segunda-feira, 16 de agosto de 2010

BEBER ( ou porque bebo )

Bebo consciente,
bebo p´ra me libertar da solidão
aquela que paira dentro de mim;
Bebo p´ra me sentir feliz
ou porque me encontro feliz;
....
Bebo porque sou livre,
e nunca p´ra me apoderar da liberdade!
....
Bebo p´ra compreender o ser humano
que tanto me desilude,
bebo p´ra sentir de forma efémera
que o mundo afinal é feliz,
e que ele permite por instantes
que meus sonhos sejam viáveis!
....
Bebo porque sou livre
mas nunca p´ra me apoderar da liberdade!
....
Bebo para fugir à rotina
que me desnorteia e trucida,
mas não bebo por paixão
ou sequer por dependência;
Bebo por lúcido desafio
p´ra sentir que vale a pena a Vida;
Bebo p´ra sentir que há um amigo
ao dobrar de cada esquina,
bebo p´ra mitigar a tristeza
e p´ra compensar a incredulidade,
o desamor e a frustração.
....
Mas juro que acima de tudo
bebo porque sou livre,
não p´ra me apoderar da liberdade
nem viver o desvario
de uma qualquer perversa emoção!

(António Luíz, in "Poesia pragmática: Poemas de vidas ",
a publicar em 2010 ).

alma


Kasimir Malevitch "complexo pressentimento de figura a meio corpo com camisola amarela" 1932

não é um campo aberto
não correm cavalos selvagens
não ressalta a claridade do dorso
a escurecida crina
o brilho largo e nervoso
das narinas, do pescoço.

quieto. quieto por dentro.
não me mexo.
as mãos cobrem-me os ombros
a cabeça descaída como as aves tristes
que descansam e arfam, arfam um pouco.
quieto. quieto e doente.

mesmo que se apresente o cientista
o médico, o cirurgião exacto
não há cura, não há láudano efectivo

apenas a evidente filosofia:
não há cura para a alma
quando está quieta, parada
sem corda
de uma roda de relógio

mas o tempo avança -