segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

a primeira lua do ano


Gerhard Richter

janeiro começa sempre parado, move-se lento,
de portas fechadas –
na primeira manhã rompeu o sol ao meio-dia,
iluminou as arestas brancas de um meteorito na Boavista –
lembro-me da escolha de um concerto faz dois anos
ou um, já não fixo, há sempre nuvens que atrapalham
e os corredores da cabeça são de uma casa cheia de pressas,
guardam muitas coisas em quartos escuros
que se tornam claros só muito mais tarde –

inicia-se a cronologia.
já soam as pancadas de dedos nas letras
como se fossem de tosco e bruto barro,
tornando-as redondas, mostrando-lhe os braços
e a cor azul dos olhos, de que se alimentam –

escrevo-te,
o primeiro,
o primeiro poema do ano, na primeira luz da primeira lua,
nos ponteiros tardios da abundância com que te penso,
ao batimento preciso do metrónomo cardíaco;
ritmo alto, pulsação ao segundo,
muitos, muitos, que nunca são os últimos
e se renovam de formas muito brancas, em espumas
escoando lentamente com o ruído das ondas –

bem sei que os dias são carregados de nevoeiros
e os relâmpagos são prometidos pelos deuses dos metais brilhantes,
mas não sei a que propósito lembro-me da rosa de hiroshima
e daqueles cálculos que erram por milímetros, ou metros
e cientificamente lançam-nos no precipício –

não me tomes por lunático nem por bicho do mato,
os dias são sempre vestidos, é difícil penetrar essências,
ninguém sabe a verdade –

sem o dizer exactamente, alguém me disse:
não tinha que ser assim, fiz sempre de modo diferente
não foi a máxima derrota nem o estandarte da vitória
luto com as circunstâncias e acredito nas passadas da alma,
conforme os dias -

no primeiro poema que te escrevo não consigo dizer tudo
e é sempre muito pouco daquilo que penso, já o disse.
é como se na inconsciência que me persegue e habita
guardasse as metáforas como um sopro de vento,
para ser um sopro de surpresa,
desde o primeiro dia

e durante o ano inteiro
quando apareça -

josé ferreira 1 Janeiro 2012