terça-feira, 13 de março de 2012

a não interpretação dos sonhos




tenho que te confessar um segredo
hoje nasceu um sol indomável pela manhã
um sonho ou uma realidade da qual duvido
talvez uma invasão sobrenatural –

de repente, muito de repente
imobilizou-me como se não fosse gente
e à volta, a matéria inanimada, ganhou movimento:
as telas e os poemas ficaram cobertos de fumos
e sofreram o toque mágico de uma fluida existência;
os poemas cheios de problemas numa grande confusão
e as telas descoladas das paredes
a libertarem impossibilidades:
figuras cresceram, soltaram-se deixaram as telas brancas
também libertas mas com pernas, andando como se fossem cartas
vazias de letras, sem paus nem espadas–

as mulheres que eram mulheres, nas telas
sentavam-se nas cadeiras do quarto
e o espanto era grande
as cores mais improváveis, uma maçã azul
atravessava-se de realidade
e silvavam setas pelo ar que me atravessavam por todos os lados
mas sem qualquer dor, como se fosse de ar ou uma nuvem
ou um pedaço de vento num corpo sem visibilidade –

uma figura pequena, nua, voava e ria-se com gargalhadas grandes
ia contra as paredes, subia pelo candeeiro
e ria-se com gargalhadas grandes.
pisava com os pés pequenos todos os poemas
e ria-se com gargalhadas grandes.
e falava-me com palavras estranhas, imperceptíveis
como quando as águas se despenham nas gargantas de cataratas
ou como quando o silêncio dos lagos nos colocam a agarrar a lua –

aquela figura pequena e endiabrada
falava-me na tal língua como se me contasse um segredo
um nome, um lugar, um barco, um rio ou uma cidade, imperceptível
e girava na secretária, no dedo grande, como se tivesse aulas de dança
por cima das letras mais escondidas, mais incompletas
mais encerradas de fumo ou submergidas por algas e limos –

aquela figura pequena e endiabrada, de asas brancas
erguia-se de arco nos dedos como as borboletas
e atirava setas e mais setas, setas e mais setas
e ria-se com gargalhadas grandes
de tal forma
que todas as mulheres que eram mulheres
sentadas nas cadeiras
levantavam as mãos e tapavam a boca
batiam com os pés no chão
e pareciam compreender tudo
como se eu não estivesse mudo
e os braços chegassem realmente ao céu
para abraçar a lua –


josé ferreira 13 março 2012