quinta-feira, 25 de novembro de 2010

o poeta é uma construção aglomerada


Alejandro Solar "Almas de Egipto" 1923


um a um e em cada casa, o tijolo faz parte
de uma construção aglomerada: trabalho, cimento e ferro.
o poeta não esquece a casa, o pó material
as chuvas rotineiras, as linhas tortas da realidade.
o poeta não é nenhum astronauta na abóbada umbilical.

os poetas são “obscuros” e são “claros”
porque não acreditam em tudo e muitas das vezes
não acreditam em nada
esvaziam a campânula até à extremidade
um vazio quântico, até ao big-bang.
colocam os joelhos como cotovelos dos olhos
as pernas como bengalas e sobem estradas, encostas pesadas
de sombras vagas, oblíquas , indomáveis.

os poetas precisam atentar, não se trata de procurar ilhas
inferir de certezas, habitar em Marte.
na lógica dos poetas, as cidades podem ser campos
e os campos ter prédios altos. estranhos personagens.
conversam também com os lagos, as árvores e os pássaros
e são famosas as análises com as pedras interessadas.

mas, os poetas, recusam o ecrã da dupla realidade:
um perante o outro, outro perante a alma.
desta forma, cortam-se em pedaços
tentam da maneira mais áspera, a transcendência;
conhecimento e conhecer-se, na árdua tarefa
de ser apenas legível, a pequena percentagem.

o poeta é aglomerado, como arma usa a metáfora.
a metáfora é um olhar com fome -