quarta-feira, 11 de abril de 2012

Tempo em suspensão

É cedo para renascer
Há vontades e desejos contrafeitos
Sonhos apertados nas paredes
Beijos pendurados no ar.

É cedo para voar
O tempo parado aguarda a manhã
O colo da mãe redesenha-se
Os braços são berços de embalo.

É cedo para partir
Há calor nos espaços vazios
O ar é visível e as pontes móveis
As casas movem-se incertas com o vento.

É cedo para amar
Uma liberdade desconhecida
A que se conquista
Na doce dança dos olhares.

É cedo para falar
As palavras não dizem, escondem apenas
Nos muros guardam-se os medos cimentados
Segredos a desflorar na mente
É cedo para os contar
Agora que é tarde para apagar a lenta sombra da desilusão.

a carta que te escrevo ( III )


Matisse

escrevo-te esta carta para que a guardes
é a terceira e espero que nunca pare.
vou-te contar começa assim:

é curioso, hoje fechei o guarda-chuva para receber as águas
no rosto
gotas que caíam sem ser de orvalho, mornas, como se presas pelo sol
do outro lado das nuvens –

possuído pelo íman de uma estranha abstracção
escutava os ruídos contínuos nas calçadas
e pensava na forma exacta de vencer a tempestade:

"bem sei que as nuvens estão cinzentas e não faz sentido recebê-las soltas
as gotas, marcando um casaco largo carregado de letras
pedaços de versos, incompletos, fragmentos de futuros poemas –

não são doces estas gotas que o céu expulsa
e sinto o sabor de sal, e sinto como caem grossas
incompreendidas como se fossem falsas –

com a água e os papeis molhados, os bolsos estão pesados
e esse peso faz pesar a alma;
por um momento estes cimentos da cidade parecem lama e os pés afundam-se
como se tivessem toneladas de chumbo, parados – "

imagina o ridículo: um guarda-chuva grande de mulher, não tinha outro:
uma franja bege, um corpo bordeaux , como uma bengala de Charlot;
a inclinação do dorso, o cabelo líquido
e a chuva caindo, vinda de cima, de uma fúria imprevista –

imagina o ridículo, as pessoas que passavam diziam, deve ser promessa
ou então será louco e não parece, tem os olhos fechados –

sabes, tinha esquecido o facto de usar aquela tinta antiga, um azul destoado
uma tinta que engrossava e difusa escondia as palavras, as datas, os primeiros dias –

na sombra de uma varanda, do lado de fora de uma janela
abri com cuidado os quatro cantos dos quadrados, de guardanapos
folhas de linhas e folhas brancas, cuidadosamente
esperei que secassem –

os fragmentos vivos das letras pulsavam vermelhas
em batimentos cardíacos, um ritmo contínuo nas artérias
um sorriso nas orelhas, como se debaixo da mesma varanda
estivesse um lençol nocturno, uma fuga de um palácio
e nos teus olhos de princesa morasse o mundo –

escrevo-te esta carta com toda a força dos braços
com os cantos dos lábios crescidos e salientes
com o rosto iluminado
e desejo que todas as estrelas estejam a teu lado
cintilantes, para que adormeças e feches as pálpebras
na febre de um sonho sem pecados e um sono verde
de trevos de quatro lados –