanhos
e não serem cristais de cloretos na volúpia de sinais
numa ginástica de brilhos a definir que podem ser felizes
mesmo os trajectos de ausências em direcção ao firmamento;
estrelas, estrelas e estrelas, estrelas redondas de íris
determinadas e conclusivas perante os perigos.

não é possível descrever, contar, editar o momento. sente-se
o momento quando se lê e se procura o canto das paredes
a sabedoria do silêncio, o monólogo com um ser inexistente:
será que?
o leve rubor, o suave retinir de uma pálpebra, o sobressalto
o acalanto de batuque africano, essa dança sem corpo, de corpo
a um ritmo alucinante, será que? o momento, o momento
aquele momento asfixiante e quente de girândola
mesmo que a neve, o gelo, o granizo, aquela aragem
contrariando o instante de luz, tempo de paisagens
argentinas, miríficas de risos e cores, mantas andinas
as flautas, a tez indecisa dos actores, a música
e no entanto quando tudo indica e magnetiza
a imperceptível nuvem de incerteza, a penitência de destinos.
destinos construídos nas diferenças como nuvens
azuis e cinzas caindo sobre o momento;
películas de céu, asas soltas, penas brancas -
caindo, caindo
caem nuvens. caem nuvens. a montanha de dúvidas
heterónima e indistinta a ocupar espaços
a desorganizar as sedas do espírito
como se fosse pecado
como se fosse pecado
as mãos , a boca e os lábios -

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Amanhecer


Matisse "A rapariga dos olhos verdes" 1908


Ouço bater o teu coração nesta manhã
em que uma luz de argila constrói o busto
do tempo, que um dia descobrirás dentro
de ti, e onde irás reconhecer um rosto
outrora amado. Mas não esperes; o dia de hoje é
o dia que desejas, e não é todas as manhãs
que esta luz te abraça com o seu fulgor
de ave, convidando-te a partir até ao fim
da terra. Não precisas de levar contigo
mais do que o sorriso que se abriu
no instante em que o sol nasceu; e
poderás enchê-lo com as palavras que
tantas vezes esboçaste, sem as dizer,
e agora fazem parte dos teus lábios
como a flor, que pertencia ao caule de onde
a cortei, para a deixar na mesa
que ficará vazia.

Nuno Júdice