quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Criação - um poema de Cesare Pavese


Fernand Léger

Estou vivo e de manhã surpreendi as estrelas.
A companheira dorme ainda e não sabe.
Dormem todos, os companheiros. O claro dia
vejo mais nítido que os rostos submersos.


Passa um velho à distância, a caminho do trabalho
ou a gozar a manhã. Não somos diferentes,
ambos respiramos o mesmo esplendor
e fumamos tranquilos para enganar a fome.
Também o corpo do velho deve ser puro
e vibrante – deveria estar nu ante a manhã.


Esta manhã a vida escorre-nos na água
e em terra: em torno o fulgor da água
sempre jovem e a descoberto os corpos de todos.
Haverá o grande sol e a aspereza da praça
e o rude cansaço que nos verga para o chão
e a imobilidade. Estará a companheira
- um segredo de corpos. E cada um dará sua coisa.


Não há voz que rompa o silêncio da água
de manhã. Nem nada vibrando sob o céu.
Apenas um calor que dissolve as estrelas.
Treme-se ouvindo vibrar a manhã virginal,
como se nenhum de nós estivesse acordado.


Cesare Pavese