quarta-feira, 29 de agosto de 2012

nunca te disse o que penso do crepúsculo



                                         William Turner

há um tempo para se ser diferente.
não sabemos de todas as iluminuras do sol
e quando surge o arco-íris o céu é uma fantasia..

a manhã não se revela, está coberta de neblina como um dia do Tamisa
e os olhos caiem sobre as montras como se fossem paisagens
não o vidro duro de fronteiras, não um lugar de objectos
vê-se ao longe o verde de uma planície -

ao teu lado esquerdo pergunto se escutas os mesmos sons
o correr de águas pelas fragas lisas
ao teu lado direito se  escutas os mesmos pássaros de asas esticadas
e os patos de corpo pesado e voo atrapalhado
pergunto ao centro se nos teus olhos também não há um horizonte
que se estende e se descobre pelos segundos que surgem
que habitam e se desenvolvem cheios de raízes
numa aura luminosa e perceptível -

pergunto se sentes um chão de areia na calçada
com os pés abertos, de cinco dedos de cada lado
apesar da montra que existe e não existe
como argumento e  intervalo -

pergunto se imaginas do mesmo modo as praias vazias
um envelope de maresias  e ruídos
uma carta escrita para viajar por cima
e se vês ao longe o mar na recorrência imparável das ondas
na cor branca e nos limos verdes
pergunto se vês as crinas de energia nos reflexos da superfície
e se sentes o calor no pedestal da nuca
na manhã que é manhã e quando não há crepúsculo

nunca te disse o que penso do crepúsculo

é uma aguarela de Turner para lembrar mudanças
na infinitude das águas salgadas
são segredos sussurrados de cores escondidas
na ondulação de  palavras que não se entendem, não se vêem 
mas dizem, dizem numa voz que é modulada de harmonias
na explosão da cor, dizem
dizem, plenas no significado que conduz para além das fronteiras 
para além dos vidros e das fogueiras de pratas e platinas
para além do ouro humano, para além do ouro perecível
que há alma e almas que voam leves
até à planície dos sentidos-

o crepúsculo como linha no fundo do mar diz o que queremos ouvir. 
como esta pluma que se imobiliza na manhã vestida de Tamisa
o crepúsculo diz, assim de surpresa e sem contar
como Turner dizia:
há um tempo para se ser diferente
mesmo que não saibas a hora, o dia e o lugar -

josé ferreira 28 agosto 2012



Sem comentários: