terça-feira, 16 de novembro de 2010

Retrato do poeta quando jovem


Manuel Moral 1977


Há na memória um rio onde navegam
Os barcos da infância, em arcadas
De ramos inquietos que despregam
Sobre as águas as folhas recurvadas.

Há um bater de remos compassado
No silêncio da lisa madrugada,
Ondas brancas se afastam para o lado
Com o rumor da seda amarrotada.

Há um nascer do sol no sítio exacto,
À hora que mais conta duma vida,
Um acordar dos olhos e do tacto,
Um ansiar de sede inextinguida.

Há um retrato de água e de quebranto
Que do fundo rompeu desta memória,
E tudo quanto é rio abre no canto
Que conta do retrato a velha história.


(In OS POEMAS POSSÍVEIS, Editorial CAMINHO, Lisboa, 1981. 3ª edição)

no lençol de areias helena sobrevoa


Mario Sironi 1933

no lençol de areias Helena sobrevoa
em asas leves atravessadas de azul
como névoa fluida e breve.

no plano fixo das gaivotas, hesita
reflexiva, no entretanto de uma rocha;
uma vez alta, outra encoberta
de passagem, como uma cabeça sem forma
um chapéu amarrotado, a ponta de um icebergue
e as lapas e os limos e as ameijoas
de olhares abertos.

rude rocha, um pedaço de praia, um destroço
das altas ameias de uma Tróia destruída
onde o fumo e fogo dos exércitos em revolta
e o ruído beligerante, simbolicamente -

e o mar de muitas ondas
em canto de desassossego, murmureja
consequências de luas brancas
enquanto Helena -