terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

o encontro inefável no dia dos namorados





não era já tarde…..nem altas horas da madrugada
era a hora da coincidência pelas calçadas da cidade;
o encontro, o cruzar de olhos, o sorriso largo
a direcção dos braços, a impossibilidade de não ser barco
e não navegar, não navegar na linha contínua dos afectos
namorava……………………………..namorava -

não era já tarde………………nem altas horas da madrugada
era a hora até aí improvável da continuidade
(nunca mais disseste nada……….eu devia ter falado)

pensava na voz fechada à luz de um encontro inefável
(quero-te…………………………………….quero-te)
e lembrava-se de um poema escrito há muito tempo
guardado no meio de um livro, no segredo da biblioteca
de uma casa junto ao mar………………..quero-te
assim se chamava assim se chamava:

“quero-te da mesma forma que me quero na mais pura realidade
sem a presunção de aliviar todas as chuvas e tempestades
pousar os trovões como folhas navegáveis no espelho prateado
quero-te e quero-te na síntese forte do poema
o grão de ouro a película mágica imune a toda a realidade

porque a realidade dói como uma lança
enche-nos de medo torna as almas pesadas
provoca dos mares a revolta causa naufrágios.

bem sei a realidade é um farol decapitado
do qual nunca se desiste ao imaginar o cais
e as memórias são letras de páginas encostadas
na grande biblioteca das surpresas
descobertas descobertas
como quando na praia roubamos as areias
a escoar por entre os dedos a escoar por entre os dedos
e entre as levas aquela mais larga mais única
mais branca mais raiada que nos prende
reassumindo a importância
ali à nossa frente apesar de tão gasta
a memória do passado
uma imagem, uma imagem que fala
tremendo tremendo em traços unidos e ruídos desfocados
uma imagem uma imagem que fala
mas que não existe e já não é realidade -“

pensava pensava
escrito há muito tempo naquela casa naquela casa
escoando memórias como areias
lentamente lentamente há muito tempo
antes da hora da coincidência naquela rua da cidade
escrito há muito tempo
junto ao mar -

e permanecia na circunstância
de ter vozes caladas...............vozes caladas
repetidas………… repetidas…………….......... repetidas
dentro da cabeça…………………..dentro da cabeça
repetidas…………………………………..repetidas
(quero-te………………………………........quero-te)
(quero-te da mesma forma que me quero
na mais pura realidade -)

e ainda as outras vozes de um coro grego
dentro da cabeça.......dentro da cabeça:

“é pouco provável só a chuva de maná
e não há só universos plácidos
a realidade é feita de acertos e reticências
nos passos definitivos que são e acontecem
caminhos caminhos
os mesmos caminhos em que o cérebro cresce
aumenta a sinapse e se torna ágil -


toda a realidade é um tempo adiado
de uma outra realidade - “

não era já tarde..........nem altas horas da madrugada
caminhava caminhava caminhava




José Ferreira 15 Fev 2011