sexta-feira, 13 de abril de 2012

Quando o infinito não tem tempo

Onde o tempo se esconde nascem ondas
Que tecem segredos e memórias lentas
Não há pessoas na dobra dos poemas
Apenas luzes escondidas à espreita
Como amantes nos dilemas doces do amor.

Um outro espaço de saudade
(há nas horas a pressa da vida)

Nos poemas o tempo baloiça
Colhe flores e escreve cartas
(há um outro tempo na beleza)
o tempo da luz original
a aura acesa na escura folha branca
(há falta de tempo e de espaço na vida)
(nos poemas não).

Há luz transparente
Feita de sonhos e risos de crianças
Brilhante na escuridão do olhar
À espera do desdobrar dos versos em danças
Num leve berço de embalar.

a carta que te escrevo (IV)




escrevo-te esta carta para que a guardes
dobrada no meio de um livro
a servir de marca, página quatro.
vou-te contar, começa assim:

sento-me sempre perto de ti
mesmo que imagine a decisão dos cabelos
a forma como se enfeitam ;
se se colocam de um e de outro lado dos ombros, em trança
ou se se misturam na desordem dos dedos
na moldura do rosto
no sorriso de um beijo –

os teus cabelos são uma presença
como se corrêssemos pelas veredas e encontrássemos amoras
como se as colhêssemos maduras e as trocássemos uma a uma nos lábios
como se não tivéssemos braços, apenas asas, como os pássaros –

os pássaros e o canto com os pés segurando os ramos
a impaciência e o voo
e seríamos do mesmo tamanho, por dentro
na presença de um ninho –

uma presença, enquanto insisto no desenho das letras
na tinta permanente, na chuva miudinha
na bicicleta, pedalando contra o vento
descendo uma estrada larga, uma Boavista
de bicicleta em vez de um eléctrico amarelo
onde se estica um cordel
e se faz soar a campainha –

como se pode parar o som, a voz de um búzio que não tem garganta
e que apenas sabe que o mar invade e existe num tamanho grande
que nunca acaba e sempre canta, a canção das ondas e da semelhança ?
como se pode parar o mundo? pensaste como seria?
Noite noite, dia dia –

não seria importante se náufragos numa ilha
se construíssemos uma casa numa árvore
se conseguíssemos partir os côcos e enrolássemos folhas
para servir de palhinha
não seria importante, não, não seria importante
se tivéssemos um iate de troncos para visitar a ilha
se tivéssemos uma viola ou um ukelelê para vibrar as cordas
em músicas construídas por noites noites ou dias dias –

e os livros seriam as pedras definitivas ou um chão de terra
em traços provisórios de poemas ou cartas sentidas
e inventaríamos um jogo
30 hectares de mensagens para serem vistas pelos aviões:
estamos assim bem, os dois –

um dia sonhei com um banho de espuma no cimo de uma colina
uma vista sem cimentos, tábuas ou gente
sem os linhos da camisa sem o aperto de botões
a espalhar um sabão de tangerina e a soprar balões –

um dia sonhei com um panamá e um chapéu largo de fita
um dia sonhei com a aquele banco corrido de pinho
um dia sonhei com uma parede de azulejos azuis
um prato típico de cerâmica com um pão estaladiço de trigo
e aquele barro estreito onde se assa uma alheira ou um chouriço
e se acompanha com um copo de vinho –
um dia sonhei que saías e que voltavas sempre como agora
quando sempre me sento contigo –

estrelas e estrelas
não decido quais as constelações que melhor cintilam
quais a que melhor são capazes de te sossegar os ouvidos
massajar as maçãs rosadas do teu sono
amaciar os teus medos, acertar o teu ritmo -

talvez um aroma
um aroma de uma flor nocturna
o aroma de uma flor pequena
o aroma de um sonho por um campo de relva fresca
por uma seara ainda verde, ou de nardos no Alentejo
ou prímulas como há muito tempo, crescendo, tornando-se diferentes –

dorme, dorme com os anjos afastando os pedaços de vento que por vezes ardem
dorme com os olhos fechados e os seios envolvidos no meu peito
dorme de lado ou de frente no silêncio puro de um lago
dorme no silêncio mais perfeito –

sabes ,quando me deito, por vezes com os olhos cansados
e as mãos ainda sujas de alguma tinta, deito-me
da mesma forma como me sento, sempre –

e escrevo-te –