segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

sei que te cansas quando pára o vento


imagem daqui

sei que te cansas quando pára o vento
quando cessa o movimento e pára o dia
sei que te cansas quando pára a cor
quando se perde o girassol
e os campos são nítidos de vazio –

os círculos não podem perder a velocidade, dizes
não podem perder a tontura centrífuga, dizes
precisam do arco das penas e do ar de suporte, dizes
a subida a um lugar de onde se vê tudo
sem chão e sem a gravidade do cinzento
o insustentável desvanecimento
o azul é o caminho –

o lugar é único e moves-te como ninfa;
um lugar sem cartografias, de nuvens sem linhas
um algodão suspenso a meio caminho
soprado pelo vento para cima
sempre para cima –

e depois a promessa e o eterno afastamento;
um leão de ausência, a selva no vazio -

como nos noves meses de um parto
assim não se explica o rosto, a cor dos olhos
a inclinação do nariz.
como no parto antes de ser
o rosto surge como inanimado, de cera, resistindo à água
e não cresce, não abre os lábios, não faz nascer a palavra.

não temos falado é certo e hesitas decidididamente, digo –

o momento, a hora marcada, hás-de ouvir-lhe os passos, dizes.
os vidros, a janela, o corpo deitado numa cama desarrumada
e os gatos, sempre os gatos, de olhos esticados
talvez um dia, dizes –


não é possível deduzir e não se explica o azul
o intocável céu e o mar que parece impossível
o horizonte longínquo e o equador de linha invisível
a sedutora mania que se afirma
o simbolismo de um gesto, o improviso –

não é possível deduzir não se explica
porque apertamos cordas de nós que parecem infalíveis
e porque se desprendem.
qual o momento definido?

será que existe o fogo que escreves como clic?
não eternizes, digo.
a eternidade pode não existir.
não coloques o éter nos sentidos
e ilumina
o insustentável azul
e a nitidez do caminho -

josé ferreira 29 janeiro 2012