terça-feira, 1 de março de 2011

Lagos e Vacas




Se há alguma coisa verdadeiramente perturbadora, essa coisa é a actualidade. E o facto (ainda mais perturbador) de não existir, por exemplo, medicação que nos afaste um pouco dessa persistente pátria espontânea que é a actualidade de tudo e de todos, e, ao mesmo tempo, a de nada e a de ninguém.
No fundo, estamos tão sentados em cima da actualidade, como o poeta do relato de Hélder está sentado em cima da Holanda. Já sem recursos suficientemente convincentes que o levasse a tomar a decisão (ainda que teórica, apropriada) de se deslocar, ele (mantendo-se em cima da Holanda) pensa na tradição. E nós pensamos na tradição, com ele. Depois ele diz para si mesmo que é “alimentado pelos séculos, [e que vive] afogado na história de outros homens”. E nós repetimo-lo, repetimo-lo incessantemente, num estado de transe, próximo da ecolalia e dos estados catatónicos mais primários, enquanto engolimos água, e nos engasgamos com pedaços das biografias alheias que vêm dar à costa dos nossos dias partilhados.
Mas há um ponto em que, definitivamente, discordamos. Esse ponto é quando o poeta, depois de dar conta da perdição da sua alma (até aqui, não há nada a objectar), se reconhece ao encontrar, perto da sua solidão, primeiro um lago, e depois vacas.
Ora, parece-me muito pouco provável que haja lagos e vacas na actualidade.

imagens interditas




não me perguntes nunca Como me sinto.
é um convite à mentira. um apertar doído.

as palavras de fogo promovem o silêncio
e acendem um reino escuro. a implosão do templo.

a aparência externa de uma brisa segura
esconde a turbulência a grande nuvem
a poeira imensa de crinas selvagens
os ruídos de vento imperceptíveis.

a aparência externa comprime e limita as ondas
o bombardeamento de espumas marítimas
passos compreensíveis incompreensíveis passos invertidos
ao olhar de krípton que enfraquece os sentidos

e o esfumar de imagens interditas
dentro da verdade que não digo -

José Ferreira 1 Março 2011