quarta-feira, 23 de março de 2011

os barcos planos dos papiros



muito falámos de papiros, esse papel em tiras e antigo
onde dormem, enroladas, em imagens, as palavras.
e vejo-as, precisas, na geometria de uma colmeia
favos, favos de mel doce, de geleia, abelhas , asas.
e vejo-as, as palavras, nascentes, rios, águas decididas
em queda, mas sempre brandas, suaves
sedas, onduladas de brancos, de rubros, de verdes
na lisura digital dos meus medos
voltas em voltas, círculos velozes na cabeça
nos cabelos tisnados de negro -

escrevo-as soltas e unem-se.
independentes, insubmissas,
diferentes, imprudentes, permanentes, resistentes
como barcos planos de papiros
navegando, navegando, sempre e quando
tão parados e ao mesmo tempo sem sossego -

nunca te afastes do mar,das cores, dos segredos
esses fumos de incenso, névoa, névoas
nunca te afastes do mar. não confies no silêncio
neblinas de substância, de sentidos
sombras de sombras, cortinas, espelhos -

por vezes, não escrevo. enclausuro a tinta
pouso a caneta no tampo ou dentro do bolso esquerdo
enquanto me visita o gato branco
o castanho de muito pêlo
o cinzento encostando uma orelha
e o outro como um novelo, de cabeça e dorso ao mesmo tempo -

e doem-me os dedos em cada movimento, enquanto penso -
e todas as articulações do peito, no incomportável receio
enquanto penso -
nunca te afastes do mar
da semente -