quarta-feira, 19 de outubro de 2011

talvez pudesse esquecer que a luz entrava pela janela


Wateau

talvez pudesse esquecer que a luz entrava pela janela como uma garganta surda
e talvez pudesse adormecer de novo para esquecer o dia.
o sol caminhava pelas falhas frias do seu corpo como uma lembrança
como um rosto, como uma mão de unhas não demasiado longas
que junto das orelhas, puxava os cabelos, sem pressa, em ritmos síncronos.

que fazer naquele pó de gritos?
que fazer naquelas dobras brancas?

a voz saiu-lhe espantosamente límpida
como a transparente água que oscilava
sem flóculos no invólucro de vidro,
onde
um peixe vermelho abria brânquias,
rodando, tonto de tantas voltas:

que fazer perante a ausência?
que fazer quando não abres a boca
e surges tão difusa, só de sombras?

José Ferreira 19 Outubro 2011