terça-feira, 20 de abril de 2010

Demo Tape

Atravesso a nado porque o barqueiro é careiro
e lamenta o pescador que foi
de enguias de pé de porco
e sardinhas nas linhas a tecer forca
e espirra de frio e feio

E a meio de braçadas
vi o demo entrar na água
em salto sapato alto
peruca de laca teso pêlo
a cantarolar
Arrrluarrrr árvuiiiiiiyáaââ -vúáhêêê

Que horror!
Já devia ter juízo

e nisto passa zangado o barqueiro
e dá estalada de remo
e acordo na outra margem, salva pelo Demo!

Arrrluarrrr árvuiiiiiiyáaââ -vúáhêêê

E acompanhei à capela - vúáhêêê

e o barqueiro de guitarra
a dedilhar de garra desgarra:

Se não te levo eu
o diabo que te carregue
Tens medo do breu?
Foi o barqueiro que te fodeu

(Ana Janeiro)

sombra de nenúfares


Claude Monet




molhava o rosto na chuva da sua rua
conhecia pouco as trovoadas
o granizo da contrariedade- só
por dentro de personagens de capa -


aos poucos soube a razão das marés
ora descendo ora crescidas
e dos passos desenhados
grãos de areia cobertos de algas -

percebeu a imensidão do sal nas águas
o porquê da aurora e do crepúsculo
do acender de chamas luz e fumo –

era minúsculo um ser pequeno.

aprendeu o trabalho minucioso das agulhas
como rendas de espuma breves borbulhas
habitando a casa dos búzios –

quis ser invisível como as brisas.

pôs as luvas de boxe por dentro
percorreu o ringue de canto a canto
como os Lusíadas os descobrimentos
um eco da fala dos deuses na voz de Calíope:
conhece de ti ou serás perdido –

teve medo andou escondido.


acordava de olhos negros e vestia-se de branco
procurava a pele no pelo dos gatos a marca das pulgas
e regava nos jardins a sede calma das plantas -


viu um novo princípio
um grande lago
e a sombra límpida dos nenúfares -