terça-feira, 31 de janeiro de 2012


talvez os polegares não desviem as águas
dobradas pelas raízes 
em conversas a fio
pensava nela a regressar das raízes pelas mãos
de como se lembra de toda a água que já foi
e se ouve ainda o fechar da maré 
em cada rotação dos seus olhos
ouvia repetidamente
divide a luz se te atreves
e talvez aí a sombra
cada célula 
grávida de um segredo:
não espero da água 
o que espero de mim
que no código de vez em quando 
tenha sobrado um verso:
pode levar-se uma pergunta ao infinito
ou dar-lhe um beijo

a ideia antiga (Old Idea)



.........The troubles came I saved what I could save
.....a thread of light a particle a wave
L.Cohen

recupero um poema e deito-me sobre ele
como se falasse e tivesse mãos, dedos, cabelos longos
a ideia antiga –

um poema de mulher
a mulher
de olhos ternos, eternos -

em Abril corriam os rios pelos sinais das nuvens
a janela estava fechada e os vidros tracejados de gotas;
escrevi-o como se cada palavra fosse um pedaço de roupa
a cair, a desnudar o corpo, o teu, o meu, ao mesmo tempo
e à distância:

- serás sempre, disse-o. não chovia -

reli-o na última hora de um dia.
Janeiro, não estava frio -
caiu-me no colo como Freud, o gato branco
de olho azul, não na cor de safira mas mais claro
encolhido na curva quieta da cauda e ronronando
como um motor de barco abrindo as águas e olhando o rio -
caiu-me no colo como se fosse uma canção de gôndola
um sole mio num canal de Veneza; um remo longo
uma camisola de algodão, às riscas -
caiu-me no colo e pronto, o inevitável morno rodopio
de um crepúsculo laranja macio e persistente
que pode ser miragem, pode ser desvario
pode ser tudo porque sentido -

é curioso observar a ladeira do tempo
o escorregar nas folhas dos versos como se de um Outono
e o ultrapassar dos frios polares conservando o fluir do pêndulo –

batem intensamente os batimentos de fogo
e mergulho no acaso do poema
a ideia antiga
para sentir o presente e o futuro

como um rumo

e um destino -

josé ferreira