segunda-feira, 13 de setembro de 2010

o dia seguinte - 12 de setembro


Meca


um fim de férias desigual
na predominância de areias e mar.
de um descuido no gesto rígido
a inclinação de uma vara a estalar
a cedência de um disco na coluna
a dor aguda
a hérnia adulta.

no leito enfermo e branco
a pressão pasmada do silêncio
a sombra da lua.
o intruso surge e de súbito
o ruído voador de um insecto
mosca ou mosquito, o perigo
de um pousar lento
e a alteração do estado imóvel
incómodo ao menor movimento
o nervo o nervo
e o insecto que voa de asas indiferentes
em duplo looping de encontro à parede
à parte detrás da mesa
que suporta o candeeiro.
sente-se o medo.

há nove anos no canto superior esquerdo de uma sala
a seta obrigatória de um lugar sagrado – Meca
a inocência de muita gente e a crença
os muitos peregrinos e a viagem
o aspecto simbólico dos personagens;
toalhas de banho de roda do corpo
os pés descalços e os panos de quadrados
são tantos são tantos

há nove anos longe da terra
formigas escuras substituem os pilotos
cegam todos os discernimentos
orientam as asas nos milhares de casulos
janelas de aços e cimentos
e a fusão apesar dos amiantos.

a derrocada dos extremos
o fumo breve das poeiras
o ruído incrédulo das sirenes
caíram as torres gémeas.

no dia seguinte é mais negro o mistério
a contagem crescente das almas que descem
ao ground zero

no dia seguinte não se compreende a queda do império
e muito menos a alegria dos loucos que dançam
como se alguém tivesse o direito de ordenar a morte
de um homem, uma mulher, uma criança
o sacrifício no fogo de um bombeiro.

12 de Setembro no dia seguinte
depois do primeiro de Obama
o presidente negro
o enfermo no leito branco imóvel pensa
e sente um insecto enorme
dentro da cabeça

e a pergunta:
onde está aquele homem de barbas pontiagudas
perseguido de três mil almas
e os seus gritos de inocência
que nenhuma religião justifica?