domingo, 22 de dezembro de 2013

História Antiga



Era uma vez, lá na Judeia, um rei.
Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.
A gente olhava, reparava e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.

E, na verdade, assim acontecia.
Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei
Por não ter coração,
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades e aldeias da nação.

Mas, por acaso ou milagre, aconteceu
Que, num burrinho pela areia fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um pequenito
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter no inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças.

Miguel Torga


terça-feira, 26 de novembro de 2013

You are welcome to elsinore - Mário Cesariny (9 Agosto 1923 - 26 Novembro 2006)

Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos a morte      violar-nos     tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas      portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício
Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição
Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor
E há palavras nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmos só amor só solidão desfeita
Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar

                 Mário Cesariny, in Pena Capital

  (Lisboa, 9 de Agosto de 1923 - 26 de Novembro de 2006)

terça-feira, 19 de novembro de 2013

existem dois mil livros

Shakespeare and Company Bookstore, Paris, France.
imagem daqui

chegou  a saudade dos violinos com a quebra de luz na janela.
o escuro invade a sala, o computador e a cadeira ocupada;
uma penumbra que se abre -
onde andas borboleta de mil folhas?
onde andas estrela cintilante de tantos dias e tantas noites?
porque parou a luz agora, neste instante?
arrefecem os pés com o inverno à solta, o frio não voa

e existem dois mil livros que nos chamam pelos nomes  -

josé ferreira    19 novembro 2011

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Não posso adiar o amor - Um poema de António Ramos Rosa

. 
imagem daqui

Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas

Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio

Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação

Não posso adiar o coração

António Ramos Rosa,  Matéria de Amor, Presença, 1985

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

O Meu Soneto - um poema de Florbela Espanca

imagem daqui

Em atitudes e em ritmos fleumáticos,
Erguendo as mãos em gestos recolhidos,
Todos brocados fúlgidos, hieráticos,
Em ti andam bailando os meus sentidos...

E os meus olhos serenos, enigmáticos
Meninos que na estrada andam perdidos,
Dolorosos, tristíssimos, extáticos,
São letras de poemas nunca lidos...

As magnólias abertas dos meus dedos
São mistérios, são filtros, são enredos
Que pecados d´amor trazem de rastros...

E a minha boca, a rútila manhã,
Na Via Láctea, lírica, pagã,
A rir desfolha as pétalas dos astros!..

Florbela Espanca, in "A Mensageira das Violetas" lido aqui

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

o mar como a poesia

imagem daqui


sabes,
acordei com o som de ondas enroladas num colar branco
e um aroma verde de limos e algas,  a maresia –

o mar tem destas coisas, toca-nos pelo olhar e pelo som
pela imensidão
pela linha definida que junta o azul
pelo segredo que se esconde na viagem dos peixes
pela quilha que avança, no movimento dos barcos
 e no voo planado de gaivotas pelo ar –

o mar tem destas coisas, sublima, da terra ao céu
como em Turner
entre o naufrágio e o sublime, ou determina 
o dia seguinte
entre o crepúsculo laranja que despede o dia
 e o silêncio das estrelas que nos olham de cima  –

o mar tem destas coisas, liga
está para além da rotação dos astros
da cultura dos livros
o mar é o espelho de Olimpo mesmo que não exista –

 no descer  das pálpebras, escutam-se os búzios, e imagina-se–

o mar tem destas coisas, como a poesia
uma emergência que não se domina, uma realidade e uma sina –

sabes,
acordei com o ombro quieto e o teu rosto paralelo
mas não despertes, peço-te
queria colocar-te um colar branco de espuma
soletrar-te o mar e entregar-te o brilho  de uma pérola original –
a tua mão é uma concha aberta aos primeiros raios de sol.
permanece -

lá fora, as ondas continuam enroladas –

josé ferreira 27 de agosto 2013

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Soneto de Vinicius para Neruda e e um samba para Vinicius


Soneto de homenagem a Pablo Neruda

Quantos caminhos não fizemos juntos
Neruda, meu irmão, meu companheiro...
Mas este encontro súbito, entre muitos
Não foi ele o mais belo e verdadeiro?

Canto maior, canto menor - dois cantos
Fazem-se agora ouvir sob o Cruzeiro
E em seu recesso as cóleras e os prantos
Do homem chileno e do homem brasileiro

E o seu amor - o amor que hoje encontramos...
Por isso, ao se tocarem nossos ramos
celebro-te ainda além, Cantor Geral

Porque como eu, bicho pesado, voas
mas mais e melhor do céu entoas
teu furioso material!

Vinicius de Moraes ( 1960 )

sexta-feira, 26 de julho de 2013

"Em seu entender o poeta..." por David Mourão


imagem daqui

                   XLI

Em seu entender, o poeta nunca
aprende; nem ensina. Limita-se
a apreender; e a ficar apreensivo
ou a superar a apreensão

David Mourão Ferreira, Jogo de Espelhos, Presença

quinta-feira, 18 de julho de 2013

procurar poemas

flickr.com
flickr aqui


procurei poemas no sol incansável do meio-dia
e nenhum  surgiu sem  sombra
na verticalidade própria de uma hora exacta
como instante único na cor do dia –

foi ingenuidade querer encontrá-los numa única vontade
os poemas são sempre de mãos juntas ou de lutas.
os poemas estão para além de quartos nas cidades
e de ruas a ferver nos semáforos.
os poemas são redondos e completos
numa analepse do mundo, de Ítaca a um céu futuro -
os poemas são a proximidade possível com a natureza
na essência que exige água e luz
a superfície de um planeta -

os poemas todos juntos escrevem o mundo -

josé ferreira

domingo, 7 de julho de 2013

escrevo-te (XXI) - sobre o mar

Amadeo Modigliani


escrevo-te sobre o mar no poema vinte um.
quero que o guardes junto de uma macieira vermelha
protegido num rolo de aguarela, enrolado na forma de papiro.
tem os cantos queimados como costumava fazer na mesma idade do poema
incinerando os  vazios do papel que se desprendiam num fumo que subia
e depois caíam exaustos, separados entre cinza e espírito
como se dividissem a alma
entre o eterno,  que colocava a moldura da forma
e o momento da aura,  de terminar a obra de arte, depois de soltar as palavras fugidias
nos recantos da praia, nas relvas dos jardins, na solidão das paredes insensíveis
e de uma luz eléctrica transformada na sensualidade de um teatro  de sombras
como se decorresse um filme à luz de lamparinas  –


se lhe chamo obra de arte não é um elogio, tenho a consciência dos limites.
houve dias e dias, horas e horas, numa existência morta.
casualidades e banalidades pelos interstícios de muitos anos perdidos.
sem resultados, sem linhas escritas -

os poemas são a obra de arte que significam sem a preocupação de medida.
uma efervescência, uma ebulição, um assobio, o lugar de um número ímpar;
serei sempre um desconhecido do tempo, um vagabundo da luz e da poesia –


para além do mar e desta cidade parada na foz de um rio
escrevo-te sobre a revolução  das glícinias
quando  lançam os braços doces nas noites propícias.
como uma luz âmbar na cor lilás do teu  sorriso, o teu sorriso
irrepreensível de sentido, natural, solto, em frente de um chá de camomila
depois de colocares os lábios num copo de vinho
após o desfazer dos brincos de cereja, primeiro de  par em par
e depois um a um,  caindo –

o mar está ali à minha frente, sei que o vês nitidamente
da esplanada de folhas brancas manuscritas, por detrás dos óculos escuros
com os olhos de brilho.
o mar persistente de ruído branco e sal infinito –

sei que o vês nitidamente enquanto recordo o teu baixar das pálpebras
os meus lábios aflitos
e as horas fugitivas como se fossem minutos e segundos pequeninos –

calo-me, deixo que as lágrimas caiam, e sim, são esses borrões de tinta.
não, não é um momento triste, porque na memória reside o vivido
o campo risonho de margaridas, as nuvens, o céu azul, o sol  e a chuva
a protecção de um bosque e uma casa escondida
de cortinas de renda e lenha acesa, na luz tremeluzente
como a das lamparinas –

dançaste a noite inteira, derrubaste cadeiras na coreografia
percorreste a sala iluminada como se fosse uma corrida
e depois paraste, abriste os braços e teu coração batia.
era a noite dos milagres,  a lua estava cheia e as estrelas protegiam –

calo-me, e dou lugar às ondas. caminho. a areia escorrega
a água esgota-se na clepsidra
os pés vestem-se de branco e as veias apertam.
calo-me e o mar avança, cobre-me de limos
adivinho-te na rocha mais distante como uma figura de mitologia
os cabelos reluzentes, a pele em contraluz, os raios procurando aberturas
chegando com as ondas e partindo num som imperceptível –

josé ferreira 7 julho 2013

quinta-feira, 4 de julho de 2013

um poema de Sophia - O mar dos meus olhos


Amadeo Modigliani



Há mulheres que trazem o mar nos olhos
Não pela cor
Mas pela vastidão da alma
E trazem a poesia nos dedos e nos sorrisos
Ficam para além do tempo
Como se a maré nunca as levasse
Da praia onde foram felizes
Há mulheres que trazem o mar nos olhos
pela grandeza da imensidão da alma
pelo infinito modo como abarcam as coisas e os Homens...
Há mulheres que são maré em noites de tardes 
e calma

Em "Obra poética" (Ed. Caminho, 2010) lido aqui

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Um conto de Kafka - Os que passam a correr




Se vamos a passear à noite por uma rua e um homem que ao longe se avista - porque a rua sobe à nossa frente e a lua está cheia - vem a correr de encontro a nós, então não o vamos agarrar, apesar de ele ser fraco e andrajoso, apesar de vir uma pessoa a correr atrás dele e a gritar, vamos antes deixá-lo passar.
Porque é de noite e não temos culpa que a rua seja a subir e esteja iluminada pela lua, e, além de mais, talvez estes dois homens tenham organizado a caça para seu divertimento, talvez os dois persigam um terceiro, talvez o primeiro esteja a ser injustamente perseguido, talvez o segundo queira matar e nós seríamos cúmplices do crime, talvez os dois não saibam nada um do outro e cada qual apenas corra, por sua própria iniciativa, para a sua cama, talvez sejam sunâmbulos, talvez o primeiro esteja armado.
E afinal de contas não podemos nós estar cansados, não é verdade que bebemos muito vinho? Estamos contentes por também já não vermos o segundo homem.


Franz Kafka lido aqui

terça-feira, 2 de julho de 2013

Ana Luísa Amaral - Fechar os olhos e por dentro ecoar


Erica Hopper


Fechar os olhos e por dentro ecoar em passado.
Pensar «podia ter outra cor de pele, outra pelagem»
E o tempo virar-se do avesso, e entrar-se ali,
em vórtice, pelo tempo dentro.
Escolher.

Trazer cota de malha e de salitre,
ter chorado quando o porto ao longe se afastara,
milhares de milhas antes,
meses em sobressalto para trás.

As febres e tremuras durante a travessia,
 a água amarga, as noites
carregadas de estrelas,
 junto ao balanço do navio, um astrolábio.

Numa manhã de sol, do porto de vigia,
ver muito ao fundo, em doce oval,
a linha, quase tão longínqua como constelação.
Gritar «terra», gritar aos companheiros
ao fundo do navio, do fundo dos pulmões gritar,
e o bote depois, os remos largos,
a cama de areia e o arvoredo.

Ou trazer na cabeça penas coloridas,
conhecer só a fundo a areia branca
e o mar sem fundo, peixes pescados ao sabor dos dias,
uma língua a servir de subir a palmeiras,
a servir de caçar e contar histórias.

Moldar um arpão, começar por um osso
ou pedra e madeira,
entrelaçar o corpo da madeira, e o afiado da extremidade.
Contemplar devagar o resultado do trabalho
e da espera.
Ou a beleza. Escolher.

Trazer o fogo na mão, escondido pela pólvora,
fazer o fogo na orla da floresta.
Os risos das crianças, tocar a areia branca, tocar
a outra pele. Cruel,
o medo, vacilar entre a fome e o medo.
Ou não esco1her.

As penas coloridas sobre um elmo,
a cota de malha lançada pelo ar como uma seta,
os sons dos pássaros sobre a cabeça,
imitar os seus sons,
num lago de água doce limpar corpo e
pecados de imaginação,
sentir a noite dentro da noite,
a pele junto da pele,
imaginar um sítio sem idade.

Trocar o fogo escondido pelo fogo alerta,
o arpão pelo braço que se estende,
gritar «eis-me, vida»,
sem ouro ou pratas.
Com a prata moldar um anel
e uma bola de fogo a fingir,
e do fogo desperto fazer uma ponte a estender-se
à palmeira mais alta.

Esquecer-se do estandarte no navio,
depois partir da areia branca, nadar até ao navio,
as penas coloridas junto a si,
trazer de novo o estandarte e desmembrá-lo.
Fazer uma vela, enfeitá-la de penas,
derretidos que foram, entretanto,
sob a fogueira a1ta e várias noites,
elmo e cota de malha.

Serão eles a dar firmeza ao suporte da vela,
um barco novo habitado de peixes
brilhantes como estrelas.

Não eleger nem mar, nem horizonte.
E embarcar sem mapa até ao fim
do escuro.


ana luísa amaral  vozes  dom quixote    2011 lido aqui

segunda-feira, 24 de junho de 2013

poema da noite de S.João

                                          imagem da internet  


cheiravas a manjerico
o teu rosto trazia a suavidade da seda
os olhos brilhavam mais do que a lua
que sendo assim se tornava pequena
para o tamanho do meu mundo -

foi como se um puzzle se completasse
a peça de muitos milhares que faltava
e os meus braços abraçaram-te tanto
no teu tamanho exacto  -

foi como se um anjo descesse à terra
e não fosse a madrugada
de novo a noite grande imensa
de novo a noite de balões que sobem
de foguetes que disparam
de novo o rio, a ponte e a cidade
de novo a noite iluminada -

josé ferreira 24 junho 2013

terça-feira, 2 de abril de 2013

escrevo-te XV - a rua das gaivotas e a metamorfose dos pássaros



imagem daqui 


escrevo-te no primeiro dia de abril
no simbolismo de inscrever verdades e negar mentiras.
não sei  dos teus olhos nem qual o mar em que navegam
quais as ondas, quais os ventos, quais os últimos caminhos
sei que andam soltos e sei que brilham –

vou-te contar: num pinheiro perto de moinhos e de sargaços
havia um pássaro pousado, recortado na cor da sombra contra o mundo
e fazia soar uma melodia, numa transparência tão cristalina que comovia.
sabes, não chovia e algumas linhas de sol abriam. fiquei parado
surpreendido, naquela dicotomia:
um silêncio na rua e o fluir seguro de uma melodia.
o que  diria a ave na árvore e naquele dia?
seria uma carta sem  palavras na metamorfose da música?
a quem escrevia?

escrevo-te e digo-te, as cores de acordes eram luminosidades perto do mar
sequenciais:  sol de sétima, si bemol, dó maior.
magnífica melodia. fiquei parado
sabes, fiquei petrificado, preso pelos ouvidos –

vou-te contar: à volta daquela redoma de sons nada ousava tocar
e ficámos parados, eu, o silêncio e a árvore.
depois de cinco minutos naquela quietude completa
por detrás de uma janela
numa casa abraçada de ambos os lados, por irmãs gémeas
por detrás de uma janela, uma cortina oscilava de nascente a poente
na perpendicularidade do mar da Apúlia, onde ondas chegavam e partiam
sem ganharem qualquer protagonismo, envolvidas e mudas
nos cristais da melodia –

a luz de fora das janelas escondia as mãos, os dedos, a fisionomia
mas não escondia a leveza de gestos, a sensibilidade feminina.
sabes, fiquei parado, qual mármore em estátua, e a melodia subia, subia -

a ave depois da cortina oscilar, cantava mais expressiva, esdrúxula e afirmativa
como uma ópera de Puccini, como  um uníssono sem vozes no deslizar de cerdas
sobre cordas de violinos –

escrevo-te e digo-te, foi uma surpresa de rouxinol, uma história infantil
reassumida na memória dos primeiros livros, Andersen, o nórdico
e outras histórias em que se acredita em fantasias
em que não queremos crescer para os mundos modernos, tão frios
sem qualquer poesia -

 lembro-me e digo-te o que me ocorreu naquele dia
naquela hora parada de uma tarde de sábado
em que o mar estava demasiado longe para que juntasse a força das ondas
provavelmente povoado de búzios em dunas de areias sozinhas
e em que se ouvia no lado esquerdo do pinheiro
o pulsar da melodia, cristalino, interminável
enquanto a cortina, segura nos dedos femininos, escutava e escutava
na mesma linha, sem desistência, sem movimento e em silêncio -

sabes, talvez fosse um príncipe
talvez fosse um príncipe que cantava e uma princesa que ouvia
e vão ser felizes, vão ser felizes
na rua das gaivotas e na metamorfose dos pássaros -

josé ferreira 1 de abril de 2013

sexta-feira, 8 de março de 2013

DIA INTERNACIONAL DA MULHER


INSUBMISSÃO

Somos corsárias
febris
por areias dos desertos

Seguimos estrelas cadentes
e montando os nossos sonhos
cumprimos roteiros incertos

Vamos atrás das paixões
com o faim à cintura
e a pena no coração

Para escrevermos poesia
invertendo o cantochão

Com a arte da insídia
olhamos o horizonte alucinando
os oásis, abismando sortilégios

Escutamos os clamores
os oceanos celestes
nos silêncios dos desertos

Buscamos os infiéis
com olhos de expiação

Somos hábeis e seguras
ambíguas, doces, cruéis
nós partimos sem regresso

Ora flibusteiras
em horas de cerração
entre a paixão e o inverso

Ora piratas do limbo
abandonando os arquétipos

A cimitarra à cintura
e o júbilo no coração
pelo avesso dos versos

Somos a rosa e o espinho
a sombra no seu desvão

Entre o fuso e o enigma
a navalha entreaberta
e os nevoeiros secretos

Somos corsárias
sonhando
nas areias dos desertos

Maria Teresa Horta
Lisboa, 8 de Março de 2013