
David Bowers
entrego-te o meu coração percebe-o bem
porque não há limites para o infinito da composição.
o finito importa o vermelho dos vasos, a aorta que abre
e esse é apenas um fragmento que o compõe:
um mundo físico de átomos, falíveis e infalíveis conforme o tempo
o tempo que a natureza não mede e portanto não tem –
talvez seja esse o grande desconforto, a grande desordem
que pontua o humano, o cronómetro
o pêndulo que oscila como condição
o limite desde o óvulo da criação –
o meu coração, percebe-o bem. coloca –lhe a cor única
como a impressão imediata de uma valsa de flores de um bailado
ou o impacto de um quadro de Leonardo
um surrealismo de Dali, um segredo de amantes de Magritte-
o coração pode ser infinito, para sempre, como um livro de Tolstoy –
o coração é um segredo e vive de fragmentos –
o coração não pressupõe a analogia de uma ciência pura
uma matemática de células, um big-bang de vida
o coração não se remenda, comporta os fragmentos da lesão e avança
para a delicadeza das rendas e a passagem de pontes
e, por vezes, a paragem necessária para recolher as memórias da nascente
os caminhos inapercebidos do poente, a compressão das margens
ou as parecenças de um mar parado
num grande leito, amplo e muito sossegado –
entrego-te o meu coração, percebe-o bem, pela moldura dos vimes
pela sazonalidade dos dias - o sol e a chuva dos caminhos
pelo azul e pelo lilás, pelas asas das borboletas e o voo doce das abelhas
pelos pássaros e pelas marcas nos troncos de árvores
entre o jogo dos hábitos e a transcendência do espírito –
o coração não é fragmento, não tem princípio e fim
existe antes de existir na imagem inatingível
e vai para além do último minuto
se foi forte, se fez sentido, se foi sublime –
entrego-te o meu coração, percebe-o bem –
josé ferreira 30 Novembro 2013