sexta-feira, 23 de abril de 2010


Biblioteca Peabody


Nas estantes os livros ficam
(até se dispersarem ou desfazerem)
enquanto tudo
passa. O pó acumula-se
e depois de limpo
torna a acumular-se
no cimo das lombadas.
Quando a cidade está suja
(obras, carros, poeiras)
o pó é mais negro e por vezes
espesso. Os livros ficam,
valem mais que tudo,
mas apesar do amor
(amor das coisas mudas
que sussurram)
e do cuidado doméstico
fica sempre, em baixo,
do lado oposto à lombada,
uma pequena marca negra
do pó nas páginas.
A marca faz parte dos livros.
Estão marcados. Nós também.

Pedro Mexia, in "Duplo Império

os livros. os livros. os livros. 23 de abril 2010
DIZER-VOS ‘OBRIGADA’.

Dizer-vos ‘obrigada’ pelo encontro de ontem. Ao texto da conferência em que estou (ainda…!) a trabalhar, cujo título é “Topografias em (quase) dicionário: Rotas e travessias” e que apresentarei na próxima Terça-feira, acrescentei hoje um parágrafo. Vem a seguir à travessia entre poema e leitor e a Alberto Pimenta e Nanni Balestrini, falando sobre a diferença entre leitor e público. E diz assim:

“(…) Convoco uma experiência que me está muito próxima. De há uns dois anos para cá, tenho dado pequenos cursos de escrita criativa, que vão agora na sua terceira edição. A partir desses cursos e da amizade que foi sendo construída, construímos também um blogue (http://www.omarpareceazeite.blogspot.com/) e temos feito jantares mensais. O último desses jantares foi há precisamente seis dias. A um oceano de distância de outra partilha numa língua comum, partilho aqui e agora convosco da alegria dessa travessia real que é escutarmo-nos uns aos outros, em poemas trazidos por jovens e menos jovens, com profissões que vão desde a de empresária, professora de física ou professor de literatura, à de jornalista, tradutor ou psiquiatra. Alguns poemas vêm em cuidados manuscritos, acompanhados a cor, outros, dactilografados, outros ainda em pequenos papéis de ordem vária e forma irregular.
Neste último encontro (e porque nos tornámos mais exigentes no tocante ao espaço em que celebramos a poesia, dispondo agora de um local onde ela pode ser, ao lado de ementas elaboradas, experimentada a desoras), a viola prometeu vir a tornar-se um acompanhamento habitual – e a ela juntar-se-á, tudo indica, o saxofone. Talvez um dia destes alguém traga uma flauta, nunca se sabe. Ou um oboé. Não descurando o rigor, que, seja como for, no nosso caso é, felizmente, diverso do metodológico, porque assenta nas intensidades, estes são trânsitos que se situam fora de muitas elaborações teóricas e passam sobretudo pelo prazer da beleza, pela vivência de uma experiência estética apoiada na presença do outro, vivo, e no verdadeiro exercício dos cinco sentidos em torno da poesia. (…)”

Obrigada pelo sentir. Pela inspiração. E pela amizade.

ana luísa amaral

Musas de calendario





(Meus amigos, a todos os que estiveram na maravilhosa noite de ontem: assim a poesia ainda vale mais! Obrigado pela forma como me receberam e como emitiram as vossas fantásticas palavras e imagens. Deixo-vos com um poema acabadinho de fazer, em espanhol. Amo esta língua. Há muito tempo que já não escrevia nela e voltei hoje.
Abraços e beijos)




El poeta sigue creyendo
en calendarios con musas
y en todos los malos modos
de usarlas:
primero con sospecha y renuncia,
luego con ríos de curiosidad
gritos de guitarra y champán.

En los inmensos desdenes de su harén
el poeta mantiene una casa poco recomendable.
Más de cerca, en la apatía del patio:
un grupo de Marías Antonietas
menos famosas pero más probables
se desnudan del tiempo negro de la venganza
al que se entregaron como poemas
que se hacían pasar por milagros.

Hoy y siempre es martes de carnaval.
A los niños les sale muy fácil expresarse
jugando con el oculto bajo las dádivas
de la petulancia.

También les pasa lo mismo
a los poetas que siguen creyendo
en musas de calendario
figuras de santas en su despacho
que nunca cicatrizan en las paredes
totalmente fieles de la inevitabilidad.