segunda-feira, 24 de março de 2014

Um poema de Natércia Freire

imagem daqui

Vem, como dantes!
Livra-me do peso
Das palavras que exigem
Seu objecto.

Da música, ordenando
Um som concreto.

Dos sentimentos coesos
Com a morada.

Desmancha
Com teus dedos
De um cortante cristal
De ágeis segredos
A ligação do corpo
Com os seus medos
De morrer sem memória,
Solitário.

Com tua treva e luz
Tumultuosos
Desfaz e faz
Os sonhos e as cousas
Do Tempo
Eterno em seu itinerário.

Mesmo na solidão
De ruas longas
Quando os vivos e os mortos
São só sombras
E eu sou apenas
Rectas de um degrau…

Tu podes
Como um deus
Combalido e amargurado
Ao direito negado
Abrir no Espaço
Um som de sementeiras

Erguer no Espaço
Os aquedutos de oiro,
Esconder amigos falsos
Como um grande tesoiro.

E propor, como aos sinos,
Uma infinda ousadia
De invisíveis destinos,
Esses, que eu espero e vivo
E respiro, mortal.

Natércia Freire in Obra poética, vol. II lido aqui