quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

que lindo que me mandaram no natal...

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Cai a noite e as ruas ficam repletas
de escuridão e vazias de gente. Por cada
casa que passas brilha o que resta de uma
noite milenar. Imaginas a alegria dos
reencontros principalmente quando a
distância é apenas a do abraço. Decoras
uma música atrás de outra como se
talvez fosse importante manter-nos
em vigília. E quase de repente acreditas
que a infância ainda é um mapa do
tesouro que esconde as mais complexas
explicações do mundo.
.Dezembro de 2011
Sandra Costa
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Sintomas e Síndromes - um poema de Ana Luísa Amaral


fotografia daqui

Primavera em sintoma repetido.
Estão aí outra vez, intrusos na
manhã. Não me deixam pensar.
O gato quer sair, treme ao vê-los
nos ramos a cantar. Preciso de
pensar. Silêncio em síndrome.
Ruídos de madeira, o tempo a ba-
dalar, são dez e meia. Intrusos
no meu sono de pensar. Preciso
de ar. Mas eles são piores, agora
na manhã já levantada, juntaram
companhia. É ópera de azul.
Um Wagner maior. Navio Real.
O enjoo do ar. Preciso de pensar.
Mas cantam. Cantam. Canção que
não me deixa nem ramo de pensar.
Primavera outra vez e todas as
manhãs o seu sintoma. O gato em
frenesi a tremer mais ao vê-los
a saltar de ramo em ramo. É
primavera e cantam: ligações i-
legais, o ninho em alvoroço.
Só um falcão de asa franjada e
preta que tem casa aqui perto
e que não canta. Só por ele eu
podia pensar. Só por ele o meu
ar, como um telhado. (E o gato
sem ousar-se, viciado, nem
exibindo assim, junto à janela,
estes sintomas de delirium tre-
mens.)

Ana Luísa Amaral, Assinar a Pele, Assírio & Alvim, 2001