quinta-feira, 6 de maio de 2010

a mãe que não era minha mãe


(fotografia retirada da internet)

a mãe que não era minha mãe
abria nos dentes largos dos pentes
longos cabelos antes negros agora cinzentos.
não segurava bem o rosto
nos dedos grossos e tortos da vindima
na contagem infinita de amêndoas
na lavagem de tecidos enrijados de gomas
no equilibrio de cântaros e cânticos de novenas.

terra longe de longínqua
terra seca e árida detrás dos montes
inclinada na vertigem das árvores
onde se erguiam ecos profundos
das ribeiras pequenas de águas sem vento
e rochas despidas brasas róseas d’ estio
onde agora gravuras antigas e bravias
nas máquinas perigosas dos turistas
nos rodados invasivos dos jeep’s.

o cabelo cinza naquele corpo tão ínfimo
naquela face estreita de rugas crescidas
podia ser um vestido e era rodilha
presa de muitos ganchos e um sorriso
no alto da cabeça calada e viva.

na ardência dos últimos dias foi míuda
em intermezzo de contos delirantes
correu de olhos abertos todos os campos da aldeia
onde cresciam figueiras e nasciam roxas ameixas
pêssegos peras maçãs duras de primavera.

levou águas frescas do fontanário
procurou os vaga-lumes as asas das mariposas
os louva-a deus as libelinhas e os gafanhotos.

riu como uma garota de um círculo de fogo
na dança louca do escorpião
e de como roubou de um ninho o rumor da rola.

soprou as palhas soltas na eira e seguiu o moleiro
colheu as uvas grandes de cachos gigantes
em cima da casa das fontes secas.

de mãos rápidas e dedos em movimento
colheu o feijão verde o tomate e os pimentos
guardou nacos de abóbora na sopa
preparou o doce melão para o vinho
o líquido puro para a melancia
cortou em quatro cantos 250 azeitonas
na talha de cerâmica com as cascas de laranja
e foi caminhando o seu caminho
ao som dos sinos -

olhava sempre para cima -

a mãe que não era minha mãe
quando morreu chegou ao céu -