quinta-feira, 21 de abril de 2011

A fibra óptica de Ícaro

I


ouvem-se menos as esquinas lá fora


os touros andam distraídos

em redondos dentro de redondos

galerias de pedra de redondos

(só um infinito podia deixar acabar-se assim em redondo)


de cornos sensíveis

a uma certa inclinação de sangue

alguns dançam e rodopiam pescoços

(a mais bela transição)


lançam corpos moles em hélice pelo ar

sabem que os reflexos nunca obedeceram

(a pedra redonda sempre foi um bom espelho

e um touro não pode ser deus)


fica sempre um gesto letra-borboleta

naquela pá-limpa-cesto pouco limpa de mãos

um dedo mindinho girado aleatoriamente

e escrevem-se infinitos de mãos dadas


II


ouvem-se menos as esquinas lá fora


touros sérios sentados em cadeiras olham-se de frente

sentem como certa a inclinação

o binário das esquinas das estrelas dos cabelos das caras moles

o encontro forçado das paredes


quando dois

catorze (infinitas) portas

abrem e piscam em fibra óptica

o céu é um emaranhado de fios de néon azul

(cada um a puxar a saia azul de uma princesa)


e os touros desenham danças inclinadas

(antigos avisos)

na pedra redonda


há sempre touros calmos a rir

de cornos azuis

a adormecer informação nos terraços

em relvas mornas de vulcões


III


ouvem-se menos as esquinas lá fora


(e se existem cornos e esquinas)

a informação queima as asas


só tambores debaixo de água

cheira a mar

e é impossível voar acima das fibras ópticas azuis

sem puxar à velocidade da luz

as saias de todas as princesas



em roda tribal (que nunca se soube escrever)

de sentido contrário à inclinação

pendurados por milhares de fibras

às grandes asas mecânicas

há touros centrífugos a acelerar


e mais alto que o ritmo das esquinas

ouve-se no seu canto:


a casa é um labirinto com uma certa inclinação para o mar







Um poema de Sophia - enquanto longe divagas


Fotografia retirada da internet

I

Enquanto longe divagas
E através de um mar desconhecido esqueces a palavra
- Enquanto vais à deriva das correntes
E fugitivo perseguido por inomeadas formas
A ti próprio te buscas devagar
- Enquanto percorres os labirintos da viagem
E no país de treva e gelo interrogas o mudo rosto das
[sombras

- Enquanto tacteias e duvidas e te espantas
E apenas como um fio te guia a tua saudade da vida
Enquanto navegas em oceanos azuis de rochas negras
E as vozes da casa te invocam e te seguem
Enquanto regressas como a ti mesmo ao mar
E sujo de algas emerges entorpecido e como drogado
- Enquanto naufragas e te afundas e te esvais
E na praia que é teu leito como criança dormes
E devagar devagar a teu corpo regressas
Como jovem touro espantado de se reconhecer
E como jovem toiro sacodes o teu cabelo sobre os olhos
E devagar recuperas tua mão teu gesto
E teu amor das coisas sílaba por sílaba

II

O meu amor da vida está paralisado pelo teu sono
É como árvore no ar veloz detida
Tudo em mim se cala para escutar o chão do teu regresso

III

Pois no ar estremece a tua alegria
- Tua jovem rijeza de arbusto –
A luz espera teu perfil teu gesto
Teu ímpeto tua fuga e desafio
Tua inteligência tua argúcia teu riso

Como ondas do mar dançam em mim os pés do teu regresso

Sophia do Mello Breyner