sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Não digas nada - um poema de Maria do Rosário Pedreira


fotografia retirada daqui

Não digas nada – a tua boca já me pertenceu
e agora tenho ciúmes das palavras. O que
disseres será um beijo pousado nos lábios de
outra mulher, dor e mais dor, traição maior
para quem acreditou que o teu amor era para
a morte. Não fales – tenho também ciúmes
da tua voz; ouvir-te é ficar só uma vez mais.

Maria do Rosário Pedreira (lido aqui)

Bach e o filme de um homem calvo



Li as tuas palavras antigas
E caíram-me bem como o som de Bach
Num carrilhão de cinquenta sinos;
Um filme francês, há dias -

Mas não interrogues as estrelas
Conto-te, sem pressas, uma história pequena:

Um homem calvo
Queria rumar ao sul e encontrar praias azuis.
Usaria um método infalível -

Falhou o plano, em vez do Sol, o frio do Norte
Uma vila pequena, gente de aldeia, um susto grande
Restava a conformidade obrigada, a penitência
E o degredo, num lugar selvagem, primário
Até o reaprender da linguagem -

Mas a música grande nas almas que julgava pequenas
Fizeram crescer mãos e braços sobre o homem calvo
Uma concha de afectos, e o mundo mudou -

O Norte não era tão frio que congelasse os pés
Nem tão empedernido que estalasse a alma
E enquanto na alta torre da igreja medieval
O cobre dos sinos discursava
O homem calvo largou a mensagem
Na janela mais alta, estreita e longínqua
em serenata à lua, e em inverso
de cima para baixo a uma mulher na rua
de olhos brilhantes e mãos lancinantes, impacientes -

Tudo contrariou a previsão do início
Completando assim o sentido primeiro do poema:
O bem que fizeram as palavras antigas e a melodia;
O som de Bach -

Que segundo consta nas pinturas das fotografias
Não era calvo e usava caracóis grandes

Por companhia -


José Ferreira 2 Setembro 2011