terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

dupla face do sonho


Gerhard Richter "Abstracto" 1995

as faces, as duplas faces de ser ou sermos
prisioneiros de um inesquecido impossível.

viajemos no lugar presente na barca que divaga
pleno indicador de magnetismo de bússolas
sem o desnorte das estrelas viciadas e azedas
sem as luas tristes e ázimas de homens pesados
e fardos de árvores, feixes de sombras;
segundo dizem os sábios não se cortam os ramos
sem eles não cantam as aves.

viajemos no lugar precioso das sementes
que nascem, que crescem, crescem
no esforço de romper as terras. Sementes
que descobrem o sol e a sede dos rios.
sementes que enxugam as lágrimas das musas
e sobem o sorriso dos lírios.

viajemos nos braços de prata dos espelhos
gémeos de lábios doces na profundidade
das diferenças.

poucos são aqueles que sentam e escutam
a serenidade dos montes, as dificuldades
dos arbustos onde dormitam os coelhos
e saltam súbitas as raposas. poucos
são poucos.

viajemos nas escondidas naturezas
e na sobrevivência dos segredos
como sonâmbulos nos sentidos
entre quatro paredes de quartos brancos
sem o pudor das vestes
velhas chagas puritanas
que não mostram todos os destinos
nem as capacidades interditas
dos lábios permanentes.

viajemos na dupla face do sonho
nem que ele seja sem o ser
ou sermos, princípios de desejos
impossíveis de esquecer.