terça-feira, 20 de março de 2012

Hoje o céu é menos azul perdido em si mesmo
Desponta a manhã enquanto sonhamos inquietos a morte inaudita
O verbo não dito ante a escuridão do breu é um raio de luz
As palavras não cabem na solidão nem a podem nomear
A prosa não consola a agonia da ausência
Hoje não há poemas, antes rochas pétreas entretidas à espera
Há imagens surdas de som neutro que passam em filme mudo
Há pó de solidão nas estradas paradas que desdançam sem fome
Há céu a cobrir o infinito do meu mar
Um céu de nadas, de via láctea e de estrelas
A magia do azul que transforma conteúdo em forma
A tristeza num salpico salgado preso no trabalho raso
Os sapatos que sabem o caminho de cor mas não o percorrem
Só a mente hoje viaja longe num céu menos azul
O corpo sozinho já não é carne, é poeira transparente
É pó de solidão macio e terno, revolto de ausência.

Princípio bom - o meu poema para o dia do pai




Comigo eram três e por fim eram cinco
quando nasci fruto de um princípio bom
um pai que ainda está de cabelos ao vento
brancos de oitenta -

Conta-me ainda da mesma forma
os passeios de andas nos riachos
as quedas do marfim à frente
nas brincadeiras de criança
uma vez...e outra...e outra
com a mesma graça -

Estende no olhar a história difícil
de uma grande guerra de dor, fome
e ameaça; a altura em que viu partir
os muitos irmãos nas terras de Álvares
e Bolívar- os anos sem casa cheia
nos destinos díspares ausências
nas margens de um Oceano -

Ele e ela dois nós cinco somos
sete gomos do mesmo fruto
princípio bom
onde há mais sumos de futuro -

Um pouco surdo de ruídos telegrafista
nos tempos onde os segredos eram achas
fogueiras bruxuleantes de uma nova Inquisição
sem liberdades feitos de estátuas
pedras de um jogo obediente:
quem ouvia calava, quem sabia assobiava
quem sofria, era ilha que gritava na DGS
era esse o estado da Nação; mãos postas
bolas relvadas no chão, um fado cansado -

Um Setembro passado ouve festa
casou-se a primeira neta.
Este Dezembro montou-se o presépio
uma bisneta de mãos estendidas
olhos fechados a boca aberta
linda...linda...tão pequenina -
(A mim só de filhos, deu-me a saudade
de uma menina)

Não sei se lhe dar este poema
estes traços de verdade
factos precisos de meu pai -

Concerteza o abraço forte
beijos de face no sorriso da testa
e dizer emocionado que ainda
somos sete. Responderá "obrigado"
e dirá ao meu presente que não era
preciso -

Não sei dos outros e tantos são
falo do meu
do princípio bom
de mim nada digo
aguardo as palavras dos meus filhos -


Março 2009