quarta-feira, 29 de setembro de 2010

História sem importância

Fui esquecida, tão simplesmente isso. Enquanto, não há problemas no paraíso.
E sem notícias, também fiz de conta que não se despedia. Foi a única vez que fiz de conta, para não dar explicações, ou perguntar-lhe, achas mesmo que não arranjaria maneira de nunca chegares aqui?
Também não me apetece discutir sobre a vida não ser linear, quando o que interessava mesmo, era eu nem tentar decifrar mentiras.
Podia dizer, ok, faço a vontade a toda a gente, e pensar noutra coisa, mas não digo nada.
É tão simples quanto isso, deixei, fui depois esquecida, e é tão simples quanto isso para ele.
Se calhar apetecia-me contar uma história... A história de uma mulher que rouba uma jóia e pensa que, da mesma maneira que a roubou, alguém a pode roubar outra vez. Há uma desconhecida que passa, e só lhe interessam coisas com valor sentimental. Nem mesmo a mulher desesperada, nem mesmo que a jóia não fosse posse, poderiam uma coisa e outra entender, ofuscados pelo brilho mas na sombra.
Há um letreiro na entrada de um prédio por onde a desconhecida passa, posse = amor. Na porta ela escreve Posse = Posse, e como não lhe interessam contas, também escreve, Liberdade é o primeiro passo, sabe quem ama..
E a desconhecida foi para longe, não por lhe parecer que incomodava, estava apenas cansada de acreditar nos homens, outra vez!

Auto-retrato com fantasmas e mamíferos



Eu e tu: o resto são fantasmas. Fábricas de lençóis aflitos. Empresas inadequadas ao mundo visível. A disfunção eréctil da promessa de aparição.
A sociedade aquosa e secreta dos fantasmas. Espécie de produto catabólico do omisso, que é o distintivo do amor e a pistola impalpável do mortal, que por mais amar o próximo se tornou efectivamente longínquo.

A casa deserta, continuamente adiada, sem episódios de maior relevo ou directrizes. Horas mais que malignas escoam do espaço interior a sua manutenção inevitável. A invertebrada mobília da noite. Os moluscos da insónia. A escuridão adesiva. O silêncio adesivo. A música da água morta nas canalizações. Passos imperceptíveis, dados em falso num plano sem gravidade nem resolução.
Tudo parece evitar-se a custos baixíssimos. Um aquário cheio de instantes destruídos, adaptados entretanto com as guelras da memória vã.

Eu e tu, dois mamíferos elegantemente despidos, maravilhados com as suas imperfeições ideais.
A luz da Lua que atravessa o postigo e descola imagens e desloca olhares. Técnicas nulas e mistas para acender a audácia, para ascender à audácia, como se estivéssemos mergulhados na pré-historia do ânimo e do aviso, no futuro trémulo da hesitação.
E no entanto, passeiam-se à nossa volta as formas plenas da desobediência em lingerie, influentes flores do interlúdio, os dejectos delicados da insensatez que já não nos assustam com a sua epilepsia de província.

por tudo aquilo que ofertas desviado do humano




por tudo aquilo que ofertas desviado do humano
não reconheço margens nem limites –
abres as raízes em crescimento dentro de um rio
rodeada de líquen, itinerante e vaga
de olhos agudos e sensoriais retinas
na mistura de músicas e distintas melancolias –

e em cada dia que termina, conforme os quartos da Lua
mudas e mergulhas e vês o Mundo
na dilatada iluminação de íris e pupilas -

e iluminas -