quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Espelho




Que rompam as águas:
é de um corpo que falo.

Nunca tive outra pátria,
nem outro espelho;
nunca tive outra casa.

É de um rio que falo;
desta margem onde soam ainda,
leves,
umas sandálias de oiro e de ternura.

Aqui moram as palavras;
as mais antigas,
as mais recentes:
mãe, árvore,
adro, amigo.

Aqui conheci o desejo
mais sombrio, mais luminoso;
a boca
onde nasce o sol,
onde nasce a lua.

E sempre um corpo,
sempre um rio;
corpos ou ecos de colunas,
rios ou súbitas janelas
sobre dunas;
corpos:
dóceis, doirados montes de feno;
rios;
frágeis, frias flores de cristal.

E tudo era água,
água,
desejo só
de um pequeno charco de luz.

De luz?
Que sabemos nós
dessas nuvens altas,
dessas agulhas
nuas
onde o silêncio se esconde?
Desses olhos redondos,
agudos de verão,
e tão azuis
como se fossem beijos?

Um corpo amei;
um corpo, um rio;
um pequeno tigre de inocência
com lágrimas
esquecidas nos ombros,
gritos
adormecidos nas pernas,
com extensas,
arrefecidas
primaveras nas mãos.

Quem não amou
assim? Quem não amou?
Quem?
Quem não amou
está morto.

Piedade,
também eu sou mortal.
Piedade,
por um lenço de linho
debruado de feroz melancolia,
por uma haste de espinheiro
atirada contra o muro,
por uma voz que tropeça
e não alcança os ramos.

De um corpo falei:
que rompam as águas.

A noite continua



Lobos cinzentos de olhos atentos.
Em repouso. São mansos. Não abrem os dentes
não procuram a cor do vinho.
Nos contos infantis um cavalo coragem
e um cenário de frio
enquanto a coruja escuta os sons da noite.
Mas os lobos são mansos
e sopram, de lábios quentes.

Subtil, no escuro, subsiste um aroma de absinto
apesar de longínquo. A noite continua.

- assim desce a lua.

Coisas que acontecem aos 32 e a todos

Colegas de pó e azia,

Faço hoje anos, às sete e meia da manhã.
À 1h58 o meu cérebro iniciou um processo de metamorfose em couve flor. Sem dor.
Não tenho médico de família, apesar de ter já preenchido uma reclamação no Centro de Saúde da Batalha.
Podem recomendar-me especialista sem lista?
Agradeço que não seja uma zebra.

Obrigada,
Ana Janeiro