terça-feira, 18 de maio de 2010

Quando o amor era som

Compasso binário
pé ante pé
numa manta de colcheias
ao teu ritmo

ao meu ritmo
notas na pele
pausas nos lábios
abraços em semibreve

no teu cabelo
pautas desalinhadas
de tons dourados

mínimas de ausência
as nossas mãos unem-se
apertam-se em sol maior

o teu coração
metrónomo exacto
orienta o meu descompassado
extasiado na dança rítmica dos corpos

o som fica
depois da música
dentro
dentro
dentro
em eterna vibração
em clave de si

Música arrepia ossos

Cuidado!

Se me tocas o esqueleto
a perônio
não quero ais

Estalo-te o osso
se te bato com os metatarsais

Cuidadinho com os meus ossículos!
Vai o martelo à bigorna
salta-me o estribo
parto-te os óculos
esborro-te partitura

Vai Lá tocar para o teu corpo e tem Dó de Mi, Si?

Ana Janeiro

Für Elisa




A repartição repartia processos de Kafka
Omnipresente de ruas douradas de Praga
Sem ser praga em viagem de searas;
Que não havia nem espigas nem voagens
Apenas uma minúscula formiga ou seria bicho?

No mesmo banco na altura indevida de um ouvido
Em roupagens de um vestido ; flores de poliamida
A música, os acordes de Für Elisa
Audível, audível .

No teclado dos dedos seguia na aurora neuronal
As claves andantes, as notas brancas, as sustenidas
Que não são tantas mas sobressaem no piano.

Tan taran tan tan taria a an. Taria a an. Taria a an -
Tan taran tan tan taria a an. Taria a an. Taria a an -


Como no interior original de um autista
A neblina, a nebulosa, um fumo de nuvem
Os marfins fugitivos, o corpo inclina
A cabeça sublima a sublime melodia;
O som dos sons tão colorido: o azul
O fuchsia magenta violeta e o verde rio.

Tan taran tan tan taria a an. Taria a an. Taria a an –
Tan taran tan tan taria a an. Taria a an. Taria a an -

A repartição repartia os lugares disponíveis.
De Kafka: metamorfose de lagartas
A crescer de borboletas.
Número trinta e três. Número trinta e três.
Só dois ouvintes no estampido de processos.
As folhas inflamadas caem duas de cada vez
Número trinta e três.

Os vidros reflectiam a voz do funcionário
Mas de olhos fechados a alma voava;
O maldito gafanhoto na seara.
O leve toque na palma onde o papel amarrotado.
Desculpe. Chamam. Por acaso –

Não não.Obrigado. o meu é trinta e quatro –

Tan taran tan tan taria a an. Taria a an. Taria a an-
Tan taran tan tan taria a an. Taria a an. Taria a an-
……………………………………………………………………………