domingo, 17 de junho de 2012

o teu ombro nu


                                          Salvador Dali 1925

leio as notícias na mesa de perna bamba, no princípio da tarde de um sábado.
um copo oscila e um prato bate. faz ruído
enquanto recordo o teu nome, os teus olhos tímidos
a tua curva do pescoço
o teu modo doce –

as notícias são iguais a um futebol de letras que muitos jogam melhor
ali mais para a esquerda, ali mesmo ao centro, à direita, que ninguém vê
e ninguém compreende que há uma mesa 
de perna manca, almofadada, para que não se ouça o som
do euro, do dólar e da libra, onde,  por debaixo  se faz silêncio
e se trocam com cuidado moedas e cassetes, discos e envelopes
com um assentimento dos olhos com a participação das mãos –

guardam segredos numa bolsa de contradições
e oposições,  a antítese do sonho, porque por debaixo da mesa se faz o jogo
um jogo de árbitros de fruta podre  e de marcações
um vício, digo, inútil para a alma, mas imenso para o umbigo –

e é tão cansativo este lamaçal –

mas guardo o jornal, dobro-o todo, arrumo-o na saca
como se levantasse uma mesa, como se dobrasse uma toalha que parece branca
mas está cheia de nódoas, de um vinho falso, de umas migalhas de aço
de um riso gasto de espiões de caras quadradas, de testas de ferro –

guardo todas as notícias na saca plástica, e fecho  os olhos
para seguir ao sul, à cor mais azul, até ás casas brancas caiadas de cal
com terraços árabes para secarem figos para trazerem mel
e penso em ti, no teu rosto e nos teus lábios molhados de chá egípcio
nos teus pulsos de veias finas e pulseiras de cores argentinas -


pergunto-me onde está a trança, ao centro ou em que ombro?
suponho que usas o vestido branco e que subiste acima à varanda.
vês provavelmente os telhados, ao fundo o mar.  e é a hora inapropriada da radiação.
mas protejo-te, deixa subir o sangue, crescer a tonalidade vermelha
afinal é quase verão e os deuses exigem atenção:  as tuas pálpebras
o ângulo recto dos  joelhos, os pés descalços nos azulejos
sentada na cadeira e sem a mesa, escutando a sesta e o silêncio próximo –

não te mexas, abre as mãos como quem espera uma carta ou um poema
 espera mais um segundo
pergunto ao vento se me leva, junto do teu ombro

os lábios –



josé ferreira